A Bateria do Pinheiro: Monumento à vitória de Portugal na Grande Batalha do Guadiana de 1801

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Longe vão os tempos em que os ataques da pirataria e as guerras com Espanha conduziram à instalação de um sistema defensivo constituído por um conjunto de baterias de artilharia costeiras e ribeirinhas destinadas a defender o extremo sotavento algarvio, nomeadamente, a praça de Vila Real de Santo António. Tal como anteriormente referimos em As baterias costeiras de Vila Real de Santo António na cartografia militar setecentista, este sistema defensivo foi instalado no concelho de Santo António de Arenilha ainda antes da construção da vila pombalina, tendo a sua origem em 1762, aquando da designada “Guerra Fantástica”, conflito militar entre Espanha e Portugal no contexto da “Guerra dos Sete Anos”. De resto, documentos cartográficos como o (Mapa da) Configuração da Costa do Reyno do Algarve, à guarda do Instituto Geográfico Português, são lacónicos ao remeter a construção das baterias da Torre Velha, Cabeço, Monte Gordo, Ponta da Areia e Medo Alto para “o ano da guerra”. Documentos, sublinhe-se, que atestam a atenção que o Marquês de Pombal vinha dispensando ao extremo sudeste algarvio desde o conflito militar que antecedeu em vários anos o Plano de Restauração do Reino do Algarve, sendo este sistema defensivo documentado por fontes cartográficas como o Mappa da Configuração de todas as Praças, Fortalezas e Baterias do Reyno do Algarve, do engenheiro militar José de Sande Vasconcelos, e por muitas outras fontes cartográficas e manuscritas à guarda dos nossos arquivos e bibliotecas nacionais.


No entanto, foi já no final do séc. XVIII que o agudizar das tensões políticas e militares entre Espanha e Portugal conduziu ao reforço do sistema defensivo do extremo sotavento algarvio, nomeadamente, com o restauro das baterias de artilharia de Vila Real de Santo António e com a construção de dois novos dispositivos: a bateria da Carrasqueira, reconstruída frente a Ayamonte, e a bateria do Pinheiro (também conhecida por bateria do Cemitério) localizada entre a malha urbana da vila pombalina e o esteiro da Carrasqueira. É o engenheiro militar Baltazar de Azevedo Coutinho, capitão do Real Corpo de Engenheiros, a registar os projectos destas novas baterias de artilharia em Fortificaçoens do Algarve, obra datada de 1798 e que antecede em três anos a Grande Batalha do Guadiana, aquando da denominada “Guerra das Laranjas”.


De facto, decorria o ano de 1801 quando França, que pressionava a monarquia portuguesa a fechar os seus portos atlânticos a Inglaterra, declarou guerra a Portugal, instigando Espanha a fazer o mesmo. Foi nesse contexto que os espanhóis, não obstante o apoio militar prestado por Portugal na campanha do Rossilhão contra os franceses revolucionários, traíram os seus aliados portugueses, enviando um numeroso exército contra o Minho, o Alentejo e o Algarve. Em Ayamonte, o Tenente-General Iturrigaray concentrou um corpo militar de dez mil homens com o objectivo de invadir o Algarve através do Guadiana. Porém, D. Francisco de Melo de Cunha Mendonça e Meneses, o Governador de Armas do Reino do Algarve, tinha a fronteira com a Andaluzia defendida pelo destacamento de artilharia fixa de Vila Real de Santo António, composto pelas baterias ribeirinhas da Carrasqueira, Pinheiro, Medo Alto e Ponta da Areia e apoiado por tropas dos regimentos de infantaria de Lagos e de Tavira e por um esquadrão de cavalaria de Olivença.

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“A Bateria do Pinheiro in Fortificaçoens do Algarve, de Baltazar de Azevedo Coutinho. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Colecção Cartográfica, Nº 211, fl.5”


A Grande Batalha do Guadiana teve finalmente lugar em 8 de Junho de 1801, quando as tropas espanholas tentaram a invasão. O combate de artilharia, que durou quatro longas horas, opôs oito lanchas canhoneiras do exército adversário contra as baterias da Carrasqueira e do Pinheiro, enquanto o baluarte das Angústias e a torre de Canela combatiam contra as baterias do Medo Alto e da Ponta da Areia. O desfecho da batalha foi determinado pela operacionalidade dos artilheiros portugueses que, com precisão cirúrgica, abateram o comandante da artilharia espanhola e outros oficiais, sargentos e artilheiros.

Desorganizados e sem comando, as trinta e cinco barcas de transporte de tropas espanholas viram-se impedidas de atravessar o rio, o que fez com que o Governador de Armas de Vila Real de Santo António, o Tenente-Coronel Paulo José Lopes, ordenasse o bombardeamento massivo de Ayamonte, ferindo o Tenente-General Iturrigaray, que ordenou a retirada do exército espanhol e da população de Ayamonte.


Actualmente, já nada resta deste sistema defensivo, sendo que apenas a antiga bateria do Pinheiro, transformada em posto da Guarda Fiscal no séc. XX, continua a subsistir em estado arruinado, rente à antiga linha de comboio que ligava a estação dos caminhos-de-ferro ao antigo apeadeiro de Vila Real de Santo António. Foi, portanto, com o objectivo de salvaguardar esta estrutura representativa da soberania nacional e da vitória portuguesa na Grande Batalha do Guadiana que a Eurocidade acaba de avançar com uma candidatura no sentido de restaurar e reabilitar o imóvel, com vista à criação de um núcleo museológico sobre a pirataria e o sistema defensivo da foz do Guadiana. Esperamos que tal projecto se venha a concretizar. Alea jacta est.


Fernando Pessanha
Historiador

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