Ao correr da pena: O Novo Aeroporto de Lisboa

Ouço falar do novo aeroporto de Lisboa praticamente desde que me conheço. Corriam os anos sessenta e setenta e impunha-se um novo aeroporto para a capital. Daí que a então nova Ponte sobre o Tejo (baptizada Salazar) ter sido já preparada para aceitar comboios. Onde seria? Falava-se em Rio Frio e nas negociatas de terrenos que por lá estariam a ocorrer em função das previsões. Veio o 25 de Abril e a ideia, se não morreu, ficou moribunda.

Alguns anos depois, projectou-se uma nova aerogare para a velha Portela, enquanto de novo se discutia a localização do Novo Aeroporto. E assim fomos vivendo, não sabendo eu se o tal projecto da nova aerogare chegou à sua completa execução. Mais anos volvidos, voltou à baila o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), discutindo-se então, novamente, a sua localização. Então, já havia lobbies. Um dos lobbies defendia a sua localização algures na Ota e outros mantinham a sua implantação na Margem Sul.

Ficou célebre a expressão do ministro de então, Mário Lino, afirmando que o novo aeroporto jamais se localizaria na Margem Sul`: “Na Margem Sul é que ‘jamais’!” afirmou ele pronunciando esta última palavra em francês! E explicou porquê: aquela região era, segundo ele, “um deserto”, “o deserto do Sárá” porque não tinha escolas, não tinha hospitais, não tinha estradas, não tinha comércio, não tinha hotéis… Não sei que Margem Sul ele conhecia, mas aparentemente não seria aquela a que assim chamamos. Ele próprio, passado algum tempo, inverteu a sua posição, talvez por ter finalmente visitado a Margem Sul, talvez por lhe terem dito, entre outras coisas, que as duas pistas previstas para a Ota eram paralelas e, portanto, de limitadíssima expansão, talvez por outra razão qualquer.

A verdade é que uma esmagadora maioria dos técnicos da área, nessa segunda metade do primeiro decénio deste milénio, era defensora de uma solução “Margem Sul”. Decidi ir ver o que havia sobre o assunto e avaliar por mim, os prós e os contras. Não que seja de alguma forma a minha área, mas entendi que, para lá de questões estritamente técnicas, alguma coisa deveria ser perceptível por um mero pagador de impostos.

Assim, consultei muita publicações e estudos (todos disponíveis online), contactei muita gente que sobre o assunto se tinha debruçado, e reflecti sobre os dados que obtive. Entendi, finalmente, que um aeroporto é uma estrutura muito complexa e cara (de que o preço de construção é só um entre muitos custos), que a sua rentabilidade depende de muitíssimos factores, sendo que uma boa parte são externos à própria estrutura aeroportuária.

Assim, formulei o meu próprio juízo e hoje penso que “uma boa solução” só pode ser produto de um bom conjunto de soluções.

Uma premissa fundamental, externa ao aeroporto, será a existência (ou não) de uma linha ferroviária de alta velocidade (TGV) que, passando pelo aeroporto, ligue Lisboa a Madrid (e ao resto da Europa). A não existir TGV, jamais o NAL será mais que um aeroporto regional de Lisboa, onde quer que se situe. É que Madrid, com o Aeroporto de Barajas quase esgotado, poderá vir a utilizar Barcelona e Sevilha como aeroportos de apoio (sendo estas cidades já servidas por TGV).

Portugal, com uma frente de mar invejável perante as Américas do Norte e do Sul, dificilmente ou nunca terá problemas de congestionamento de tráfego aéreo como potencialmente terão todos os aeroportos interiores ao continente, começando por Espanha.

Com o TGV, o NAL perfila-se como uma solução viável e rentável para descongestionar Madrid e, dependendo dos desígnios europeus, da própria Europa (socorrendo-se assim de um meio não poluente, de alto rendimento e capacidade e de velocidade competitiva com o avião). Isto é, ainda, válido para a criação de um centro logístico internacional de mercadorias, ancilar ao NAL, dado que muitas das importações europeias de alto valor utilizam meios aéreos (frutas e outros produtos tropicais de rápida deterioração, etc.). Assim, e se ligado à rede de alta velocidade, até o Aeroporto de Beja poderia funcionar como terminal de carga. Mais, se se potenciar o Porto de Sines, mesmo outro tipo de mercadorias poderia passar a utilizar o TGV ou outros comboios, evitando aos grandes navios porta-contentores o já muito congestionado Canal da Mancha para acesso aos principais portos europeus. Mas isso são outras questões!


Em resumo, em minha opinião, nas condições actuais e previsíveis, o NAL deverá decisivamente situar-se no eixo Lisboa-Madrid e não poderá prescindir do TGV ou de qualquer outra linha de velocidade, sob pena de se reduzir a ser um médio aeroporto regional, à dimensão do país. Creio, por isso, que as propostas que ultimamente têm vindo a público, como Montijo ou até Alverca (utilizando a pista das antigas OGMA) não serão nunca soluções de futuro, correndo-se ainda, dada a previsível subida das águas do Tejo, riscos graves para não dizer insolúveis, para além dos problemas de segurança e bem-estar das populações. A solução Alcochete (ou outra com características e localização semelhantes) será mais cara? Provavelmente será mais que as outras, mas o que faz um investimento caro ou barato é o rendimento que dele se tira e aí creio que as diferenças saltam à vista!

Ou se transforma Portugal numa porta de entrada e saída da Europa, ou o país estará condenado a continuar a ser um pequeno país periférico, cedendo esse lugar de porta à Espanha Atlântica e, no que se refere a mercadorias, também, eventualmente, à França Mediterrânica. Foi isto que então apurei, que me parece ainda válido e que suponho entendível por não especialistas.

Se as premissas estão erradas ou já não são estas, então que explique quem de direito quais são as premissas em jogo e que interesses é preciso salvaguardar, mas deixem-se de jogos palacianos e pouco esclarecedores. Mas digam (e decidam) depressa, porque a Portela já não pode esperar outros cinquenta anos, tal como Portugal não pode deixar de tentar a conquista do lugar a que tem direito na Europa.

Fernando Pinto

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