40 anos, 4 reitores, seis perguntas emocionais: Os reitores da Universidade em discurso direto

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Desde que foi decidida a sua criação, por decisão unânime dos deputados da Assembleia da República no dia 16 de janeiro de 1979, a Universidade do Algarve (UAlg) teve oito reitores: Manuel Gomes Guerreiro (eleito em 1980), Loyd Braga (1986), Jacinto Montalvão Marques (1990), Eugénio Alte da Veiga (1993), Adriano Pimpão (1998), João Guerreiro (2006), António Branco (2013) e o atual titular, Paulo Águas, eleito em dezembro de 2017. Os últimos quatro estão entre nós. O JA colocou-lhes seis perguntas, de caráter mais emotivo do que intelectual. Eis as respostas

João Prudêncio

Adriano Pimpão, 71 anos,
licenciado em Finanças, doutorado em Economia.
Reitor de 1998 a 2006

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  1. Qual a melhor recordação que guarda dos tempos de reitor?
    Foi a autorização do curso de Medicina por uma Comissão Internacional e depois pelo Ministério, em 2008. A melhor recordação foi o avanço, em 2004, dessa proposta. Em 2006 fizemos uma avaliação e depois houve a aprovação, em 2008. Eu já não era reitor.
  2. Qual o seu maior legado como reitor?
    Foi a afirmação da Universidade no contexto das várias universidades. Eramos uma instituição periférica e tínhamos que a afirmar a nível nacional. A minha eleição como presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), cargo que exerci de 2000 a 2005, também contribuiu para essa afirmação, pois a Universidade passou a ter maior destaque como interlocutor. Fomos das primeiras universidades a exigir como acesso uma nota mínima positiva. Antes não era assim.
  3. Qual a maior alegria que teve enquanto reitor?
    Foi mesmo a criação do curso de Medicina, que só seria anunciado formalmente em julho de 2008 e começou no ano seguinte, em setembro de 2009. Havia muitos interesses contra este curso. Nós trabalhámos quase em segredo, sem grandes alardes, e só quando tivemos a garantia de que ele tinha a qualidade exigida pela Comissão Internacional é que avançámos. Foi muito semelhante ao que se passou com a própria Universidade, que também diziam que era impossível, quando foi criada em 1979.
  4. Qual a sua maior tristeza ou frustração nesses anos?
    Foi quando os alunos decidiram fechar os portões da Universidade, em 2004 ou 2005. Foi uma situação passageira, mas tive um momento de muita tristeza. Havia uma contestação nacional contra as propinas e os estudantes alinharam nela e fecharam os portões. Mas também tive uma alegria na altura, porque eu uma dessas noites pedi para abrirem os portões, para eu sair, e saí debaixo de palmas!
  5. Qual a maior conquista da UAlg nestes 40 anos?
    O sucesso dos projetos de investigação. A dois níveis: primeiro serem selecionados e serem financiados e temos bons grupos de investigação; depois a ligação dessa investigação às necessidades do País, nomeadamente às ciências da vida.
  6. E o futuro da Universidade, é auspicioso?
    A Universidade tem esta capacidade de atrair pessoas de várias nacionalidades. E isso vai acontecer. Mas também vai ser fundamental a Universidade crescer. Só terá sucesso no futuro se aumentar o seu grau de internacionalização. Está numa região com pouca gente e não vive exclusivamente da comunidade à volta. Tem que se continuar a afirmar no resto do País, mas tem fundamentalmente que procurar a via da internacionalização. Sobretudo nas áreas das Ciências da Saúde, Turismo e Ciências do Mar, em que tem os melhores cursos e níveis de investigação do País.

João Guerreiro, 68 anos,
licenciado em Geografia, doutorado
em Economia. Reitor de 2006 a 2013

  1. Qual a melhor recordação que guarda dos tempos de reitor?
    É difícil isolar um momento. O que me traz melhor recordação foi ter estado oito anos a dinamizar um instrumento de qualificação, intervenção e internacionalização. A Universidade é um organismo inorgânico, não é uma empresa. É uma entidade com muitos centros de poder e ideias. A satisfação maior é canalizar toda esta criatividade para dar vida à Universidade, como instrumento de intervenção social e de qualificação.
  2. Qual o seu maior legado como reitor?
    Houve um conjunto de perturbações positivas nesses oito anos, que formataram o que é a Universidade portuguesa hoje em dia. Foi publicado o regime jurídico das instituições de regime superior; a Universidade passou a ter um órgão com participação externa com membros da sociedade civil, que é o Conselho Geral; passou a ter uma tendência de internacionalização na investigação científica; foi também no meu mandato que se formataram os cursos em função da lógica de Bolonha: os cursos foram avaliados externamente, tiveram uma acreditação externa fundamental para credibilizar a nossa oferta formativa. E a criação do Departamento de Medicina, que vem toda já do Adriano Pimpão mas só foi concretizada na minha gestão. Houve um parecer de uma comissão de avaliação externa, que disse que o nosso projeto ainda não estava sólido e credível. Foi necessário consolidar, e isso já foi no meu mandato, em que o novo projeto apresentado teve um parecer positivo.
  3. Qual a maior alegria que teve enquanto reitor?
    A criação do curso de Medicina, que teve um enorme impacto nacional. É um curso com uma estrutura interna diferente dos outros. O facto de termos feito aprovar um curso com essa estrutura foi um passo fundamental para credibilizar a Universidade.
  4. Qual a maior tristeza ou frustração?
    O meu segundo mandato foi afetado pelas restrições financeiras que resultaram do memorando da Troika. Isso levou a que muita da minha energia estivesse concentrada na procura de recursos financeiros para equilibrar o funcionamento da Universidade e não me tivesse dedicado o suficiente a outros domínios, como as pós-graduações, em associação com outras universidades estrangeiras.
  5. Qual a maior conquista da UAlg nestes 40 anos?
    No que respeita à formação, hoje em dia não há nenhuma entidade do Algarve, seja empresa, autarquia, ou entidade da Administração Central, que não tenha um licenciado da UAlg. A intervenção de qualificar o funcionamento das instituições e entidades do Algarve foi um elemento central nesta componente de formação. A segunda componente foi a consolidação das principais áreas de investigação e a sua projeção internacional. Hoje em dia temos cinco ou seis áreas em que a nossa formação é de excelência e tem projeção internacional. A última componente é a que tem sido mais lenta, é a articulação com entidades da região e de fora da região para definir projetos conjuntos com essas empresas e organismos.
  6. E o futuro da Universidade, é auspicioso?
    Está sempre a melhorar, vai ser melhor do que até agora. Há mais gente, mais capacidade e competências instaladas. Os dois grandes momentos serão o da internacionalização, não só quanto à investigação científica como quanto à captação de estudantes internacionais. Na visão da Universidade como no passado foi a região. Foi sempre uma região cosmopolita, com grande circulação de gente de várias nacionalidades. O segundo desafio é o de cada vez mais a Universidade estar aberta ao exterior para definir áreas de investigação aplicadas, desenvolvimento tecnológico e social que possam contribuir para a qualificação da sociedade.

António Branco, 58 anos, licenciado em Línguas e Literaturas, doutorado em Literatura.
Reitor de 2013 a 2017

  1. Qual a melhor recordação que guarda dos tempos de reitor?
    Foi um périplo que fiz pelos concelhos todos do Algarve, dedicando um dia a cada concelho e em que cada presidente de câmara me apresentava a sua realidade, com visitas a empresas, associações, a outros locais. Teve impacto, não só na Universidade, mas também na região.
  2. Qual o seu maior legado como reitor?
    Há dois mais relevantes. Um é a revitalização da Universidade com a região, que foi muito importante naquele momento. A UAlg já tinha uma relação muito próxima com a região, com organismos públicos, empresas, associações, mas a minha intenção era abrir ainda mais a Universidade à região e isso marcou muito a perceção que se tinha da Universidade, pelo seu papel na região. A segunda foi a internacionalização, porque foi no meu mandato que foi publicada uma lei que permite o recrutamento dos estudantes através de um contingente especial, dos estudantes de fora da União Europeia que queiram vir estudar a tempo inteiro, sobretudo licenciaturas e mestrados. No primeiro ano, em 2015, tivemos 48 estudantes inscritos e já vamos em números muito superiores a isso. Na maioria estudantes do Brasil. Fizemos uma aposta grande na afirmação da Universidade no Brasil e ela vingou.
  3. Qual a maior alegria que teve enquanto reitor?
    Foi o dia da receção desses primeiros estudantes que vieram do Brasil, estudar para a Universidade, em 2015. Foi um dia extraordinário, foi a confirmação de que essa era uma boa estratégia, de que havia estudantes interessados em vir estudar connosco e foi o início de um caminho com alto significado para a Universidade e para a região.
  4. Qual a maior tristeza ou frustração?
    O meu mandato coincidiu com o período mais difícil da crise que se viveu em Portugal. Tinha havido um corte gigantesco no financiamento público, que nos colocava em situação muito vulnerável. A própria região estava muito deprimida, com taxas de desemprego elevadíssimas, cortes nos organismos públicos. E a minha maior tristeza foi que durante o meu mandato não se tenha conseguido inverter essa situação. E a Universidade tenha tido dificuldade em garantir financiamentos que dessem um mínimo de estabilidade à instituição, embora nunca tenha estado em causa o seu funcionamento. Mas ficaram coisas por fazer, por exemplo a degradação dos edifícios e equipamentos, sem que houvesse verbas para acorrer a esses problemas.
  5. Qual a maior conquista da UAlg nestes 40 anos?
    Em algumas áreas científicas a UAlg ter reconhecimento nacional e internacional. Por exemplo, na área do Mar, Biomedicina, Turismo. Outra é o impacto que a UAlg teve nestes 40 anos na região. Não só no desenvolvimento económico e social, mas também no contributo decisivo da Universidade para a criação de massa crítica e quadros altamente qualificados, que estão em todo o lado. Quando eu fiz o périplo pelos concelhos, em todos eles, nas câmaras, empresas, associações, havia sempre dirigentes ou técnicos superiores que tinham feito a sua formação na Universidade.
  6. E o futuro da Universidade, é auspicioso?
    Sim, a Universidade é reconhecida como um centro de produção de conhecimento decisivo para o desenvolvimento da Região e isso vai-se intensificar. Sobretudo numa sociedade com problemas graves para serem resolvidos, esse papel da Universidade está cada vez mais estabilizado e ela vai-se tornar cada vez mais importante para o futuro da Região. A UAlg já tem garantido o seu papel único e insubstituível como uma espécie de farol do conhecimento que vai ser cada vez mais importante.
Paulo Águas

Paulo Águas, 55 anos, licenciado em Economia, doutorado em Gestão.
Reitor desde 13 de dezembro de 2017

  1. Qual a melhor recordação que guarda até agora como reitor?
    O momento em que a UAlg entregou à Assembleia da República a medalha de mérito da Universidade e foi inaugurada a exposição comemorativa dos 40 anos, na casa que criou a UAlg em 1979.
  2. Qual quer que seja o seu maior legado como reitor?
    Nós tivemos alguma reorganização interna de espaços e a partir dela espero que até ao final do mandato surja uma nova residência para estudantes na UAlg. Ficará também marcado pela criação da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas, que aguarda publicação em Diário da República. É a transformação do Departamento de Medicina em faculdade. Um outro projeto que já vinha do professor António Branco é termos um polo tecnológico para as tecnologias de informação, comunicação e eletrónica na Penha. Espero que a obra se inicie este ano. É a adaptação do antigo complexo pedagógico, que foi desativado e irá albergar empresas dessa área, podendo ter lá 250 a 300 pessoas. Essas empresas vão interagir com a Universidade em projetos e investigação. Quero deixar a UAlg fortemente internacionalizada em número de estudantes.
  3. Qual a maior alegria que teve até agora enquanto reitor?
    Quando passámos a fazer a receção dos novos alunos no Teatro Municipal de Faro. É a maior sala da cidade, que nós conseguimos tornar pequena. Ao ver tantos jovens com tantos sonhos para concretizar.
  4. Qual a maior tristeza ou frustração?
    Nesta altura gostava de já ter conseguido regularizar todos os trabalhadores precários da UAlg. Ainda não foi possível, vamos regularizá-los, mas gostava que isso já tivesse acontecido. Falo de pessoal não docente, essencialmente bolseiros, que fazem trabalho administrativo. De um universo inicial de 51 pessoas estão 30 ainda por regularizar.
  5. Qual a maior conquista da UAlg nestes 40 anos?
    A formação dos jovens e a criação de conhecimento. Nos nossos registos vamos no estudante 66 mil. Formamos jovens do Algarve e de fora. Contribuímos para ter cidadãos mais completos. Cerca de 2/3 deles ficam na região do Algarve, é uma rede que está a ser formada. É claro que o mundo não acaba na serra do Caldeirão e defendo a liberdade de os jovens algarvios irem estudar para outras paragens. Mas sem a existência da UAlg muitos jovens não teriam tido a oportunidade de se formar. A UAlg funciona como um elevador social.
  6. E o futuro da Universidade, é auspicioso?
    As universidades, enquanto casas de conhecimento, irão perdurar. Se calhar as coisas vão ser diferentes, vamos ensinar de forma diferente, o professor vai ter outro papel, mas não vejo que este tipo de instituições possa definhar no futuro, porque isso seria ter um futuro sem conhecimento.

J.P.

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