ANDREIA FIDALGO

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Colaboradora. Designer.

EXPOSIÇÃO “ALGARVE – DO REINO À REGIÃO

Em Loulé, Mendes Cabeçadas e a primeira república no Algarve

“Mendes Cabeçadas e a Primeira República no Algarve” foi o título escolhido pelo Museu Municipal de Loulé, em parceria com o Museu da Presidência da República, para integrar a exposição de âmbito regional «Algarve – Do Reino à Região», coordenada pela Rede de Museus do Algarve. Precisamente numa altura em que se comemora o Centenário da Implantação da República, esta mostra, que estará patente no Convento de Santo António até 27 de Novembro de 2010, procura evocar os principais reflexos da Primeira República no Algarve e dar a conhecer uma figura importante dessa época, José Mendes Cabeçadas, natural de Loulé.
A exposição organiza-se, portanto, em dois núcleos complementares: o primeiro, de carácter mais geral, é dedicado à Implantação da República e aos reflexos desta nova situação política na região algarvia; o segundo incide especificamente no percurso de vida de José Mendes Cabeçadas durante essa fase conturbada da história portuguesa; um homem que, para além de ter desempenhado um papel importante nos acontecimentos que levaram à implantação da República no 5 de Outubro de 1910, ocupou, ainda que por um curto período, o mais alto cargo do governo republicano – o de Presidente.
Para a implantação da República teve um papel fundamental a propaganda feita pelos seus defensores, cujos principais veículos foram a imprensa, os comícios, as conferências e os centros republicanos fundados pelo país. É este primeiro aspecto, o da propaganda republicana, que é salientado na exposição, sendo que o visitante tem oportunidade de observar, no espólio que acompanha os painéis expositivos, alguns exemplares de periódicos da região, fotografias de ilustres republicanos algarvios, documentação da época, entre outros.
Com o contributo do Museu do Trajo de São Brás de Alportel, o visitante pode apreciar três reconstituições da época em análise: uma oficina de sapateiros de Loulé que aparece, nesta exposição, em representação da aliança que os republicanos estabeleceram com o operariado, de forma a ganhar o apoio deste grupo social; uma escola primária característica dos inícios do século XX, pois a educação e o combate ao analfabetismo (que rondava os 80%) foram preocupações constantes dos republicanos após o 5 de Outubro, que acreditavam no desenvolvimento da instrução pública gratuita como a melhor forma de resolver todos os problemas da sociedade portuguesa e contribuir para a consolidação definitiva do republicanismo; e, por fim, um casal de burgueses, cujas vestes datam de cerca de 1910-1915, em representação do grupo social mais influente no Partido Republicano e da intensa vida social da época.
Não poderia ficar fora do âmbito desta exposição a produção literária e artística da altura, intrinsecamente ligada à vida burguesa. O visitante pode observar, entre outros, um exemplar do célebre “Manifesto Anti-Dantas”, panfleto satírico da autoria de Almada Negreiros; as revistas “Orpheu” e “Portugal Futurista”, ambas divulgadoras do movimento modernista de vanguarda, que tanto caracterizou, em termos artísticos e literários, esta fase da Primeira República em Portugal; ou ainda algumas obras artísticas originais de Roberto Nobre, natural de São Brás de Alportel, que, de entre as suas diversas facetas, foi artista plástico, caricaturista e crítico de cinema.
Para concluir este primeiro grande núcleo de enquadramento geral, três painéis expositivos, e o respectivo e pertinente espólio, acompanham o percurso do visitante: o primeiro refere o anticlericalismo, ou seja, a grande crítica dos republicanos à influência da Igreja na sociedade portuguesa, e um dos seus principais cavalos de batalha que consistiu na instituição obrigatória do Registo Civil; o segundo painel alude, como não poderia deixar de ser, ao entusiasmo com que foi recebida, no Algarve, a notícia da implantação da República e as medidas que se lhe seguiram; por fim, o último painel refere a participação portuguesa na Primeira Grande Guerra que se reflectiu, a nível político, numa grande instabilidade.
Prosseguindo na vertente militar, o visitante pode fazer a transição para o 2.º núcleo observando os uniformes militares do Almirante José Mendes Cabeçadas (1883-1965), que ingressou na Marinha em 1903. Procura-se, contudo, salientar não apenas o seu lado de militar, mas também a sua actuação na política e nos negócios, e o contacto com a região algarvia. Mendes Cabeçadas participou nos acontecimentos que conduziram à implantação da República, nos quais a Marinha teve uma acção importante. Desde então não mais deixou de se envolver em questões políticas, ocupando inclusive vários cargos do governo repu-blicano no Algarve. Porém, o mais importante cargo que ocupou foi o de Presidente da República durante menos de um mês em Junho de 1926, resultado da sua participação no Golpe de 28 de Maio do mesmo ano. De salientar ainda a sua faceta de opositor ao regime salazarista, tendo cooperado, nos anos de 1946 e 1947, em conspirações militares contra o governo vigente.
Os apontamentos acerca da vida de Mendes Cabeçadas são complementados com um vasto e diverso leque de fotografias, que marcam os factos mais importantes da sua vida. Também um quadro cronológico, que apresenta a vermelho as passagens da sua vida e a preto os acontecimento mais relevantes na história do país, nos ajuda a compreender melhor o percurso de vida deste homem. Para além destes elementos, não podemos deixar de referir a utilização nesta exposição de suportes audiovisuais, em particular a apresentação do vídeo “José Mendes Cabeçadas Júnior e a República no Algarve” que, de uma forma didáctica, expõe imagens fotográficas da vida de José Mendes Cabeçadas e de acontecimentos marcantes da I República, sempre acompanhadas de legendas.
Quase poderíamos dizer, a título de balanço final, que temos o privilégio de visitar duas mostras diferentes, uma alusiva à Primeira República no Algarve, e outra alusiva à vida de Mendes Cabeçadas. Porém, se pensarmos mais de-moradamente acerca desse assunto apercebemo-nos da lógica subjacente: é que para compreender a vida de qualquer figura histórica há que enquadrá-la no devido contexto histórico-cultural. Esse e outros aspectos tornam a visita a esta exposição imprescindível! Uma exposição que podemos caracterizar como apelativa, atraente e esclarecedora, que teve na sua base uma colaboração científica de grande qualidade (Joaquim Romero Magalhães, Maria João Raminhos Duarte, José Carlos Vilhena Mesquita, entre outros) e que contou também com a excelente coordenação executiva do Eng. Luís Guerreiro, chefe da Divisão de Cultura e História Local da Câmara Municipal de Loulé.

(CEPHA/UAlg)

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