Vai para séculos que se tenta testar o grau de inteligência dos iguais ou semelhantes, com a tal pergunta – qual foi a coisa que primeiro surgiu, o ovo ou a galinha? A reforma eleitoral entra já no mesmo grau de dificuldade para quem tente responder se, mudando o que deve ser mudado, foi o ovo ou a galinha. Toda a gente sabe que a democracia eleitoral pelos carris em que está a andar não chegará muito longe, se não houver uma reforma profunda dos procedimentos que implicam os partidos e o exercício da cidadania, mas pouco ou nada se faz para evitar a degradação do sistema. Degradação, neste caso, significa abstenção e indiferença perante o chamamento ao voto, e significa também nepotismo e traficância no exercício dos poderes que resultam do voto. O ovo está nas listas eleitorais, a galinha está na assinatura que os ganhadores fazem no ato de posse.
Aproximam-se mais umas eleições legislativas, são já conhecidas as listas que os partidos vão apresentar a sufrágio, e nada, nada mudou nos procedimentos, na lei e nas mentalidades. Sendo claro que o ovo não existe sem a galinha e que esta só pode sair de um ovo e não de uma pedra da calçada – as duas coisas, tal como são, coexistem – quando se devia ter mexido no assunto, nada se fez e agora é tarde e vai contra as regras do jogo. O resultado para as regiões frágeis politicamente e à mercê de mercenários da política, como é o caso do Algarve (não tenhamos ilusões), é surgirem listas completamente desfasadas do eleitorado, servindo interesses difusos e carreiras políticas erráticas.
Não interessa discutir se as pessoas que integram as listas são ou não as mais adequadas, aptas, competentes e com currículos probatórios. Nem tem interesse discutir se a lista do partido x é melhor do que a do partido y ou z. Muito menos fica bem avaliar se em vez de um ovo não deveria ir outra galinha, se em vez de ir em terceiro lugar porque é que não foi em segundo, ou porque razão em primeiro ugar não surgiu a tal estrela luminosa em vez de uma estrela cadente. Isso não tem interesse ser discutido agora. Agora conta apenas a lista, o ovo. A lei é assim, o voto nominal não está contemplado; as listas regionais estão interditas, os partidos decidem, e, assim sendo, tanto um justo à cabeça da lista pode enfiar no parlamento uma fila de gente sem cara, paraquedista ou mesmo pérfida, como um pérfido à cabeça pode beneficiar do resto da lista cheia de justos.
Falhou o debate da reforma eleitoral e agora é impossível, como também será improvável que estes ovos dêem galinhas diferentes, continuando o desinteresse em reformar. Reformar a sério. E para se reformar é preciso discutir a forma em que se está. Haja coragem política.
Flagrante falta de água: Pouca gente se compenetrou da gravidade do assunto em grande parte do Algarve. Em meados de agosto temos tempo…
Carlos Albino