Algarve precisa de 500 enfermeiros

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O Algarve tem falta de pelo menos 500 enfermeiros nos hospitais e centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde, segundo calculam os órgãos representativos daquela classe profissional, que sublinham que a carência se agravou de forma dramática com a pandemia, a partir de março

“Faltam 500 enfermeiros no Algarve, dos quais 150 nos cuidados de saúde primários e 350 nos hospitais”, precisa Nuno Manjua, coordenador do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) na região, lembrando que o distrito “sempre teve um défice crónico” e é a região do País com o menor número de profissionais proporcionalmente à população residente.


Recordando que os profissionais que trabalham no SNS algarvio rondam os 2000 em hospitais e centros de saúde, Manjua critica fortemente a falta de uma eficaz política de reforço das equipas face à emergência do vírus. “No último ano, a ARS tentou contratar mais 50 e o hospital contratou meia dúzia. Na primeira reunião com o conselho de administração do CHUA disse-nos que ia contratar mais 13”, enuncia, confessando que perdeu a conta às escassas contratações feitas no último ano, mas lamentando que elas sejam “da ordem das dezenas e não centenas, como seria necessário.

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Nuno Manjua, coordenador do Sindicato dos Enfermeiros
Portugueses, na região


Quando a Ordem dos Enfermeiros (OE) aponta para a existência de 400 enfermeiros desempregados no País, Manjua sublinha que, ao contrário do que acontecia há poucos anos, hoje em dia os recém-licenciados não têm entrada garantida no mercado de trabalho.


De outra perspetiva, o presidente da secção sul da OE, Sérgio Branco, contabiliza que a região tem seis enfermeiros por cada mil habitantes, contando com o privado, mas se se contabilizar apenas o SNS o rácio passa para apenas 4,5 por mil residentes, o que faz do Algarve “a pior região do País em termos de número de enfermeiros face ao número de habitantes”.


“Isto quer dizer que na região temos menos de metade da proporção média dos países da OCDE, que é 9 por cada mil residentes. Se temos 2500 enfermeiros precisávamos de outros 2500”, enuncia o dirigente da Ordem, lamentando que o Governo, no intervalo entre as duas vagas da pandemia, “tendo tempo para acautelar estratégias para combater esta segunda vaga, nada tenha feito”.

219 euros a dividir por dois meses…


Numa região em que saem das duas universidades regionais – Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve e Instituto Piaget – cerca de 50 a 60 recém-licenciados por ano, seria fundamental haver um fator de atração para quem se quer fixar ou mudar para o distrito. “Existe esse fator para o interior e para outras profissões no Algarve. E isso teria que ser mais abrangente. O Algarve precisa de constituir uma estratégia para atrair profissionais e os fixar”, sustenta Sérgio Branco, que reivindica uma política diferenciadora de incentivos salariais da região face ao todo nacional.


Além dos incentivos “regionais” para fixação dos jovens licenciados na região, o Governo prevê para o próximo ano a introdução de um prémio, a nível nacional, para os que estão na linha da frente do combate ao covid: um máximo de 219 euros, a atribuir a cada dois meses enquanto o profissional está em contacto direto com doentes vítimas da pandemia.


Reconhecendo que o covid está a esgotar os que o combatem diretamente, o presidente da secção sul da OE ressalva que, neste caso, as aparências iludem: “Este pseudo-subsídio não é mais do que um ato discriminatório. Alguém tem que criar as condições porque neste momento, embora as vítimas de covid estejam a esgotar a nossa capacidade de resposta, tem que haver resposta também para os doentes não covid, que estão a ser garantidos por todos nós. Não há uma linha da frente e uma linha de trás, há só uma linha da frente. Se o governo quiser criar uma motivação, tem que ser transversal, justa e equitativa, há necessidade de haver um subsídio de risco face ao que os enfermeiros passam”. E remata, em tom crítico: “As estratégias do Governo traduzem uma imagem de que queremos passar a pandemia a contar tostões. Atiram-se tostões para a frente dos profissionais de saúde para os tentar motivar”.

Sérgio Branco, presidente da secção Sul da Ordem dos Enfermeiros


O dirigente sindical Nuno Manjua corrobora que esses 219 euros que estão previstos na proposta de orçamento do próximo ano “são uma treta”: “Os critérios que estão na base da atribuição da base destes prémios vêm ainda ser mais discriminatórios. Quem está a trabalhar para o covid? Estamos todos. Para os meus colegas estarem lá eu estou a desenvolver outras atividades também de atendimento à população. E quem me garante que não estou em contacto com pessoas contaminadas? De uma ou outra forma, mais ou menos tempo, os profissionais estão a colaborar no combate ao covid”.

Salários maiores para atrair mais enfermeiros


O dirigente do SEP recorda que, há uns meses, foi aprovado na AR um prémio de metade de um vencimento, mais dias de férias, em função das horas feitas para os profissionais da “linha da frente”. “Esse prémio não foi regulamentado nem atribuído. Era de atribuição única e não foi atribuído a ninguém”.


Insatisfeito com a redução das compensações a prémios pecuniários, Nuno Manjua vai mais longe, ao reivindicar outro tipo de incentivos além dos salariais e põe o dedo na “eterna” ferida das progressões: “Se eu puder progredir na carreira, com muito mais dificuldade eu irei para outro ponto do País para ganhar menos”, observa, contabilizando em 500 os enfermeiros da região que nesta altura deviam ter a sua progressão e que “teriam mais alguma motivação para o trabalho e um motivo para se fixarem cá e não têm”.


“Nós não queremos prémios, que não resolvem os problemas que temos no seio da carreira. O que nós queremos é uma carreira digna, um salário justo e a progressão na nossa carreira”, resume, lamentando que haja enfermeiros “que trabalham há mais de 20 anos e estão no início da tabela salarial”.


SEP e OE concordam em que o volume e o ritmo de trabalho a que os enfermeiros estão expostos devido ao covid é “desumano”, nas palavras de Manjua, que exige: “Precisamos de contratar mais enfermeiros, precisamos que a nossa carreira e grelha salarial seja atualizada e justa face ao risco da nossa profissão e à formação científica que os enfermeiros têm, de valorização da profissão e em último lugar os profissionais têm que ser bem tratados”. E ser bem tratados é, no seu entender, não fazerem turnos de 12 horas. O que só se consegue com mais admissões de pessoal.


Para ilustrar ainda mais como os enfermeiros, no seu entender, têm sido maltratados, Ordem e sindicato exemplificam com os contratos de quatro meses a que a classe vem sendo obrigada nos últimos meses: “não vamos lá com ofertas de contratos de quatro meses, renováveis por mais quatro. Agora vêm falar na consolidação desses contratos, mas isso não vai abranger toda a gente. E depois vêm dizer que vão admitir mais não sei quantos enfermeiros e aí ficamos com a sensação de que vão entrar novos. Mas não: quando vamos analisar em pormenor vemos que o que o Governo vai consolidar é o vínculo contratual de alguns que já cá estão”, conclui Nuno Manjua.

João Prudêncio

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