Amaro Antunes pode ser o próximo português na elite do ciclismo mundial

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O ciclista, natural de Vila Real de Santo António, onde nasceu há 26 anos, foi segundo na Volta a Portugal e conquistou a camisola azul (“rei” da montanha), depois de ter ganho o Troféu Joaquim Agostinho e de ter brilhado, mais uma vez, na Volta ao Algarve. Continua a ser o primeiro no ranking nacional. Revela que tem propostas para sair do país, mas prefere não entrar em detalhes. Porém, já há quem diga que poderá ser o próximo português a ingressar numa equipa do escalão World Tour

DOMINGOS VIEGAS

Que balanço faz desta Volta a Portugal?
Muito positivo. Como tenho vindo a dizer, fui sempre um ciclista útil ao diretor desportivo da equipa. Cumpri sempre as ordens dele. Acabar na segunda posição da classificação geral, ter sido o melhor português e ganhar a camisola azul da montanha foi uma recompensa por todo esse trabalho. Por tudo isso, só posso estar satisfeito.

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Não fica com a sensação de que poderia ter ganho a Volta? O triunfo foi para o seu colega de equipa, mas o Amaro Antunes acabou no segundo lugar e esteve sempre com uma diferença muito curta para o vencedor…
Agora, a frio, há muitas coisas que se pode pensar que poderiam ter acontecido. Mas, no momento, foi o que tinha que ser. Sabia para o que ia. O Raul [Alarcón] acabou por aproveitar a oportunidade de vestir a amarela no primeiro dia e era justo que o resto da equipa trabalhasse para ele. Eu, como segundo ciclista da equipa, fui poupado e acabei por ser segundo e vencer a geral da montanha.

Mas a grande aposta da W52-FC Porto para ganhar a Volta era o Gustavo Veloso…
O Veloso era o chefe de fila, mas no seio da equipa tínhamos a noção de que havia outras opções. Numa corrida com a dimensão da Volta a Portugal não podemos contar só com um ciclista para ganhar, porque podem acontecer imprevistos. Aliás, tal como aconteceu na etapa da Serra da Estrela em que ele teve um dia mau. Ele era o nosso chefe de fila, era a nossa primeira opção, mas tínhamos em mente que a equipa tinha mais dois ou três ciclistas em boa posição.

Quando o Gustavo Veloso perdeu todas as hipóteses, a estratégia teve que mudar. Quais foram as ordens nessa altura?
O Nuno Ribeiro [diretor desportivo] alertou-nos logo para isso no início da etapa da Serra da Estrela. Ele é que montou a estratégia e disse-nos que tanto eu como o Raul tínhamos que trabalhar para fazer a diferença e tentar definir ali a Volta. E conseguimos. Podia ter corrido mal, como é obvio, mas, felizmente, correu bem.

E quando ficaram só os dois como únicos ciclistas da equipa com possibilidades de ganhar, houve alguma indicação especial para um ou para outro?
Ficou logo decidido que eu ganharia a etapa e o Raúl chegava comigo e continuaria de amarelo. Ele tinha uma vantagem de 30 segundos e continuaria sempre no primeiro lugar da geral. Foi uma decisão muito rápida, porque somos colegas de equipa e temos uma boa relação de amizade. O próprio diretor desportivo disse-nos para fazer isso: eu ficaria com a etapa e o Raúl com o segundo lugar, mas com a camisola amarela e alargando a distância em relação aos outros adversários.

Uma boa Volta a Portugal, depois de uma boa Volta ao Algarve, o triunfo no Troféu Joaquim Agostinho, o primeiro lugar no ranking nacional… Tem sido uma época em cheio?
Está a ser o meu melhor ano de sempre. Já tenho vindo a dar provas que sou capaz de estar na discussão das grandes corridas nacionais, por isso não quero dizer que este seja o ano da minha afirmação como ciclista. Mas penso que consegui este ano, de uma vez por todas, e como se costuma dizer, dar a machadada. Ganhar uma etapa na Volta ao Algarve, tendo em conta a qualidade do pelotão, é algo que jamais esquecerei. Vencer o Troféu Joaquim Agostinho, antes da Volta a Portugal, foi fenomenal. E acabar a época com esta brilhante Volta a Portugal é algo que só me pode deixar satisfeito.

Qual foi, até agora e em toda a carreira, o triunfo que mais satisfação lhe deu?
A etapa da Volta ao Algarve que ganhei no Alto do Malhão este ano, sem dúvida. É verdade que ganhar uma etapa de montanha na Volta a Portugal tem muito impacto, mas vencer aqui no Algarve, junto daqueles que gostam de nós, com um pelotão que tinha as melhores equipas e os melhores ciclistas do mundo, foi algo que me deixou com pele de galinha. Recordo como se tivesse sido hoje e nunca mais vou esquecer esse momento.

Com a época praticamente terminada, a pergunda obrigatória: vai continuar na equipa W52-FC Porto?
Ao longo destes dias é que vou ver como é que se vai desenrolar essa questão. Mas, para já, não tenho nada decidido.

Tem propostas de outras equipas?
Há algumas propostas, mas nada de concreto.

De equipas estrangeiras?
Sim, mas ainda não está nada garantido.

Mas de equipas do escalão World Tour?
Equipas estrangeiras. Mas ainda não está nada garantido.

O ciclismo é um desporto de equipa, mas é muito diferente das modalidades onde só se ganha coletivamente. Por exemplo, uma equipa de ciclismo não treina junta… Como é que isso funciona?
Cada ciclista tem um plano de treino. Quando estamos a preparar uma prova, por exemplo, como a Volta a Portugal, fazemos estágios em altitude. Este ano fiz esse estágio com os outros dois algarvios da equipa, o Ricardo Mestre e o Samuel Caldeira. Cada um cumpre o seu plano de treino. Acaba por ser um desporto em que treinar juntos não é uma obrigação, porque cada ciclista tem as suas características e a sua fisionomia e, por isso, tem um programa de treino específico. Nós os três conseguimos conciliar os treinos, mas há ciclistas que não conseguem. Muitas vezes só encontramos os colegas de equipa nas corridas.

Ou seja, até os estágios podem ser feitos individualmente?
Normalmente juntamo-nos quatro ou cinco. Mas nem sempre é assim. Este ano, por exemplo, fomos seis para Navacerrada, em Espanha, onde estivemos cerca de vinte dias. Também há ciclistas que gostam de estar mais isolados, para estar mais concentrados. Depende da personalidade de cada um. O ciclismo, em competição, é um desporto de equipa, muito de equipa, mas nos treinos pode ser muito individual.

Como é o seu dia a dia?
Acordo por volta das 08h30 ou das 09h00, tomo o pequeno almoço e saio para treinar às 10h00 ou às 10h30. A partir daí, o resto do dia depende do tipo de treino. Se tiver um treino longo são cerca de cinco ou seis horas. Também depende se o treino do dia tem que incluir subidas ou apenas terreno plano. Há outros dias que os treinos são de ativação ou de recuperação muscular. Há outros dias em que temos treinos de montanha, nos quais temos que fazer várias subidas. Mas são sempre, pelo menos, três horas. Depois é comer e descansar um pouco. O meu dia a dia é praticamente passado com os olhos na bicicleta.

E como é que se resolve a questão do treino de montanha, vivendo em Vila Real de Santo António?
Quando preciso de fazer montanhas mais longas, sem sair do Algarve, vou até Monchique e treino na Foia, que são cerca de oito quilómetros sempre a subir. Aí já consigo fazer um bom trabalho de montanha. Aqui mais perto também tenho o Serro de S. Miguel e o Alto do Malhão. Mas quando preciso de preparar uma corrida como a Volta a Portugal vou para a Serra Nevada ou para Navacerrada, em Espanha, onde estou concentrado durante cerca de 25 dias. É aí que preparo as grandes competições.

Já correu em equipas portuguesas e italianas. Há muitas diferenças?
Há algumas. Mas a grande diferença é mesmo entre equipas do escalão Continental e do escalão World Tour e não tanto entre os países. As equipas World Tour têm tudo e não falta nada. As condições que o FC Porto tem são muito boas, mas, de uma forma geral, nas equipas continentais, por terem um orçamento mais baixo, ainda há algumas lacunas para limar. Depende sempre do orçamento de cada equipa.

É possível voltar a ter um ciclista português novamente a lutar constantemente pelo triunfo nas grandes Voltas, como foi o caso de Joaquim Agostinho?
Creio que sim. O Rui Costa foi campeão do mundo há cerca de três anos e o que tem vindo a fazer, principalmente na Volta à Suíça, pode equivaler já ao que fez o Joaquim Agostinho. E estou confiante que temos ciclistas mais jovens que, mais tarde ou mais cedo, poderão começar a dar cartas no ciclismo mundial. Portugal está muito bem representado. O que falta é aquela oportunidade para poder dar o salto.

E o que é que falta para Portugal ter uma equipa do escalão World Tour?
Falta orçamento. Para chegar a esse nível não é suficiente ter resultados, é preciso um orçamento mínimo exigido. A nós, este ano, resultados não nos faltam. A W52-FC Porto teve triunfos na Volta ao Algarve onde estavam equipas de grande nível, vitória na Volta às Astúrias, vitória na Volta a Portugal… Mas falta o orçamento para conseguir-mos ter a licença do escalão acima.

O público gosta de ciclismo, é uma modalidade muito popular, mas continua a haver, constantemente, equipas a desaperecer e outras com grandes dificuldades para encontrar patrocínios. Porquê?
É o reflexo da economia e das empresas. O ciclismo é muito diferente de modalidades como o futebol. Se uma empresa, que é o principal patrocinador, sair, a equipa tem que terminar caso não encontre logo outro porque não tem verba para continuar. No futebol, por exemplo, há outras fontes de rendimento que não existem no ciclismo. Ninguém paga para ver ciclismo. Não é um desporto praticado num recinto fechado. Mas tem uma logística enorme, que representa grandes despesas.

Nos últimos anos o ciclismo também tem sido afetado por muitos casos de doping. Isto não contribuirá também para que os patrocinadores se afastem?
Claro que sim. Essas coisas mancham sempre a modalidade. Infelizmente, quando se fala de ciclismo coloca-se muitas vezes esse rótulo. Agora é preciso olhar para o futuro e não cometer os erros do passado.

O que é que leva um ciclista a querer ganhar a todo o custo? É a ambição desmedida? A necessidade de ser primeiro para dar mais visibilidade aos patrocinadores?
Pode ser também a pressão… Não sei. Não faço a mínima ideia. Só quem passa por isso é que poderá responder.

Como é que é feito o controlo pelas entidades antidopagem?
Somos muito controlados. Por exemplo, nesta Volta a Portugal fui controlado várias vezes, tanto através do sangue como da urina. Fazem as colheitas a qualquer altura porque é sempre um controlo surpresa. Chegam ao hotel, pedem para entrar e vão ao nosso quarto.

Isso acontece mesmo fora das provas?
Exatamente. Às vezes aparecem em casa. Todos os dias tenho que ter um período de 60 minutos em que tenho que estar contactável para a autoridade antidopagem. Todos os dias tenho que enviar a minha localização. Se eles entenderem, aparecem e fazem o controlo. Eles têm uma base de dados de cada atleta, elaborada com os resultados das análises anteriores, e conseguem ver o perfil de cada um.

E como é que está o Clube de Ciclismo Amaro Antunes?
Está bem. Fiquei admirado com o rápido crescimento. Os patrocinadores responderam muito positivamente, ficaram agradados e foram bastante generosos. Creio que é um projeto que está com pernas para seguir, para já com uma equipa amadora e depois também com a escolinha de ciclismo.

Quando é que será criada a escola de ciclismo, que era uma das prioridades?
A ideia é avançar no próximo ano. Mas vamos começar já este ano com a divulgação nas escolas, logo no início deste ano letivo, através de demonstrações para promover a modalidade e explicar aos alunos que existe um clube de ciclismo no concelho de Vila Real de Santo António.

Com que idades é que os miúdos podem entrar para a escola de ciclismo?
Vai estar aberta a jovens da faixa etária entre os 9 e os 14 anos.

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(Entrevista publicada na edição impressa e semanal do Jornal do Algarve de 24/08/2017)

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