A serra. Viagem ao interior de uma saudade habitada (2)

Pensar no repovoamento da serra tornou-se um horizonte alcançável nos programas de apoio do governo que apresentam como desígnio a fixação de pessoas em territórios de baixa densidade.


A morte do interior casa-se com os incentivos do governo e com um crescente regresso aos campos.


Num primeiro instante a densificação urbana das cidades do barrocal e do litoral contrastou com a «morte social» do interior, provocada pela fragilidade das dinâmicas económica, pela ausência de infraestruturas e de serviços de apoio às populações.


Nos tempos que correm a saturação das grandes cidades transformou-as num espaço hostil, onde cada vez mais se disputam os benefícios que delas se podem tirar. Os profissionais liberais empurrados para as periferias encontraram no regresso ao campo o silêncio, a calma e o espaço que a cidade lhes roubou.


Nessa evasão procuram expurgar os vícios a que a vida nas cidades obriga. O ritmo frenético, as exigências profissionais, o desgaste dos negócios levou-os à exaustão. A ideia da vida saudável do campo é acompanhada pela aspiração a um território mais amplo do que o horizonte emparedado das marquises sufocadas entre prédios. O próprio desejo de uma vida menos nociva para o meio ambiente, mais ecológica e «sustentável» impele um grupo cada vez mais alargado de citadinos a experimentar a vida pragmática do campo.


É nesse tabuleiro de configurações imaginárias que se jogo a futuro do interior.


Um destes dias recebi do Paulo Pires, programador do Cineteatro Louletano, a seguinte mensagem; «Serra do Algarve, tarde de calor, Ameixial, 1 tasca, 1 cerveja, 1 sandes de presunto com manteiga, conversas entre realidade e surrealismo entre “velhos”. Será isto que nos salva, relativiza e recentra?»


Não tenho uma resposta que me satisfaça sobre o assunto nem que o apazigue com o destino.


As razões históricas de ocupação do território, o reforço das linhas de fronteira, da proximidade das populações aos recursos naturais, tão necessário numa economia de subsistência, deixaram de responder às necessidades da população. Parecem-me razões arcaicas os argumentos que tornavam útil a humanização dos territórios periféricos. Esses argumentos desfasados dos circuitos de produção, distribuição e do trabalho contemporâneos soam obsoletos no quadro de uma mundialização efetiva e onde as sociedades fechadas se transformam numa interioridade dentro de si próprias.


Neste caso não sou partidário de um estado assistencialista que entenda, sem um objetivo concreto para além do imperativo afetivo e nostálgico, a necessidade de revitalização desses núcleos rurais.


Creio antes de tudo que deverá ser o respeito pela Constituição que deve obrigar a que não se abandone o interior, a que não se delito ao esquecimento que lá vive e se criem as condições necessárias para quem pretenda viver no interior o possa fazer em igualdade de circunstâncias de quem opta pelo litoral.


As razões que levara a que ontem tivessem trocado o trabalho duro da terra pelos empregos limpos da cidade, a optar pelo do ócio dos teatros, dos cinemas, dos cafés, dos centros comerciais. A preferir o anonimato das multidões à língua grande das aldeias são os mesmas de hoje.


A primeira medida para combater a interioridade talvez seja essa. Fazer cumprir a Constituição.

(continuação da última edição)

Salvador Santos

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