AO CORRER DA PENA: A Eutanásia que ninguém quer!

Pensei muito se deveria ou não abordar um tema destes, mas finalmente entendi que posso expressar o que penso, assim como mais um contributo para a discussão que agora, felizmente da forma mais correcta, se reinicia. Não pretendo captar ninguém para a minha posição, mas a verdade é que tem sido em discussões, algumas com pessoas pensando em sentido contrário ao meu, que tenho vindo a definir a minha própria posição que, além de tudo o mais, não é isenta de algumas dúvidas. Naturalmente aliás, porque nunca é fácil pensar nem falar da morte e ainda menos da sua eventual provocação.

Este é um dos temas que mais tem agitado a sociedade portuguesa nos últimos tempos, e será, tudo o indica, um tema cada vez mais candente, um pouco por todo o Mundo. Se se está bem, com saúde e de bem com a vida, dificilmente se pensa em provocar a própria morte, mas a velhice, os acidentes, as doenças e as depressões colocam por vezes esse dilema, embora ele vá contra o nosso instinto natural de sobrevivência. Só alguém que não está de bem consigo ou com o estado do seu corpo, encara a possibilidade de pôr termo à vida. Antigamente, o suicídio era punido. Se um suicida falhava na tentativa de pôr termo à vida, corria o risco de ir parar à prisão. Esta sanção foi originada, em minha opinião, pelo facto de as religiões mais comuns em Portugal, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, condenarem o suicídio. Pessoalmente, entendo que para quem acredita que a sua própria existência é uma dádiva e a vida terrena apenas uma fase para aceder à vida eterna extraterrena, será pecaminoso abreviar aquilo que é entendido como um projecto divino. Contudo, para quem acredita que a sua própria vida a si exclusivamente diz respeito e tudo começa e acaba aqui, a logica religiosa da manutenção da vida perde todo o sentido pelo que, sendo o Estado laico, o suicídio não poderá ser penalizado. Falo, obviamente, do ponto de vista civil e legal. Os aspectos religiosos e suas implicações são, tal como a religião professada, do foro íntimo de cada um e por isso será um assunto exclusivamente entre a pessoa envolvida e o seu deus.

Em termos laicos, podemos ou não concordar com o suicídio, mas ele será sempre uma questão do foro pessoal de cada um, que há que respeitar! Contudo, há casos em que a pessoa não poderá levar avante a sua vontade, porque lhe faltam os meios. Duas hipóteses se lhe abrem: ou só lhe faltam os meios materiais para consumar o seu acto, e aí estaremos perante a necessidade de um suicídio assistido, ou, pior, ela própria não conseguirá por si levá-lo à prática por falta de capacidade física. No primeiro caso, apenas está em causa o fornecimento dos meios necessários a consumação do acto, pelo que será possível (ou mais fácil) a sua obtenção. É no segundo que as coisas se complicam bastante. Estou a lembrar-me, por exemplo, de tetraplégicos que só movem a cabeça ou pouco mais e por isso estão dependentes dos outros para absolutamente tudo. Também estes terão de ter direito ao suicídio que, dadas as suas limitações, terá de ser executado por outrem. É o que se chama eutanásia. A eutanásia em minha opinião é a única forma de dar a quem tem sérias limitações de mobilidade, os mesmos direitos, liberdades e garantias de quem se pode mover livremente. A eutanásia é portanto, a única forma de tentar equilibrar os direitos de todos, independentemente da sua mobilidade. O que, em minha opinião, haverá que garantir é que haja, da parte da pessoa em questão, a determinação indiscutível de querer perpetrar o acto. Da parte de quem a ajuda, duas coisas são necessárias: que aceite fazê-lo e que não seja sancionada por isso. E se a primeira condição é essencial, a segunda também não é despicienda: ninguém deverá ser perseguido por se prestar a tão emocionalmente doloroso acto, tal como não deverá ser forçado a fazê-lo, se não o quiser fazer. Será, portanto, nestes dois pontos, que eu entendo que a legislação deve ser bastante rigorosa: a formulação do pedido deverá ser insofismável e acima de qualquer suspeita de influência por parte de quem quer que seja, isto é, deverá ser um acto da exclusiva responsabilidade de quem o expressa. Quem, finalmente, aceita levá-lo a cabo, não poderá nunca vir a ser, por isso, perseguido. Assim se restabelecerá a igualdade entre todos os cidadãos e cidadãs, independentemente da sua mobilidade, no que se refere a esta tão dramática decisão. Creio que será sobre estas magnas questões que a legislação a produzir se deve debruçar.

Há pouco, questionaram-me sobre o porquê da urgência de tal legislação agora. Aparentemente, esta será uma época tão boa ou tão má quanto qualquer outra, mas creio que já houve suficiente discussão ao longo dos últimos anos e estão muito definidos os campos: quem se rege por lógicas religiosas será contra, quem não o faz, é a favor. A verdade é que as leis agora em discussão em nada alterarão as crenças religiosas (ou outras) de cada um, nem por si alterarão a sua forma de agir. O facto de despenalizar a eutanásia (e é tão simplesmente disso que se trata) não obrigará absolutamente ninguém a pedir para praticá-la nem a nela colaborar. Estou, contudo, em crer que quanto mais a ciência e em particular a medicina avançar, mais candente se tornará a questão pois cada vez será possível prolongar mais a vida humana, quantas vezes de forma pouco menos que artificial, gerando mais frequentemente situações do tipo das que aqui são focadas. Oxalá que esse mesmo avanço venha a proporcionar condições para que haja cada vez menos paraplégicos e outros doentes que dependam de terceiros para levarem a cabo a sua vida e os seus intentos. E portanto, também, que esses mesmos intentos sejam cada vez menos necessários! É sinal que a evolução humana caminhou na direcção certa!

Fernando Pinto


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