Regras tiram 640 mil das estatísticas de pobreza em Portugal

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O indicador que mede a pobreza em Portugal, e que segue a metodologia europeia, não tem uma leitura tão imediata quanto pode, por vezes, parecer à primeira vista. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) publicados na última sexta-feira, a taxa de risco de pobreza está nos 19,5%, já depois de transferências sociais – caso contrário, o valor seria ainda superior. De acordo com este indicador, cerca de 1,95 milhões de pessoas estão em risco por ter um rendimento inferior ao limiar de pobreza, que é definido como 60% da mediana do rendimento – que era de 4.937 euros anuais em 2013.

Só que, na verdade, o cenário pode ainda ser mais negro do que estes números já o pintam. Como se trata de uma medida relativa ao rendimento mediano, o limiar tende a baixar quando o rendimento cai, que é o caso do período de crise em que Portugal tem vivido. Assim, muitas pessoas que eram pobres deixam de o ser por mera metodologia estatística, ainda que, na realidade, tenham exatamente o mesmo rendimento.

Para eliminar este efeito, o INE calculou também a percentagem de pessoas em risco de pobreza fixando o limiar de 2009, o ano pós-estouro do Lehman Brothers, quando os rendimentos começaram a cair. Aqui, verifica-se que o total de pessoas em risco é de 25,9% e que houve um aumento de oito pontos percentuais nestes anos.

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Desta forma, quando se elimina o efeito da descida dos rendimentos, constata-se que há cerca de 640 mil mais pobres do que a estatística oficial indica. E são, tal como nos números “oficiais”, também as crianças que mais sofrem (31,1% contra 25,6%). Este agravamento da pobreza, em 2012 e 2013, acontece num período de crise económica e de medidas de austeridade. O primeiro-ministro referiu o ano de 2013 como o pior para a economia e sugeriu que a tendência para a pobreza deverá melhorar a partir de 2014, cujos dados só serão conhecidos no início de 2015.

Quantos pobres ou quão pobres?

O INE não calcula só, no entanto, a taxa de risco de pobreza. É também analisada a intensidade da pobreza que mede quão pobres são os pobres. Trata-se, no fundo, de medir a distância entre o rendimento mediano das pessoas consideradas pobres e o limiar de pobreza. Em 2013, esse valor foi de 30,3%, o que representa um salto de 2,9 pontos face ao ano anterior e de 7,1 pontos em relação a 2010.

Este indicador de intensidade de pobreza permite ver alguns dos “estragos” provocados pelas medidas de austeridade que podem não ser visíveis na taxa de risco de pobreza. Como algumas das políticas mais emblemáticas deste período de aperto de cinto, como os cortes salariais, reduções de pensões ou aumentos de IRS, tiveram sempre um patamar mínimo de isenção acima do limiar de pobreza, acabaram por não levar diretamente pessoas para a pobreza, em termos estatísticos. Convém recordar que o limiar de pobreza, em termos mensais, foi de 411 euros em 2013, o que é inferior ao salário mínimo nacional – que é frequentemente usado como referência.

No entanto, isso já não aconteceu com outras medidas, como as reduções do Rendimento Social de Inserção (RSI) ou do Complemento Solidário para Idosos (CSI), que têm um valor inferior ao limiar de pobreza e cuja função é precisamente minorar a pobreza e não eliminá-la. Um outro sinal disso é o agravamento de indicadores como a taxa de privação material (pessoas incapazes de fazer face a pelo menos três de nove despesas, como rendas, telefone, refeições de carne ou peixe de dois em dois dias ou automóvel).

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