Algarve é destino de eleição para nómadas digitais

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São os novos nómadas da era moderna, portátil debaixo do braço e um intenso desejo de viajar e conhecer mundo. Chamam-lhes nómadas digitais, trabalham sempre online e o Algarve já está a receber muitos deles. De tal forma que há quem veja neles uma “tábua de salvação” para a debandada de gentes do interior de região. O JA foi conhecer alguns e falar com especialistas sobre este novo estilo de vida, que muitos confundem com teletrabalho, mas é muito mais do que isso

Mónica Vaz, 41 anos, saltita pelo País e a Europa ao sabor dos ventos e da sua vontade. Basta-lhe um computador portátil e muita vontade de conhecer novas gentes e lugares. A naturopata e coaching online que agora “reside” em Lagos é uma das centenas de profissionais que se podem designar de “nómadas digitais” (ND). Resumidamente, gente que anda de portátil ou tablet debaixo do braço e percorre o mundo, sempre ligada a todos os lugares, seja uma empresa, sejam clientes, pacientes. Gente que se liga a gente em ligações sem fios e que prescinde do escritório ou da própria casa. Uma esplanada, ou a beira de uma piscina, ou um quarto de hotel podem ser os seus lugares físicos de ligação ao mundo. E o Algarve, paraíso climático com os seus mais de 200 dias de sol por ano, está na linha da frente das regiões mais acolhedoras do País para este novo estilo de vida.

Que o diga Mónica, que a partir de Lagos dá consultas de naturopatia a gente de todas as partes do mundo. Até à primavera deste ano, trabalhava numa empresa de contabilidade em França. Despediu-se e fez-se naturopata e coaching à distância: “Estive em França, desde agosto que estou em Portugal, desde setembro em Lagos. Agora vou para França no fim do ano. Espero voltar no início do ano. Ando mais ou menos por aí. Não tenho residência fixa, vou muito ao Norte, Paris, ou em Lagos.”

Agora vou para França no fim do ano. Espero voltar no início do ano. Ando mais ou menos por aí. Não tenho residência fixa, vou muito ao Norte, Paris, ou em Lagos. Tenho aqui um apartamento que aluguei para 2 meses e meio. Desde este verão que comecei e quero continuar com esta liberdade de ir para onde eu quero”.

Mónica Vaz

Dar consultas online


Ao contrário da maioria dos ND, que se dedicam ao mundo da programação, informática e negócios, a ex-imigrante em França oriunda do norte de Portugal está dedicada, em grande parte, à medicina natural. “A naturopatia adequa-se a este tipo de vida, posso fazer as consultas por assistência remota. E posso escolher as pessoas, têm o meu calendário e eu fixo os horários em que quero trabalhar. Se quiser, só de manhã, ou à tarde”.


Solteira e com uma liberdade de movimentos conferida pela vida mais solitária que leva, a ex-emigrante está ainda a trabalhar para as mulheres que têm uma doença ginecológica, a endometriose, que atinge 1 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva e para a qual é preciso entre sete e 10 anos para diagnóstico. “A medicina convencional não tem soluções, mas a naturopatia e as técnicas naturais podem aliviar. Estou a fazer um programa online para ajudar essas mulheres”, explica ao JA.


Mas não se pense que Mónica Vaz é uma solitária empedernida, que passa a vida de olhos fincados num ecrã de computador. Tal como centenas ou milhares de nómadas modernos que deambulam pela região, também ela pertence a uma comunidade. Todas as semanas, essa comunidade se encontra num bar de Lagos, onde se conhecem, convivem, confraternizam. Mónica confessa que já conheceu dezenas de “compagnons de route” também residentes temporariamente no barlavento algarvio. Como ela, que alugou casa por curto período e se prepara para regressar a França e depois voltará para o sul português.


Mentora da comunidade de que Mónica faz parte, Joana Glória, 36 anos, dedica-se a acolher ND. “Comecei a comunidade em Lagos em final de agosto de 2020. Criei um grupo no Facebook e depois foi evoluindo para eventos, coworkings, alojamento”, enuncia.


“Basicamente sou uma networker, ligo pessoas. Criei uma comunidade de ND e tenho um network muito vasto de pessoas com negócios. O meu papel é promover os negócios dessas pessoas junto dos ND. Imagine que tenho um parceiro, colega ou amigo que tem uma empresa ou restaurante. Eu recomendo o restaurante do amigo, é esse o meu papel. No meu website os negócios podem ser anunciados”.

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Fundadora de uma comunidade, igual a outras já existentes no Algarve, Joana considera-se uma anfitriã de um grupo que já tem 3400 pessoas, entre ND, candidatos a ND e ex-ND: “Sou uma anfitriã, tenho a hospitalidade no sangue”.

Joana Glória considera-se uma “anfitriã” de trabalhadores nómadas

Workation, trabalho + férias


O meetup a que se referia Mónica “é um encontro semanal que nós fazemos, informal, onde as pessoas se conhecem, porque há muitas pessoas que viajam sozinhas e esta é uma forma de as pessoas se conhecerem e fazerem amizade, terem companhia para a sua estadia em Lagos”, releva Joana Glória.


Muitos desses nómadas estão no Algarve numa agradável simbiose de trabalho e férias, a que Joana chama “workation”, de work (trabalho) + vacation (férias). “Tivemos uma grande vaga de pessoas que vieram da Europa, o confinamento lá foi muito rígido e o pessoal que estava a viver em grandes cidades procura sítios mais pequenos, onde possam ter um estilo de vida, bom tempo. Aqui, até de inverno vão à praia. Pontualmente aparece um ou outro português, a grande maioria são estrangeiros”, sublinha a mentora do Lagos Digital Nomad, que se prepara, já em janeiro, para reproduzir o modelo do mesmo portal em Faro.


Mas na prática o que é, verdadeiramente, um nómada digital? Segundo Joana Glória, é um individuo “que não pára sossegado, anda sempre de um lado para o outro, pode estar num destino dois ou três meses mas a ideia é sempre ir conhecer um destino a seguir. Têm diversas motivações, há pessoas que fazem porque gostam de viajar e têm um trabalho que o possibilita, outros podem estar a fugir a alguma coisa. Uma depressão, por exemplo”.


Esse conceito de “salta-pocinhas” muitas vezes não adere completamente à pele dos ND. As estadias nos lugares podem ser mais longas do que simples “noites de hotel”, como nota Joana Glória: “Grande parte deles são mesmo ND, mas o que acontece é que a comunidade aqui em Lagos é super-acolhedora. Quando chegam pergunto-lhes quanto tempo vão ficar. A resposta é “não sei”. E apegam-se às pessoas e aos amigos novos. E o nómada digital é desapegado, conheço alguns que venderam a casa, o carro, a mobília, não querem ter nada, mesmo casais. E decidiram viajar. Mas depois chegam à comunidade e ela é tão acolhedora e unida que eles vão ficando”.

Vários tipos de nómadas


Mas o conceito de nómada digital tem muito que se lhe diga, esclarece Manuel Manero, professor, mentor de negócios, autor do livro “Empreender como um Nómada Digital” e estudioso deste estilo de vida: “O nómada digital não veio para ficar a vida toda, veio para ter uma experiência durante um período de tempo. E uns privilegiam o litoral em detrimento do interior, mas outros privilegiarão o interior. Mas há movimentos cíclicos de nómadas que procuram os dois lados: ‘agora apetece-me ir para junto do mar, agora vou para o interior’. Ele pode escolher onde quer desenvolver a sua atividade. Há zonas que as pessoas querem experienciar uns tempos”.


Manuel Manero distingue ainda dois tipos de nómada: o que está em início de vida, que quer conhecer o mundo e está livre, de mochila às costas, às vezes nem precisa de computador e “cá vamos nós”.


“Os outros são os nómadas com famílias, como é o meu caso, que tenho filhos em período escolar. Eu apoio o movimento, mas não sou nómada digital como gostaria, pelo movimento. Mas sim, de vez em quando, pego no computador e cá vou eu. Não preciso de suspender o trabalho quando quero viajar. Tenho as condições criadas para poder viajar pelo mundo”, afiança.


“Este movimento duplicou com a pandemia. A necessidade aguça o engenho e houve muitas pessoas que com este empurrar da pandemia variassem para o digital não só como alternativa como forma de encarar ao novo real. Porque ao antigamente isto não volta. Ou nos atualizamos e digitalizamos ou ficamos para trás. Há muita coisa que se faz online e que da forma tradicional já não faz sentido. Cheguei a fazer 300 km para uma reunião de 30 minutos. Reunião essa que podia ter sido feita através de uma chamada via zoom. O online não substitui o tradicional, mas sou apologista do modelo híbrido. Há muitas coisas que podemos tratar online numa chamada via Zoom. Mas nada substitui o olhar no olho, o bom jantar ou almoço de negócios, o aperto de mão. Só estávamos a utilizar o digital para tirar selfies, estar nas redes sociais e enviar e-mails e pouco mais.

Hoje em dia não é assim”, acrescenta o manager de negócios.

Manuel Manero já publicou um livro dedicado aos novos nómadas

Teletrabalho não é estilo de vida, ND sim!


Manero encara o nómada como uma pessoa versátil que está habituada a trabalhar numa esplanada ou na praia e a quem as interrupções do exterior não distraem. E compara com o profissional que está em teletrabalho (remote worker): “O nómada é muito mais versátil, mais preparado, mais à vontade com as questões da comunicação do que uma pessoa que está em teletrabalho. É difícil ver o nómada digital em stress. E há muita gente em teletrabalho em stress, por exemplo com interrupções domésticas”.


Sustenta que a diferença tem a ver com a estrutura que se monta: “Se eu viver num escritório, tenho que ter um modus operandi montado: um computador, um espaço onde me sente. A diferença é que não estou no escritório, estou em casa. Aí estou em teletrabalho”. Até porque, enfatiza, “nem toda a gente que utiliza o digital tem esta pretensão de viajar pelo mundo ou ser nómada. Mas é uma forma de riqueza, a riqueza cultural e não há forma de ter esta riqueza melhor do que a experienciar e vivê-la. Mas nem toda a gente encara isto desta maneira, há pessoas que encaram o teletrabalho como uma alternativa, estar em casa”.


E conclui: “O nomadismo é um estilo de vida, o teletrabalho é uma coisa mais imposta, a pessoa está em casa porque não pode estar no escritório. O nómada tem que ter um portátil, uma pen, telefone, mochila com proteção para viajar. O teletrabalho está em ambiente protegido, está em casa a maior parte do tempo. Um é um estilo de vida, o outro é trabalho, mas num contexto diferente”.


Para Manuel Manero, o Algarve é uma região preferida por quem faz esta atividade nómada. E, sublinha, há movimentos a crescer em todo o País que promovem regiões menos povoadas. Uma das grandes premissas dos movimentos dos nómadas é repovoarem estas zonas que foram abandonadas pelas pessoas, que procuraram vida nas grandes cidades. “Trazer as pessoas de volta ao campo, tornar estas regiões mais habitáveis e sustentáveis”.


Para Miguel Fernandes, presidente da associação Algarve Evolution, a região tem feito um bom trabalho para se posicionar a nível internacional como um destino de life style com boas condições de vida, segurança e clima. E sustenta que os próprios goldens visa têm feito parte de uma estratégia nacional para a região se posicionar para este segmento.


“Há um acompanhamento do setor público. A UAlg, por exemplo, a associação Algarve Evolution. eu e um grupo de pessoas, os municípios, achámos que fazia sentido que o Algarve tivesse uma chance de se posicionar e ter um futuro na área da inovação e tecnologia, depois da crise 2010/11, devia ser na parte da inovação e do posicionamento da região para se tornar mais competitiva nestas áreas. E é a área que tem mais sentido para nos diversificarmos”, afirma Miguel Fernandes, acentuando que dessa junção de vontades de gente e organismos surgiu a Algarve Tech Hub, de que também faz parte.


“Estamos a trabalhar para fora para atrairmos mais e juntarmos os que estão cá estamos organizados para podermos reagir de forma estratégica, coisa que sem o Algarve Tech Hub é tudo à la carte. E quando conseguimos fazer isso, conseguimos atempadamente e submeter uma série de projetos para as empresas”, conclui.

Miguel Fernandes, presidente da associação Algarve Evolution

Nómada mas não “bicho do mato”


A prova de que o novo nómada não é um “bicho do mato” é o conceito de coworking: um espaço físico dedicado aos ND, onde eles podem conviver, receber correspondência e recados, trabalhar em “ambiente de escritório”, ou simplesmente conversar e conviver. “Tanto no Algarve Central como Faro, Loulé, Lagos, há espaços de coworking para quem vem de fora e escolhe ficar aqui 15 dias ou então vir como nómada, gostar do sítio e transformar-se num residente, num “remote worker”. O maior crescimento é em Lagos e na zona central do Algarve”, afirma Miguel Fernandes.


Manuel Manero ajunta: “Esses espaços não precisam de estar equipados com muito software, cadeiras. É o espaço em que se encontram estes dois tipos de trabalhadores, os do teletrabalho e os ND. O ND gosta de ir ao espaço coworking, estar lá um dia, conversar, beber um café. Mas pode servir para uma start-up, que está a começar, um freelancer, um empreendedor que não quer ter uma estrutura muito pesada. Quer um espaço, alguém que receba correspondência e atenda telefone. E tem uma morada.


Mas se os coworking algarvios são quase todos privados, as autarquias não querem “perder o comboio” e planeiam construir espaços congéneres.

Sobretudo as autarquias do interior, há anos a braços com a debandada das populações rurais para o litoral e as grandes cidades: “Com a CCDR criámos um protocolo a nível do Algarve em que nos comprometemos a criar essas condições de coworking para atrair este tipo de trabalhadores. Temos um espaço, aqui em Alcoutim, para reconverter, que era do celeiro da EPAC, que passará a ser o celeiro de ideias. Ali será o embrião da criação de condições para atrair essas pessoas”, anuncia Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara de Alcoutim.

Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara de Alcoutim, tem um “celeiro de ideias” à espera dos nómadas


Enfatiza a necessidade de reforçar a cobertura da rede móvel, da Internet, que tem que existir. Na vila temos uma boa cobertura e nas sedes de freguesia. Mas queremos que ela exista também fora desses centros, porque o conceito de coworking e teletrabalho e ND não pode ficar limitado à vila, pode também estar disponível noutros locais. Alargando essa oferta cria mais condições para que mais pessoas possam procurar”.


Na outra “ponta” do Algarve, o novo presidente da Câmara de Monchique, Paulo Alves, garante ter espaços no seu concelho sinalizados para futuro coworking, mas também ele se debate com a falta de cobertura de rede nas zonas mais rurais do concelho: “Existem muitas zonas sem cobertura, as zonas mais rurais do concelho. Mas o Governo e ANACOM têm uma medida para identificar as áreas brancas existentes e levar a cobertura de banda larga ao interior. Isso é de saudar”, assinala, numa referência aos 15 milhões de euros que o Estado se propõe investir em coberturas de rede no Algarve.

Paulo Alves, novo autarca de Monchique, queixa-se da falta de rede no concelho. Mas aguarda os fundos prometidos para o efeito


Em nota enviada ao JA, o presidente da CCDR Algarve, José Apolinário, reforça este desejo da administração central, salientando que a infraestruturação de rede de banda larga está concluída e já existem incubadoras e espaços para coworking com os requisitos de proximidade e qualidade necessários.


“Todavia, como o interior do barrocal e da serra algarvia, que representam mais de 2/3 do território, não reúnem tais condições, a CCDR Algarve, no âmbito da programação do Programa Operacional Algarve 2030, propõe-se alocar 15M€ na infraestruturação da rede 5G desses territórios, e apoiar com mais 2 M€ os municípios que promovam a criação de espaços de coworking no interior. Estes investimentos, conjuntamente com 10M€ previstos para a rede de aldeias inteligentes, permitirá, certamente, tornar toda a região mais competitiva e um polo de atração de ND, cumulativamente potenciando a procura da região para fixação de investimentos e profissionais qualificados”, conclui a CCDR Algarve.

João Prudêncio

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