Aljezur recupera autenticidade através da herança árabe

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A zona histórica de Aljezur está em obras para voltar a colocar em evidência a presença islâmica nesta vila, que foi fundada pelos árabes no século X. O projeto, que está em curso até ao final de 2012, visa criar um circuito pedonal para tornar “mais conhecida e visitável” essa herança, que ainda hoje permanece bem viva na região. Os trabalhos têm como meta a “reconstituição da autenticidade” no núcleo histórico e vão incluir a recuperação da calçada medieval, a reprodução dos antigos candeeiros de rua, o enterramento de cabos elétricos e a criação de condições para visitas auto-guiadas.

Durante muitos anos, a enorme influência árabe em Portugal e no Algarve, onde chegaram no século VIII e só saíram no século XIII, foi menosprezada. Mas as inúmeras pesquisas e escavações arqueológicas realizadas nas últimas décadas vieram colocar os pontos nos is e provar que houve uma enorme interação entre os povos árabes e cristãos, que acabaram por misturar, de forma espontânea e pacífica, os seus hábitos e costumes.

Os árabes deixaram a numeração, as noras, as laranjas e os limões, assim como as palavras começadas por al. Mas deixaram muito mais: a alma, a gastronomia, o cantar, o gosto pelas artes e as lendas. E é para recuperar a sua enorme influência árabe que o núcleo histórico de Aljezur – território que era dominado pelos árabes há 900 anos – está em obras.

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O projeto, que deverá estar concluído até ao final deste ano, representa um investimento de 200 mil euros e será financiado por fundos comunitários.

A Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur (ADPHAA) é uma das parceiras do projeto, juntamente com o município de Aljezur e outras instituições regionais. Em declarações ao JA, o presidente José Manuel Marreiros explica que as obras incidem sobre o núcleo histórico da vila, onde será criado um circuito histórico-cultural e ambiental com cerca de quatro quilómetros.

“Reconstituição da autenticidade”

“A ideia é recuperar o legado islâmico presente ainda hoje na zona histórica de Aljezur”, adianta o presidente da ADPHAA, que há cerca de quinze anos promove campanhas arqueológicas em vários locais do concelho, com resultados “impressionantes”.

Para o município de Aljezur, o objetivo é “colocar em evidência esta marcada presença do islamismo” na região, “a qual se pretende agora tornar mais conhecida e visitável”.

Segundo a autarquia, as obras em curso no espaço urbano da vila visam “a reconstituição da autenticidade” das ruas do núcleo histórico. Assim, os trabalhos incluem a recuperação e colocação de troços da antiga calçada medieval, a instalação de réplicas das antigas luminárias a petróleo, a colocação de nova sinalética e a recuperação dos edifícios da rede de museus, nomeadamente o museu municipal, museu Antoniano e casa museu Pintor José Cercas.

As intervenções contemplam ainda a colocação de cabos elétricos subterrâneos, a substituição de condutas de abastecimento de água e a colocação de esgotos para águas pluviais.

Outro objetivo do município e da ADPHAA é a criação de condições para a visita auto-guiada ao longo de cerca dos quatro quilómetros do percurso. Desta forma, os visitantes poderão deslocar-se facilmente pelas ruas estreitas da vila e ficar a conhecer mais detalhadamente os principais elementos históricos e ambientais.

“Este percurso encontra-se já devidamente registado pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal como Pequena Rota, a primeira a homologar no concelho”, destaca a Câmara de Aljezur, frisando que a aquisição de áudio-guias para auxílio à interpretação e condução dos visitantes no percurso constitui um aspeto inovador, prevendo-se também a dedicação a um público mais novo, com guiões de acompanhamento próprios para as crianças.

Peças encontradas em escavações já estão restauradas

Segundo apurou o JA, o projeto prevê ainda a instalação de um núcleo islâmico em Aljezur, através da reconversão da atual galeria de exposições temporárias no museu municipal. “Este espaço será chamado de Legado Andaluzino e nele serão expostas diversas peças da cultura árabe, encontradas durante as escavações arqueológicas feitas no concelho”, adianta José Manuel Marreiros.

Segundo apurámos, parte destas peças já foram restauradas e deverão integrar a exposição já a partir desta semana. Entre elas, contam-se cântaros, panelas, tachos, pratos, bules, jarros, entre muitos outros objetos que foram descobertos e retirados cuidadosamente dos silos islâmicos descobertos, nos últimos anos, no concelho de Aljezur.

O projeto visa ainda a identificação dos padrões do antigo porto de Aljezur e da sua envolvente ambiental, a ribeira de Aljezur. “Vamos tentar reproduzir em painel o movimentado porto de Aljezur no século XV, que foi efetivamente um importante porto até ter ficado assoreado com o terramoto de 1755”, revela o presidente da associação.

Orgulho no legado islâmico

José Manuel Marreiros lembra ao nosso jornal que Aljezur foi fundada no século X pelos árabes e esteve sob o seu domínio até 1249, ano em que o castelo foi conquistado pelos cristãos aos mouros, no reinado de D. Afonso III.

“É importante não deixar morrer este importante legado que os árabes nos deixaram e que Aljezur e todos os algarvios devem se orgulhar”, salienta o responsável, sublinhando que, oito séculos depois, “a presença islâmica ainda se faz sentir no nosso concelho”.

“Aljezur ainda é uma vila medieval islâmica, com as suas ruas muito estreitas, as pequenas casas com chão de terra e paredes em taipa, isto para não falar nas dezenas de locais no município onde já foram e continuam a ser achados importantes vestígios desse passado”, refere, dando como exemplos os trabalhos arqueológicos levados a efeito nos silos islâmicos junto à escola, no Castelo de Aljezur, na Ponta da Atalaia (Ribat da Arrifana), na Ponta do Castelo – Carrapateira, na igreja nova de Aljezur e em Alcaria.

“Muitas coisas que ainda temos no Algarve foram introduzidas pelos árabes, que estiveram aqui cinco séculos. Os árabes foram responsáveis, entre muitas outras coisas, pela plantação de árvores de fruto e pelas construções em taipa que ainda hoje se usam. Além disso, os Descobrimentos portugueses começaram no Algarve precisamente por causa dos barcos dos árabes, que os navegadores modificaram ligeiramente e adotaram nas suas viagens à descoberta do mundo. Desde a vela latina ao astrolábio, os portugueses inspiraram-se nos árabes para fazerem cópias e lançarem-se nessa grande aventura”, salientou José Manuel Marreiros.

E as influências islâmicas não se ficam por aqui: as técnicas agrícolas, os moinhos e até o nosso alfabeto têm origem árabe. “Basta dizer que, atualmente, ainda conservamos 950 vocábulos árabes na língua portuguesa”, acentuou, concluindo que “não podemos virar as costas a este passado”.

Nuno Couto/Jornal do Algarve
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