Pelo menos 1200 ucranianos fugidos da guerra já entraram no Algarve, segundo disse ao JA fonte do SEF, reportando-se aos últimos dados disponíveis, referentes ao passado fim-de-semana
Esse quantitativo corresponde a praticamente 20% de todos os refugiados da Ucrânia entrados em Portugal desde que o SEF contabiliza as entradas de ucranianos em busca de refúgio, registo ocorrido desde dia 2 de março: entraram nas fronteiras portuguesas desde esse dia 6390 nacionais daquela país.
A fonte do Serviço dos Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ressalvou que os números não deverão ser precisos, já que eles referem-se apenas a todos os refugiados que procuraram ajuda junto das autoridades portuguesas e/ou vieram em transportes fretados por associações de apoio, Organizações Não Governamentais e autarquias portuguesas, por exemplo.
“Há seguramente um número de refugiados que não conseguimos quantificar que receiam cadastrar-se nos nossos serviços, temendo que possam vir a ser deportados ou alguma outra consequência de constarem nos registos”, admitiu a fonte policial.
A maioria dos refugiados que entram no Algarve vêm em viaturas particulares ou carrinhas de 9 lugares, mas também há transportes de maior dimensão e organização: dados recolhidos pelo JA assinalam a existência de pelo menos cinco autocarros com cerca de 50 lugares cada, que partiram de VRSA, Olhão, Loulé, Albufeira e Portimão. Para trazer refugiados.
Uma organização casuística e improvisada
Esse transporte é acionado por organizações de apoio aos refugiados, quase sempre em colaboração com as autarquias. Juntam-se-lhe muitas vezes organizações particulares, cidadãos comuns e empresas, que desinteressadamente se propõem ajudar os fugitivos da guerra.
“Temos agendado para os próximos dias um autocarro para ir à Polónia buscar mais pessoas. Nenhum autocarro foi, até hoje, daqui de Albufeira, o que têm vindo são carrinhas de sete pessoas. As últimas que chegaram foram três carrinhas de nove lugares”, explica o fotógrafo Sérgio Morais, que na zona de Albufeira dá apoio a todos os que procuram Portugal ou querem trazer para aqui os seus familiares. Garante que até agora (antes da vinda do autocarro, previsto para meio da semana) chegaram à cidade central algarvia) mais de 50 pessoas. “Só no domingo chegam 30 e depois ainda há o autocarro”, enfatiza o português, casado com uma cidadã ucraniana, ambos membros da associação lisboeta Anjos da Misericórdia e de uma outra que lhe é associada, a algarvia Alegria do Leste.
Organizador cimeiro desta nova diáspora – “se calhar porque sou quem mais bem fala português”, aventa – , Sérgio Morais sublinha que a organização das partidas e chegadas se faz muitas vezes “ad hoc”, de forma casuística e improvisada: “Alguém diz ‘Temos aqui duas pessoas que têm que vir para o Algarve’. Alguém informa ‘os tipos do Porto vão lá agora e há dois lugares livres’. A gente chega ao Porto e agora tem que se arranjar maneira de quem traga do Porto. Uma ucraniana que é produtora de filmes consegui enfiá-la num carro que a trouxe até à Alemanha. E agora tenho que tentar que alguém que passe pela Alemanha a traga”, exemplifica. E garante que a escolha de Portugal – e por arrasto também do Algarve – se deve quase sempre a razões familiares: “Escolhem Portugal porque têm cá pessoas. É muito raro alguém vir por outra razão”.
Quando russos e ucranianos acabaram abraçados a chorar
Quando chegam esperam-nos condições pouco mais que sub-humanas de sobrevivência:
“Há o caso de uma senhora que vivia num T1 com o marido e o filho e recebeu 4 pessoas de família. Agora são sete pessoas num T1 e recorreram a nós. Mas no Algarve é difícil de arranjar casas para alugar todo o ano: “Posso dois ou três meses”. E lá conseguiram ,mas estão a empurrar a questão para a frente, que passados dois ou três meses cai-nos o problema ao colo novamente”.
“Há é pessoas que têm casas que usam para importar mão de obra do Porto e Lisboa. ‘Tem aqui casa mas tem que trabalhar para mim’. E para o imigrante também é bom porque fica logo com emprego”, enfatiza Sérgio Morais.
Sublinha que é grande a onda solidária que, por estes tempos, vai unindo povos de várias origens residentes no Algarve. E nem os russos escapam, observa, garantindo que mais de 95% dos que vieram da Rússia estão do lado do povo agora invadido, embora muitos tenham medo de o confessar. E conta até uma história, que viveu na primeira pessoa há poucos dias: “Um casal russo tinha um hotel em Portimão para pôr à nossa disposição com 50 quartos, porque estavam fechados no inverno. Com 20 voluntários fomos, limpámos aquilo de ponta a ponta. No dia em que chegámos, ia eu, a minha mulher e mais dois e estava lá o casal russo. Éramos seis. O casal de russos apresenta-se. O senhor começa a chorar a soluçar, abraça-se à minha mulher [ucraniana], a dizer ‘desculpa, desculpa’. Todos estávamos com um nó na garganta, todos começámos a chorar”.
João Prudêncio
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