Alcoutim: Festival do Contrabando acende corações

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É uma festa emotiva, mais do que a maioria dos chamados “festivais de verão”, aquela que ilumina as duas margens do Guadiana no último fim-de-semana de março. Durante três dias, Alcoutim e essa outra Alcoutim que se olha ao espelho, a espanhola San Lucar, celebram os tempos difíceis do contrabando. Fazem-no imersas em festa, finalmente ligadas pela ponte que lhes falta nos restantes 362 dias do ano. As gentes, de dentro e de fora, aderem: pelo quarto ano consecutivo espera-se recorde de visitantes. O JA Magazine foi à descoberta das novidades para este ano. E aqui as trás, em primeira mão…

É curta a história do Festival do Contrabando, que este ano cumpre a sua 4.ª edição, mas isso não detém o misto de emoção e orgulho com que o presidente do município de Alcoutim fala dele.
Homenagem a uma forma de vida que tomou conta das duas vilas – a de cá e a castelhana San Lucar – durante séculos em que regimes severos e ditaduras predominaram nos países irmãos, e os fizeram de costas voltadas, o Festival domina o Nordeste algarvio durante três dias (27, 28 e 29 de março), com uma área de influência que se estende muito para lá das suas cercanias mais próximas.

“Vem gente de todo o Algarve, mas também de Lisboa, Porto, Braga e, de Espanha, de toda a Andaluzia e Extremadura”, enfatiza Osvaldo Gonçalves, o autarca de 52 anos que em 2017 iniciou estas benignas “hostilidades” de fazer um festival que é ponte geográfica com o outro lado, mas também temporal com as realidades duras de vidas e tempos passados.

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Para este ano, a organização espera novo recorde de visitantes, em torno dos 30 mil, sobretudo portugueses e espanhóis (Osvaldo diz que em partes grosseiramente iguais), mas também de outras nacionalidades. Tudo aponta que vamos ter mais pessoas. “Temos este ano mais oferta que no ano passado. Este ano devemos ter melhor tempo e isso trás sempre mais pessoas. E depois a parte espanhola tem vindo a aumentar em termos de promoção”, enuncia o autarca socialista, que lidera a organização do festival anual, a meias com o seu colega espanhol, do PP.

Neste evento, contudo, não há diferenças políticas, ou elas não vêm ao caso: “Trabalhamos juntos para fazer um festival único, com enorme participação popular”, assegura o presidente de câmara algarvio.

Ponte pedonal de 220 metros continua ex-libris
Ao longo do Festival, os visitantes dos dois lados do Guadiana podem passar para o “outro lado”, calcorreando a ponte pedonal de 220 metros, que será pela quarta vez estendida sobre as águas do Guadiana, ligando as duas povoações. A troco de uma pequena “portagem”, fica liberalizada a passagem outrora clandestina entre os dois lados do grande rio ibérico que por ali passa, antes de morrer, alguns quilómetros a sul, entre Vila Real e Ayamonte.

Mas durante os três dias de festejos deste ano, alargar o evento vai significar “alargar a animação pela vila toda, uma vez que o festival não é focalizado na ponte, tem uma dispersão pela vila de Alcoutim e de San Lucar”, explica o autarca português.

“É um motivo diferente relativamente aos anos anteriores para que as pessoas possam vir cá e, dentro do mesmo ambiente que se vive no festival do contrabando existam cenários diferentes, coisas diferentes, para que os que vieram cá no ano passado e anos anteriores não tenham que assistir exatamente às mesmas coisas, para não tornar isto monótono”, sublinha.

Um mercado à moda antiga com muita animação
Ponte pedonal à parte, o Mercado à Moda Antiga será a montra de costumes e tradições das gentes da fronteira aos olhares dos milhares de visitantes que visitarão o Festival.
O evento pretende reviver os mercados que se realizavam nas décadas de 30 e 40 do século passado, onde as gentes da região se deslocavam para venderem os seus produtos da terra, sobretudo produtos agrícolas.

Além de proporcionar um momento de lazer, o Mercado à Moda Antiga é uma referência no que diz respeito a usos e costumes dos anos difíceis nesta zona de fronteira, e que são recriados com um objetivo de partilha de saberes: ofícios à moda antiga, artesãos, produtos agrícolas, utensílios da vida rural, trajes antigos, atuações e desfiles folclóricos, personagens teatrais de rua são alguns dos elementos que constituem o cenário do Mercado.

Cestaria, olaria, utensílios e brinquedos em madeira, tecelagem, latoaria, caldeireiros, empreita, bordados e rendas, artes em couro, saboaria tradicional, licores, ervas aromáticas, cerâmica e a arte de trabalhar o couro farão parte das artes que o visitante poderá descobrir ou recordar neste evento, que retrata os usos e costumes de tempos antigos e que durante os três dias do festival irão dar um colorido diferente às vilas de Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana.

Este ano o evento estende-se também durante o dia à praia fluvial do Pego Fundo, em Alcoutim, onde o visitante poderá visitar a Mostra de Cerveja Artesanal do Festival.
Serão três dias de sons e artes da Península Ibérica e do Mundo… barulho, algazarra, ritmo e alegria… das sacas do contrabando irão sair uma parafernália de instrumentos, objetos e adereços com que vários grupos e artistas irão transmitir ao visitante do Festival o espírito do Tráfico de Artes no Guadiana.

A música, do flamenco ao Alentejo
Como não podia deixar de ser, o evento serve-se aos visitantes devidamente “mergulhado” em música: desde os sons mais típicos da Península Ibérica, como a arte do Flamenco, com grupos como a Compañia Laura Guastini, Argamasa Flamenca ou os Sones del Sur, passando por acordes de tradição de festas e celebrações populares com os “Tamborileros Los Bravos” de Cerro del Andévalo.

Do lado português, os destaques vão para o Grupo de Cantares Sete Vozes, vindos das Beiras, não esquecendo os sons do Algarve, com os acordeonistas António Manuel e Ernesto Baptista e os ranchos folclóricos da região, com os seus bailes de roda, como o Rancho Folclórico da Casa do Povo da Conceição de Faro e o rancho Folclórico do Azinhal de Castro Marim.

Da parte da tradição dos vizinhos alentejanos, chega a participação dos Ganhões de Castro Verde, Chocalheiros de Vila Verde de Ficalho, Modas c’ Sotaqui e o grupo Cavaquinhos do Mira.

O fim de semana ainda será animado com as participações de mais grupos musicais, como os Volta e Meia, charanga “Os Batatas” , Grupo do Coreto, Trip Hazard e Versus Tuna – Tuna Académica da Universidade do Algarve, que com a música popular animarão o evento.

À noite no cais, atuarão grupos com sons mais ecléticos e outras tendências. Na sexta feira o festival irá receber de novo um grupo que o visitou na primeira edição, os Santuka de Fuego, com a sua arruada Batuklown Añejo, onde os palhaços de outrora animarão o recinto com a sua música contagiante.
No sábado, os Deabru Beltzak, com o seu espectáculo Su Afeu, com a percussão com fogo a ser rainha da noite.

No Castelo da vila os sons mais tradicionais servirão para momentos de conversa e convívio, com os Urze de Lume na sexta-feira à noite, e o Fado “maroto” de Nani Nadais e fado do povo de Susana Martins, no sábado, seguido de ritmos que quebram fronteiras, unem culturas e convidam a um pezinho de dança por DJ Perro Andaluz, nas duas noites.

Para aqueles que aguentam a festa também à noite e desejam segui-la em ritmo de dança e festa, os festejos acontecem na praia fluvial do Pego Fundo. Na sexta feira, no Está-se Bem Beach Club haverá concertos dos Vide Versus (Rock&Roll covers), seguidos da Festa Remember 70&80, com o DJ Karlocci.
No sábado, será a vez do baile tradicional, com os Recanto, seguido de Festa Remember 70&80&90, com o DJ François.
No domingo, a programação da praia contará com um concerto acústico ao vivo, com os Al Guitar Duo e a Festa de Encerramento dos 3 dias do festival, com o DJ Robert Black.

O teatro e o circo que chegam de todo o mundo
Nas animações de teatrais durante os dias de festa o visitante poderá ver artistas e companhias de várias origens do mundo, estreias mundiais e estreias em Portugal. Na sexta-feira, a Companhia El Espejo Negro, de Málaga, irá trazer uma trupe cigana com o seu teatro e baile flamenco de marionetas, e animará o final de tarde na vila de Sanlúcar de Guadiana.

Sábado e domingo poderão ver-se espetáculos de novo circo, como “Gùshi”, de Brunitus, artista argentino, com malabarismos com diablos, ou “Oyun”, com malabarismos com tachos panelas e outros utensílios de cozinha, da também companhia argentina El Fedito.

Vinda da Suíça, a artista Anita Bertolami irá actuar com o seu espetáculo de marioneta humana “Trasfiguro” pelas duas vilas.
No sábado pela, a Companhia Chilena Penélope y Aquiles, irá apresentar o seu espetáculo “El Señor des Baldufes”, com acrobacias e malabarismos que tem o jogo do pião como te-ma central.
De Portugal virão também artes de Rua com os espetáculos “Gigantes do Alentejo”, com música alentejana em andas, “Ai Xico Xica”, com atuação folclórica de marioneta Humana, ou as estátuas vivas de Strapafourd Art Alive, com “O Beijo”, vencedor do campeonato do mundo de estátuas vivas 2019, em Amsterdão, e ainda “Alma Lusitana”.

As ruas das duas vilas estarão cheias de personagens de época, com a participação das companhias de teatro Água Ardente, de Setúbal, Companhia Latanana, de Sevilha, Maskarada Garnacho e o Jogo do Pau.

Estacionamento a 4 km, com vai-vem de autocarros
Este “tráfico de Artes” no Guadiana é um festival apoiado pelo programa cultural 365 Algarve, iniciativa das Secretarias de Estado da Cultura e do Turismo, com financiamento do Turismo de Portugal e execução da Região de Turismo do Algarve. Outros apoios que o evento tem vem da Junta da Andalucia e das suas Conselheria de Presidência, de Cultura e Património Histórico, e de Turismo, da Diputacion de Huelva, Patronato Provincial de turismo de Huelva, Mancomunidad de Municípios de Beturia, Fundacion Cajasol, para além da empresa Delta Cafés.

O Festival do Contrabando tem como base a junção e fusão da homenagem a uma atividade que ao longo da história foi fundamental para as gentes da fronteira, com as artes e a cultura.
A paisagem fronteiriça que desafiava os destemidos na passagem de mercadorias, agora é palco de vários projetos culturais que transportam para o interior das populações e seus visitantes, os sonhos e ambições, trazendo até às vilas raianas uma oferta cultural que desafia todas as condicionantes existentes.

“O arrojo de termos feito uma coisa chamada Festival do Contrabando acaba por ser uma forma de apimentar esta iniciativa. Uma das ideias chave deste festival é conhecer este bocadinho da nossa história recente, em que nós fomos os atores principais, é uma história que conta o contrabando de subsistência, de barriga, de procura de alimentos para a barriga”, observa o autarca de Alcoutim.
Sobre a ideia de que “o fruto proibido é o mais apetecido” e que isso ajuda a trazer gente ao festival, Osvaldo Gonçalves é perentório no “sim mas”: “Não celebramos o contrabando de droga, nem de armas, isso sim poderia-nos tornar cúmplices de uma coisa ilícita. Mas não, temos consciência empírica de que o contrabando nos tempos em que nós o celebramos é um contrabando de subsistência. É uma homenagem aos atores deste período, com audácia, coragem, faziam esta prática perigosa, muito perigosa”.

Para um festival que se espera de recordes, haverá este ano novas regras de estacionamento: para que Alcoutim não fique atravancada de carros, e as gentes possam deixar o carro a 4 quilómetros da vila, num estacionamento grande, um vai-vem em forma de autocarro fará aquele percurso, em fluxo contínuo.

João Prudêncio

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