“A água já é mais valiosa que o petróleo para o Algarve”

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Teresa Fernandes admite que “a escassez da água doce será algo que poderá vir a acontecer”, devido aos efeitos das alterações climáticas, que, de resto, já se fazem sentir no Algarve

Não é de hoje que escutamos os especialistas afirmarem que, no futuro, a água será o motivo das guerras, substituindo o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo. A situação não chega a tanto no Algarve, mas já há sinais de preocupação. A atual tendência de subida da temperatura e de diminuição da precipitação média é um dos desafios mais exigentes para a região algarvia nos próximos anos. “Iremos sofrer um amplo e diversificado conjunto de impactes sobre os vários setores da atividade, que a longo prazo serão gravosos e certamente muito negativos”, refere a porta-voz da empresa Águas do Algarve. Em entrevista ao JA, Teresa Fernandes lembra que o Algarve é uma das regiões europeias mais sensíveis aos impactos das alterações climáticas, pelo que não considera dramatismo dizer que “a água já é mais valiosa que o ouro ou o petróleo”. Afinal, existe uma alternativa para o petróleo, mas não para a água…!

 

NUNO COUTO

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Jornal do Algarve – Quais são, neste momento, os desafios da água para o Algarve?
Teresa Fernandes – Como sabe, a Águas do Algarve tem como missão garantir o abastecimento de água para consumo humano, quer em quantidade quer em qualidade, e o tratamento de águas residuais de acordo com os mais elevados padrões de qualidade e fiabilidade em toda a região algarvia. Estamos a falar de uma população de 500 mil habitantes, em época baixa, e mais de 1,8 milhões de habitantes, em época alta, com tudo o que isto implica! Neste quadro, e no setor da água, há que considerar as alterações climáticas que vieram para ficar, e que já se começam a fazer sentir no nosso país e na nossa região.

J.A. – De que forma é que as alterações climáticas já se fazem sentir no Algarve? E como será o futuro?
T.F. – Iremos sofrer um amplo e diversificado conjunto de impactes sobre os vários setores da atividade, que a longo prazo serão gravosos e certamente muito negativos. Um exemplo atual e confirmado é a tendência de subida da temperatura e de diminuição da precipitação média, com fenómenos extremos meteorológicos. A avaliação integrada por parte de todos os setores de atividade acerca dos impactos que as alterações climáticas irão provocar, permite-nos obter uma visão global do futuro, para que, também no nosso setor, seja possível redefinir quais as medidas mais adequadas de adaptação e minimização dos impactes, através da definição de novas estratégias e planos nacionais e regionais, para enfrentar as alterações climáticas e os novos desafios ambientais. São certamente alguns dos maiores desafios que o setor e a Águas do Algarve terão pela frente nos próximos anos. Acredito que estes desafios devem e podem ser encarados de forma positiva e como oportunidade de desenvolvimento, continuando a garantir as necessidades atuais sem comprometer o futuro, num quadro de desenvolvimento sustentável.

J.A. – No entanto, a desertificação já afeta dois terços do território do Algarve. Este é um grande desafio para a região e a Águas do Algarve?
T.F. – Sem dúvida que sim. Os efeitos das alterações climáticas – como as inundações, as secas e os incêndios –, que incidem com maior intensidade em algumas partes do nosso território, têm um elevado impacto, provocando danos na natureza, na economia e na vida das pessoas em geral. São situações que contribuem para o cada vez maior fluxo migratório de população, que saem das zonas rurais para as cidades procurando melhores condições de vida.

J.A. – O que deve ser feito para travar essa tendência?
T.F. – Esta é uma realidade e uma preocupação atual que deve ser acompanhada de perto. Compreender estes fluxos é meio caminho andado para a necessidade de criação de estratégias para o “combate à migração”, evitando-se a desertificação do interior da nossa região ou, em alternativa, a adoção de políticas que promovam um desenvolvimento organizado dos centros urbanos e garantir que estas pessoas tenham acesso aos serviços já oferecidos à população urbana. Para isso, é necessário que haja a consciência da necessidade da criação de novas estruturas, instituições e planeamento atempado, que, no caso da Águas do Algarve, se prende com o acesso à agua para consumo humano em qualidade e quantidade e o adequado sistema de saneamento.

J.A. – O fenómeno da desertificação, as alterações climáticas e o atual período de seca, podem agravar a situação num futuro muito próximo?
T.F. – De acordo com a comunidade cientifica mundial, as alterações climáticas são uma realidade inquestionável com efeitos à escala global. Em algumas regiões, os fenómenos meteorológicos extremos estão a tornar-se cada vez mais comuns. As temperaturas estão a aumentar, os ditos padrões ditos normais de pluviosidade estão a mudar, os glaciares estão a derreter, o nível médio da água do mar a aumentar… De acordo com as previsões, estes impactos irão intensificar-se nas próximas décadas.

J.A. – Até que ponto? Qual o pior cenário?
T.F. – Estamos na presença uma das principais ameaças ao desenvolvimento sustentável a nível mundial, colocando em causa não apenas os equilíbrios naturais, mas também a segurança da população. Portugal (e especialmente o Algarve), situando-se no sul da Europa, apresenta características naturais, nomeadamente climáticas e topográficas, que nos coloca na lista dos países europeus mais sensíveis aos impactos das alterações climáticas. Contudo, a história diz-nos que a humanidade sempre foi capaz de resolver os graves problemas com que se defrontou, nunca deixando de seguir em frente! Acredito que o mesmo acontecerá com as gerações do presente e do futuro. Todavia, não podemos esquecer que existe um importante desafio afeto a cada um de nós, não deixando as responsabilidades por conta alheia, como sejam as empresas, instituições governamentais, cada um de nós, individualmente, pode e deve fazer a diferença. Temos a obrigação de efetuar opções inteligentes e ambientalmente corretas, que minimizem, quer a frequência, quer os efeitos das consequências das alterações climáticas, questionando os nossos padrões de vida de forma a adotar comportamentos sustentáveis.

J.A. – Pode dar um exemplo?
T.F. – Por exemplo, o uso inteligente da água evitando o desperdício, reutilização da água, boas práticas energéticas, aproveitar a energia de fontes alternativas, preferir os transportes mais eficientes, reduzir, reutilizar e reciclar, mudar hábitos que visem a minimização de desperdício no geral.

J.A. – Da sua experiência, quais são os pontos fortes do setor da água e do saneamento no Algarve?
T.F. – Voltando um pouco atrás no tempo, recorde-se que, até ao início do funcionamento do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Algarve (no ano 2000), a região algarvia debatia-se com problemas quantitativos e qualitativos da água para abastecimento público, sendo as respetivas origens quase exclusivamente subterrâneas. A qualidade de vida das populações e as atividades económicas encontravam-se, por isso, limitadas. A pressão exercida pela procura crescente de água efetuava-se a um ritmo tal, que boa parte dos aquíferos, em resultado da sobre-exploração a que estavam submetidos, em especial durante séries de anos secos, revelavam significativos abaixamentos de produtividade e diminuição da qualidade da água fornecida com intrusão salina, que conduziu a um aumento acentuado dos teores em cloretos em zonas próximas do mar, e também a poluição difusa, resultante de atividades agrícolas intensivas.

J.A. – O que mudou, então, no Algarve?
T.F. – Atualmente, os Sistemas Multimunicipais de Abastecimento de Água e de Saneamento do Algarve são um dos investimentos mais importantes dos últimos trinta anos na região, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, económico, ambiental, de diversidade e complexidade técnica e extensão do investimento. Apenas no sistema de abastecimento de água, o investimento total previsto é da ordem dos 326 milhões de euros, sendo que deste valor já foi investido cerca de 271 milhões de euros. Relativamente ao sistema de saneamento, o investimento previsto é da ordem dos 340 milhões de euros, sendo que deste valor já foi investido cerca de 227 milhões de euros. Atualmente, a Águas do Algarve, gestora dos dois sistemas multimunicipais, proporciona a acessibilidade ao serviço a 99% da população total da região com sistemas públicos de abastecimento de água e a cerca de 98% da população com sistemas públicos de saneamento de águas residuais urbanas. Sem dúvida, não são apenas pontos fortes, como também fatores que contribuem de forma imprescindível para o desenvolvimento sustentável da região, da dinamização do tecido empresarial local e, consequentemente, em prol do bem-estar da população algarvia e de todos aqueles que nos visitam.

A tendência de subida da temperatura e diminuição da precipitação, com fenómenos extremos meteorológicos, é um dos maiores desafios que o setor e a Águas do Algarve terão de enfrentar nos próximos anos

J.A. – Imagina um futuro onde a água possa vir a ser mais valiosa que o ouro ou o petróleo, ou dizer isso é dramatismo…?
T.F. – Não seria egoísmo da minha parte dizer que a água já é mais valiosa que o ouro ou o petróleo. Afinal, a água é vida, e sem ela do que nos vale o petróleo ou todo o ouro do mundo? São necessários, claro, mas não são fundamentais. Mas sejamos pragmáticos: a água é um recurso natural, valioso, esgotável e essencial à vida, e, como tal, deve ser preservada. Perante os desafios ambientais cada vez mais exigentes, a cada vez maior procura de água pelo aumento da população mundial, e para os cada vez mais usos industriais, a consequente degradação da qualidade das origens de água doce são fatores que levam a acreditar que a escassez da água doce será algo que virá a acontecer. E o atendimento à população será um desafio! Veja-se que, de acordo com o último relatório das Nações Unidas, a escassez de água atinge já 20% da população mundial. Até 2025, este valor deve chegar a 33% – pela conjunção de fatores como desperdício, falta de planeamento, problemas ambientais, mudanças climáticas e aumento da procura. No nosso dia-a-dia, quando pensamos em água, de imediato pensamos naquilo que é básico: o banho, a rega, matar a sede… mas a necessidade dos recursos hídricos vai muito além disso! A consciencialização da população para este cenário assume-se, portanto, de vital importância.

J.A. – A Águas do Algarve voltou a ser distinguida no final de 2017, desta vez com mais um “selo de qualidade exemplar da água para consumo humano”. A população do Algarve é servida com a melhor água do mundo?
T.F. – Não sei se é a melhor água do mundo, mas sei que se não for a melhor, será certamente uma das melhores classificadas no “pódio”. A água fornecida pela Águas do Algarve a todos os 16 municípios da região, destaca-se pela sua excelente qualidade, suportada através do cumprimento das melhores práticas de operação e manutenção, sustentadas pela monitorização laboratorial de parâmetros acreditados. A prossecução da qualidade exemplar da água para consumo humano na Águas do Algarve é o resultado de todo o trabalho desenvolvido nas diversas áreas da empresa, desde a gestão das origens de água, o tratamento da água e a adução através do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Algarve, com o fornecimento contínuo de água para consumo humano a mais de setenta pontos de entrega municipais, com uma monitorização e análise laboratorial exigentes da qualidade da água em todos os pontos do sistema.

J.A. – O que diria às pessoas que ainda desconfiam da água que sai das torneiras na região?
T.F. – Diria que já existe uma garantia inequívoca da qualidade do produto água que é fornecida na nossa região. Para além disso, a água da torneira tem um baixo custo por litro, o que faz dela uma escolha racional e economicamente equilibrada. Concordando com a sua questão inicial: a água da nossa torneira é para mim a melhor do mundo!

J.A. – O Ministério do Ambiente lançou recentemente uma campanha contra o desperdício de água. A situação no Algarve justifica um apelo à moderação do consumo de água?
T.F. – Felizmente as reservas de água para abastecimento público na região do Algarve permitem-nos assegurar de forma contínua, com qualidade e quantidade, o abastecimento de água às populações, quer residentes quer as flutuantes, durante o corrente ano. A gestão que é efetuada logo nas origens é muito eficiente, permitindo-nos um controlo equilibrado deste recurso. No entanto, esta situação não é motivo para dar azo ao desperdício e ao consumo exacerbado deste líquido. Para além de estarmos solidários com o nosso país e com as populações que sofrem com esta escassez, considera-se que estas campanhas são necessárias e importantes para relembrar os consumidores acerca do nosso papel diário, e de que um pequeno gesto, ao ser multiplicado, transforma-se numa grande medida, com impactos bastante significativos. Usar a água sim, mas sempre com inteligência!

J.A. – O maior problema de perdas de água está no uso doméstico ou noutros usos por câmaras e empresas? Estou a pensar nas lavagens da rua, na rega de relvados, nos campos de golfe…
T.F. – Devido às suas características intrínsecas, em praticamente todos os processos de abastecimento de água por meio das redes de distribuição existem perdas hídricas. A falta de investimento que se verificou ao longo de décadas nestas redes veio certamente agravar este panorama, que não é apenas regional, mas nacional (e internacional). Muito embora nos dias de hoje as autarquias já tenham dado início a um maior investimento nesta matéria, de forma a reduzir as perdas de água em todas as etapas do processo de fornecimento, há ainda muito a fazer na senda da eficiência do uso da água. Note-se que existem dois tipos de perdas, as reais e as aparentes, em que, para além das roturas na rede de distribuição, as perdas não contabilizadas pelos municípios resultam ainda de haver “água distribuída mas não faturada por inexistência de contadores”, ou pelo uso indevido de água. Em qualquer um destes casos, as perdas trazem impactos negativos para a sociedade, para o meio ambiente e inclusivamente para a receita dos municípios e empresas e, consequentemente, com efeitos nos investimentos necessários no setor. Se, para além destes fatores, considerarmos a problemática das alterações climáticas, onde as situações de escassez de água ameaçam tornar-se mais frequentes e longas, levando a uma maior pressão sobre os recursos hídricos, diria que é urgente resolver esta problemática que nos aflige a todos. No entanto, existem alguns casos de sucesso onde esta melhoria é bastante significativa e um exemplo a seguir, pelo que importa ressalvar. No caso da Águas do Algarve, a percentagem das perdas em todo o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Algarve é da ordem do 1%.

J.A. – E a dessalinização? Faz sentido?
T.F. – Existem vários países onde a gravidade da escassez da água é tão elevada que tem levado a fortes investimentos na dessalinização. Não indo muito longe, temos a nossa “vizinha” Espanha, onde isso já acontece. Neste momento, trata-se de uma solução ainda com custos económicos e ambientais algo significativos. Existem também cada vez mais estudos que pretendem melhorar os métodos já existentes e através da inovação melhorar a eficiência da tecnologia na dessalinização. As alterações climáticas têm responsabilidade nesta matéria, sendo que a dessalinização tem vindo a revestir-se de cada vez maior importância, com especialistas mundiais a apresentar cenários de escassez de água já a partir da próxima década. Com os recursos marítimos que Portugal tem ao dispor, cerca de 1.853 quilómetros de costa, acredito que este tema ganhará maior destaque nos próximos anos, como possível resposta no combate à escassez.

J.A. – Relativamente à questão tarifária, considera que os preços são justos?
T.F. – Esta é uma questão que não é simples de responder. Relativamente à Águas do Algarve, os preços da tarifa são aplicados pelo regulador e são iguais para todos os 16 municípios da região. Relativamente aos preços dos municípios aplicados ao consumidor, o que está inscrito na lei é que “os preços não devem ser inferiores aos custos direta e indiretamente suportados com a prestação desses serviços e com o fornecimento desses bens”. Surge-me, contudo, um pensamento no que se refere à indexação da tarifa dos resíduos alocada ao consumo de água, que tem vindo a gerar diversas situações conflituosas pelos consumidores que a considerarem injusta ao não se refletirem na mesma. Em meu entender, existe espaço para reflexão deste modelo, que possa dar origem a alterações e melhorias para todos.

J.A. – As obras das ETAR de Portimão e Faro/Olhão estarão concluídas dentro dos prazos? Quando entrarão em funcionamento? E pode garantir que vão resolver os problemas antigos de poluição e maus cheiros?
T.F. – As obras em ambas as ETAR estão a decorrer conforme os prazos previstos, sendo que durante o primeiro semestre de 2018 estarão ambas em condições de entrar em funcionamento. Com a concretização destes investimentos, a Águas do Algarve dá cumprimento à sua missão de prestar serviços públicos de água e saneamento de excelência aos 16 municípios da região, reforçando, em particular, a vertente do tratamento das águas residuais com tecnologias mais modernas e equipamentos mais robustos, com impacto positivo no meio recetor e na significativa redução dos cheiros provocados pelo género de produto tratado.

J.A. – Que outros projetos têm em curso? Que investimentos e objetivos a atingir estão previstos para os próximos anos?
T.F. – Em 17 anos de atividade, a Águas do Algarve já investiu acima de 500 milhões de euros na região, que permitiram melhorar as condições de acesso a água potável e assegurar a devolução das águas residuais ao meio hídrico em condições ambientalmente favoráveis, tendo previsto dar continuidade ao investimento em cerca de 140 milhões, até 2022, com especial enfoque em infraestruturas de saneamento de águas residuais, nomeadamente em termos de reabilitação e considerando os períodos de vida útil dos equipamentos. Destes investimentos e a curto prazo, foram recentemente lançados concursos públicos os quais estão a decorrer e são já de conhecimento público. Destaco, entre eles, a construção do Laboratório Central da Águas do Algarve, com o preço base de 1,5 milhões de euros.

(NOTÍCIA PUBLICADA NA ÚLTIMA EDIÇÃO DO JORNAL DO ALGARVE – NAS BANCAS A PARTIR DE 8 DE FEVEREIRO)

Nuno Couto|Jornal do Algarve

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