AO CORRER DA PENA: Republicano

Convictamente e desde que me conheço, entendo-me como republicano. Foi uma escolha consciente que baseei na primeira afirmação contida no Artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. (…)” Esta mais que legítima e óbvia afirmação rejeita liminarmente qualquer forma de discriminação positiva ou negativa pelo nascimento. Uma sociedade que perfilhe o princípio da igualdade de direitos entre os seus cidadãos só pode por isso ser republicana, democrática e tendencialmente igualitária. Esta simples e natural afirmação deita por terra quaisquer veleidades de discriminação pelo nascimento, raiz imediata das monarquias hereditárias. Há outras monarquias menos nocivas como as monarquias electivas (a papal, por exemplo, embora haja outras) mas, mesmo nessas, não vejo qualquer vantagem na inamovibilidade dos eleitos antes da morte. Todo o ser humano (como qualquer outro ser vivo) sofre, com o tempo, uma natural degradação das suas capacidades e tende a perder aptidões, pelo que, além do mais, sujeitá-lo a trabalho ininterrupto até ao seu desaparecimento físico me parece de uma enorme violência. Por outro lado, o poder por longos períodos pode tornar-se um vício ao mesmo tempo que propicia a formação de “capelas” e de grupos de interesses que agem, a coberto desse poder, a favor de si próprios e contra o interesse comum. Recordo aqui a tão famosa quanto verdadeira frase que o católico Lord Acton escreveu numa carta ao Bispo Mandell Creighton, e que subscrevo na íntegra: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus (bad men).” (John Emerich Edward Dalberg-Acton, 1º barão de Acton, em carta de 5 de Abril de 1887). Infere-se que é o poder que transforma os homens de bons em maus e não que eles, originalmente, sejam maus. Acho que todos dispensaremos exemplos do que a “cobertura” do poder e a correspondente impunidade podem proporcionar. Os bancos portugueses, para não ir mais longe, dão-nos exemplos infelizmente mais que bastantes. A credibilidade não pode por isso ser entendida como um bem perene, mas algo que deve permanentemente ser sujeito a escrutínio e prova. Sou por isso contra o exercício do poder por longos e indefinidos períodos e sou igualmente favorável a que os mandatos de poder sejam limitados no tempo e não renováveis. Isto exclui por isso, qualquer forma de monarquia, de poder discricionário e, com maioria de razão, de qualquer privilégio em função do nascimento. Infelizmente, essa é uma tendência natural (pelo menos) da espécie humana: é notória a tendência de homens e mulheres com poder de o tentarem transmitir a filhos por si designados. Recordo personagens tão diferentes (ou talvez não, de acordo com Lord Acton) como José Eduardo dos Santos, que colocou os seus filhos em lugares-chave da economia angolana antes de ele próprio ter de abandonar o poder, Donald Trump que tem colocado filhos, filhas e genros no topo da hierarquia administrativa americana como se fosse coisa sua, ou a dinastia ditatorial dita comunista da Coreia do Norte que, ainda mais explicitamente, tem feito o filho favorito suceder ao pai na “presidência” do país. Isto, para só dar três exemplos. Claro que a imagem subjacente a estes três casos é a da monarquia (que facilitaria tudo…). Escusado será dizer que nestes casos a república foi corrompida e se verifica uma “monarquisação” que, felizmente na maioria dos casos, se resolverá com a próxima eleição, como o prova o que está agora a acontecer em Angola, onde se assiste à destituição dos nomeados familiares dos lugares que ocupavam. Mais remota é a hipótese de tal se verificar de motu próprio na Coreia do Norte onde vemos uma dinastia monárquica absolutista mascarada de república. Não nego, portanto, a existência de desvios (e graves) nas repúblicas mas parece-me que será sempre mais remediável que uma monarquia, onde a sucessão é irremediável e automaticamente aquela e não outra. Em sociedades complexas como a nossa, já não há lugar a conselhos de “homens bons” como os que, antigamente, geriam as pequenas comunidades e que ainda hoje, embora raramente, encontramos um pouco por todo o Mundo (por exemplo, os “homi grandi” nalgumas tabancas da Guiné-Bissau). Apesar de serem mais baseadas na nomeação directa e menos no voto explícito, estas “entidades gestoras” funcionavam e funcionam geralmente muito bem. Trata-se do reconhecimento da sabedoria da idade (“a idade é um posto”), e da capacidade de desempenho dos elementos escolhidos. De notar que tais entidades são sempre colegiais e o poder nunca é pessoalizado, não vá haver tentações… É por tudo isto que sou convictamente republicano e não consigo conceber que uma monarquia hereditária possa ser qualificada de democrática. Uma monarquia democrática implicará necessariamente a total falta de poder do rei (ou da rainha) enquanto tal e então, para que serve? Se não serve para nada, então, porque se gasta esse dinheiro e se assume essa desigualdade? Parece que só as revistas cor-de-rosa têm a lucrar com estas monarquias, explorando as fantasias dos que (ainda) gostam das miríficas histórias de príncipes e princesas que nos foram instiladas na infância. É por isso que eu prefiro a dignidade e a verdade da república!

Fernando Pinto
*[email protected]

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