SMS 379 EM ESCASSOS TRÊS DIAS…
Referiu, e bem, o diretor do Jornal do Algarve, Fernando Reis, a perda de urbanidade dos algarvios ou, como disse, a arte de bem receber como era tradição e lhes era próprio. É verdade. Não é este o sítio mais indicado para identificar as causas dos destemperos de trato, nem a correção desse mal que é público e notório deve ser feita apenas em função do turismo que, queiramos ou não, é a bitola da sociedade algarvia. Mas não é desapropriado testemunhar o que me aconteceu no domingo, segunda e terça, escassos três dias:
1 – Uma rapariga que, saída de garagem à berma da estrada, deixou o carro atravancando metade de estrada municipal a seguir a uma curva apertada, forçando-me a travagem brusca, perante reparo delicado meu, enxotou-me como se enxota um cão e fez-me aquele gesto que apenas alguns desculpam a Carlos Queirós ou a bêbados de circunstância…
2 – A mulher que passeava dois cães atrelados deixou que estes fizessem à minha porta aquilo que nem Satanás permite à porta do inferno, e perante delicado reparo meu, deitou de imediato pela boca palavras equivalentes ao que os cães deitaram…
3 – Na esplanada de praia, a meio da manhã, e ainda quase tão deserta como Guimarães, confrontado com batuque de se ouvir na linha do mar alto, a rapaz tatuado aos botões, perante delicado reparo meu, respondeu simplesmente: “Tás incomodado, pá? Põe rolhas nos ouvidos, oh meu!”…
4 – Num café, pedi a substituição de um copo sujo à vista desarmada, veio outro copo sujo e que voltou para trás, veio outro como os anteriores, e perante um delicado reparo meu, o empregado de mesa não esteve por menos: “Se voceia quer melhor, olhe!, beba pela garrafa”…
5 – Um jeep conduzido por rapariga de óculos escuros presos aos cabelos, por pouco que não me ia passando a ferro numa passadeira de peões devidamente assinalada. Notando pelo retrovisor um delicado sinal meu apontando para a sinalética, nem mais nem menos, lá adiante ela fez aquilo que apenas se aprende com o ex-ministro Pinho…
6 – Na avenida principal da cidade, um homem trintão de fato imobiliário escuro e pasta de causídico formado em Beja, talvez inadvertidamente ao cruzar-se comigo, debitou para o chão aqueles quesitos de valente escarradela. Perante um delicado reparo meu, ele sorri e diz-me: “Caro senhor, dê-se por feliz não ser atingido”. E seguiu, empertigado e a badalar a pasta tal como os imperadores impotentes badalam o que simulam não lhes faltar…
7 – Numa tabacaria em zona de “turistas de luxo” – não é assim que se diz? – procurava eu um jornal que me interessava. A rapariga do balcão apontou, voltou a apontar e eu não conseguia descortinar. Ao quarto pedido de apoio, a rapariga solta intempestivamente aquele “Ali! Ali, homem! Não vê, ou quer que lhe empreste os meus óculos?” e após sorriso de desdém para este português continuou a atender um cliente alemão por gestos.
Em escassos três dias, é demais. E não cabe aqui contar o que terceiros me narraram ter-lhes acontecido numa junta de freguesia, na segurança social em Faro e nuns serviços camarários. Não cabe e um desses casos é até inacreditável. Vamos bem.
Flagrante obrigado à GNR: Em curva perigosa, o meu carro teve uma avaria simples mas suficiente para o imobilizar. Surgiu-me uma patrulha de trânsito da GNR e foram inexcedíveis – um deles até foi colocar o sinal de aviso de perigo, outro ajudou-me a colocar o colete. Solícitos em tudo, ates da retirada perguntaram-me se queria algum apoio. Fiquei sem saber os seus nomes e eles sem saber o meu. Obrigado.
Crise de identidade; crise de alteridade; crise de boas maneiras e de educação moral e cívica; de cidadania, de respeito para com o meio ambiente; de falta de consideração para com os mais velhos; sobranceria e arrogância; enxovalho quando somos atendidos pelos mais novos em estabelecimentos comerciais; é o que estamos a assistir a esta 3.ª geração pós 25 Abril 74. Isto quanto aos nacionais. Quanto à diáspora, passa-se o mesmo com a agravante e a escusa na língua que não sabem falar (a nossa), nem da cultura que não querem assimilar, preferindo muitos deles viver no seu “gheto”. Neste caso, quase toda a diàspora, como maior incidência para a British, que ao fim de mais de trinta anos radicados no Algarve, a maioria não pronuncia uma única palavra em português para além do “obrigado”. Quanto aos “algarvios”, andam com os valores todos trocados. A escola e as telenovelas alguma importância hão-de ter, no comportamento que evidencia esta nossa juventude algarvia. O problema é deles. Eles um dia hão-de aprender à sua própria custa, quando virem as portas fecharem-se na cara, com os propósitos que eles hoje evidenciam. Os tempos correm de feição contra eles. Quando se acabar o aconchego paternal, e tiverem de enfrentar sózinhos a carestia da vida que se avizinha, verão como será duro comer o pão que o diabo tem amassado para eles roerem juntamente com a sua falta de boas maneiras para com os seus superiores, patrôes, e de um modo geral, os mais velhos. E vão ter deixar de tratar os outros por “você”, e a não dizer “o que é que quer”, e aprender a dizer “se faz favor”, a pedir desculpa, e a dizer obrigado.