Alojamento Local: um acórdão que gera desacordo

A figura do alojamento local foi formalmente criada e legislada em 2008 e, desde então perdem-se na memória as inúmeras alterações ao regime jurídico do setor. Nos últimos anos, temos assistido ao surgimento de diversos litígios, sobretudo nos condomínios em propriedade horizontal compostos por frações destinadas à habitação permanente. Do ponto de vista jurídico, existem sempre várias perspetivas a analisar.
Falemos de um caso concreto, recentemente noticiado, em que um dos condóminos submeteu à apreciação do tribunal a questão a saber se é (i)lícita a atividade de alojamento local numa fração destinada, pelo título constitutivo, a habitação. O processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, em 22/03/2022, proferiu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência no qual ficou expressamente esclarecido que: “No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”
Antes de mais, é importante realçar que este Acórdão de Uniformização de Jurisprudência não é vinculativo fora do processo em que foi proferido, nem altera a legislação em vigor – apesar de se preverem futuras alterações à mesma, consequência deste acórdão –, no entanto, implicitamente, irá ter força persuasiva e orientadora em futuros litígios judiciais, tendo em consideração o respeito que os tribunais inferiores vêm demonstrando pela jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Evidentemente, num prédio composto maioritariamente por habitações permanentes, existirá uma clara colisão de legítimos interesses, expectativas e direitos, por um lado, o direito à vida privada, ao recato, ao sossego e segurança e, por outro, temos os interesses económicos e expetativas de rentabilização, por quem não pretende ali constituir a sua habitação própria e permanente e que, muitas vezes, adquire a dita fração como forma de investimento com vista ao desenvolvimento da atividade de alojamento local. Porém, o exemplo descrito não pode ser equiparável aos casos em que os prédios são compostos por frações destinadas a habitação no título constitutivo, contudo, na prática, são exclusivamente destinadas a férias, segundas residências, etc., normalmente sitos em locais turísticos, de praia, em que os proprietários são, predominantemente, estrangeiros, investidores, ou não residentes. Nestas situações, no meu entendimento jurídico, a análise ao caso concreto e a respetiva solução terá de ser um pouco diferente.
Uma coisa é habitar num local, outra é ficar alojado de forma temporária e transitoriamente. No entanto, importa relembrar que, desde 2018, a legislação do setor prevê um mecanismo de proteção dos condóminos, nomeadamente, caso exista uma prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso, a assembleia de condóminos, por deliberação tomada por maioria simples, pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na referida fração. Nestes casos, o Presidente da Câmara Municipal competente, após análise dos fundamentos da deliberação, pode decidir cancelar temporariamente, até ao limite de um ano, o registo de exploração de alojamento local nesse imóvel.
Face ao Acórdão do STJ, podem antecipar-se mais conflitos judiciais, tendo em conta que, num prédio habitacional, bastará um condómino habitacional para contestar a licitude da atividade de alojamento local e, consequentemente, avançar com ação judicial com vista a cessação definitiva dessa atividade na fração em questão. Ainda assim, entendo que no caso de não existir oposição de nenhum condómino, nada impede a prestação de serviços de alojamento local nos moldes aprovados pela legislação atual sobre o alojamento local.
Certo é que cada caso necessitará de um enquadramento específico, considerando as várias realidades jurídicas e diferentes soluções. Enquanto não existir uma clarificação ou alteração à legislação, gera-se a incerteza para todos os envolvidos, sejam condomínios, proprietários residentes ou titulares de registo de alojamento local. Em todo caso, aconselha-se sempre a consulta de um advogado para análise da situação em concreto, porquanto existirão situações em que o Acórdão em referência não será aplicável, bem como outras soluções a analisar e implementar.
As informações prestadas são de caráter geral, meramente informativa e não substituem a consulta da legislação e/ou de um advogado, para análise do caso concreto.

Andreia Catarina Cardoso
*[email protected]

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