AO CORRER DA PENA: “How dare you??? Shame on you!”*

(em memória de Afonso Cautela)

Quando eu era bem jovem, li um livro que se chamava “Crescimento Zero”. Tratava-se de um livro então bastante inovador, baseado num estudo encomendado por um grupo de gente tão bem intencionada quanto bem colocada no mundo empresarial, reunida num clube a que chamaram Clube de Roma. O livro tinha como base o tal estudo encomendado ao casal Meadows (os Profs Donna e Denis Meadows) chamado “Os limites do crescimento” e pretendia medir qual era o crescimento possível face aos recursos que então se sabia existirem. A conclusão a que chegava era a de que o crescimento possível era quase nulo (daí o nome do livro “Crescimento Zero”), pois as matérias primas então conhecidas dariam para mais uns cerca de 100 anos, aos consumos então praticados. Mas nem todas tinham tantas reservas: recordo que as reservas de petróleo eram dadas como esgotadas ao fim de cerca de 30/35 anos, pelo que se deveriam encontrar desde logo formas alternativas de produzir energia. A questão do petróleo marcou-me mais que os outros exemplos, pois tratava-se de um elemento já então fundamental na construção do mundo tal como hoje o conhecemos, e o seu fim cabia perfeitamente ainda no meu tempo de vida. Foi por isso que, passados bem menos de dois anos (e de um glorioso mês de Abril), me vi envolvido num grupo que, reunido algures perto da Figueira da Foz, tentou criar o MEP, Movimento Ecológico Português, fez há pouco, 45 anos! Capitaneado pelo saudoso, visionário e muito enérgico Afonso Cautela, eramos um bando de jovens atento aos limites do Mundo em que vivíamos (e vivemos). Sucintamente, as conclusões do Relatório Meadows que subscrevíamos e para as quais tentámos chamar a atenção do país, eram as três que se seguem:

  1. Se as actuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial.
  2. É possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e económica que se possa manter até um futuro remoto. O estado de equilíbrio global poderá ser planeado de tal modo que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e que cada pessoa tenha igual oportunidade de realizar o seu potencial humano individual.
  3. Se a população do mundo decidir empenhar-se em obter este segundo resultado, em vez de lutar pelo primeiro, quanto mais cedo começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores serão suas possibilidades de êxito.
    Mas o 25 de Abril e todas as suas imensas prioridades (de liberdade, de fim da guerra colonial, de independências, de fim de todos os atrasos, etc., etc., etc.) fizeram soçobrar o ge-neroso projecto do Afonso Cautela, e é como sabemos que, passados 45 anos, nos encontramos! Repare-se que, nestes três pontos, só uma vez se fala de poluição. A preocupação dominante era essencialmente a finitude das matérias primas. Não havia então a consciência que há hoje das dramáticas alterações climáticas provocadas pela poluição, tal como também não havia consciência das imensas reservas petrolíferas e de carvão agora conhecidas e exploradas, graças às profundidades de perfuração e às tecnologias hoje existentes. No entanto, essas mesmas reservas não deixam de ser finitas e contribuir fortemente (quando os seus resí-duos são libertados na atmosfera) para o inexorável envenenamento de todos os ecossis-temas do planeta. Quando falo em envenenamento, refiro-me à poluição do ar, das águas e da própria Terra. A poluição e os lixos não são algo que desapareça como num passe de mágica. Tudo o que produzimos, de bom e de mau, não desaparece: pode eventualmente transformar-se, mas fica na Terra. Ainda há pouco, tive conhecimento de um estudo feito algures no centro da Europa sobre 1011 ninhos e respectivos pássaros encontrados mortos. As análises toxicoló-gicas desses ninhos e desses pássaros mortos encontraram 35 diferentes pesticidas, herbicidas, fungi-cidas e outros “cidas”, entre os quais DDT, pesticida que deixou de ser utilizado já há mais de 35 anos! É este o Mundo finito e quase em colapso que hoje todos partilhamos. Estamos próximo do ponto de não-retorno, numa esquina determi-nante da história do Mundo! Já não se trata, como então, de saber quais os limites até onde podemos ir, mas que caminhos teremos já de arrepiar, completa e celeremente. Sabíamos desde o início que o crescimento infinito, pedra basilar da actual economia mundial, era impossível. Era uma consciência lógica mas teórica e sempre “empurrada com a barriga”. Sob pena de sermos responsáveis pelo extermínio da nossa própria espécie neste planeta, há que agir já! Muitas outras espécies também agradecerão!

Não posso, neste momento, deixar de evocar o percussor espírito de Afonso Cautela nas dramáticas palavras de Greta Thunberg.

*(“Como se atrevem??? Que vergonha!”) Frase muito repetida no acutilante e emotivo discurso sobre a falta de acções concretas dos políticos em defesa da Terra, nas Cimeira do Clima das Nações Unidas, pela jovem activista de 16 anos, Greta Thunberg.


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