Apoios à fixação esquecem interior mas ajudam litoral

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Os estímulos à fixação de pessoas no interior do País recentemente anunciados pelo primeiro-ministro podem ter – pelo menos aparentemente – um efeito perverso. De acordo com os autarcas algarvios, em sede de AMAL, aqueles incentivos podem não beneficiar povoações e zonas do território algarvio indubitavelmente rurais e de baixa densidade populacional.
É o caso de dois terços do concelho de São Brás de Alportel. Por outro lado, constata-se, os referidos apoios beneficiarão zonas balneares algarvias, de veraneio ou fixação de segundas habitações. É o caso de Altura, no concelho de Castro Marim

Em causa está o anúncio de António Costa de que o Estado vai abrir os cordões à bolsa para atrair pessoas para o interior e dar até quase 5 mil euros aos trabalhadores que decidam deixar o litoral para se fixarem nos territórios de baixa densidade. De acordo com o programa “Trabalhar no Interior”, anunciado no início deste mês em Bragança, quem decidir trabalhar no interior pode contar, à partida, com uma ajuda base de 2.600 euros, podendo atingir o máximo de 4.827 euros, se contarmos com as despesas de instalação e transporte e houver um número “gordo” de membros do agregado familiar.

Além desses incentivos, está prevista também a comparticipação, durante três anos, no salário dos trabalhadores para empresas do interior que criem novos postos de trabalho, no âmbito de um novo aviso “+ Coesão Emprego”, um programa gerido pelo Ministério da Coesão Territorial que apoia o pagamento de salários por parte de empresas que contratem no interior.

No Algarve, a chamada “baixa densidade” (ou mapa do interior) abrange todo o território ocupado pelos concelhos de Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Monchique e Vila do Bispo. Além disso, em concelhos de “alta densidade”, excetuam-se as freguesias de Alte, Ameixial, Salir e UF de Querença, Tôr e Benafim (concelho de Loulé), São Marcos da Serra (Silves), Cachopo e Santa Catarina da Fonte do Bispo (Tavira).

O único concelho algarvio com uma única freguesia, São Brás de Alportel, considera-se prejudicado por aquele mapa, que não define qualquer parcela do seu território como sendo de “baixa densidade”.

“É altamente injusto São Brás não poder beneficiar destes apoios, pelas características sociais e demográficas do território que temos. O problema é que, quando foram estipulados os critérios para a baixa densidade, foram atribuídos às freguesias. Temos só uma e coincide com a área total do concelho”, queixa-se Vítor Guerreiro, presidente do município de São Brás de Alportel.

Vítor Guerreiro, presidente da câmara municipal de S. Brás Alportel

Daqui a 20 anos quem é que vive em Parizes?
O autarca calcula que, em “baixa densidade” se encontram 65% do território do concelho, ocupando a zona urbana os restantes 35%, o que corresponde à malha urbana da vila e às aldeias que a rodeiam. Há, no seu entender, “dois terços de injustiça” no mapa que norteará os benefícios para quem se quiser fixar no interior.

“No que respeita a estes 35% até temos aumentado a população. Mas em 65% do território do nosso concelho, para Norte da vila, estão povoações como Parizes, Cabeça do Velho, Monte Capitães, Javali, Cova da Muda, onde por muito que a câmara tenha investido, há só pessoas com mais de 70 anos. Daqui a 20 anos quem é que lá vive?”, questiona o autarca.

Vítor Guerreiro lamenta que, para efeitos destes apoios, as freguesias não possam ser segmentadas, mas recusa a hipótese de criação de uma nova freguesia, de limites coincidentes com a “baixa densidade” do seu concelho: “Numa altura em que o Governo prossegue uma política de diminuição do número de freguesias, não faz sentido eu estar a solicitar a criação de uma nova freguesia só para poder beneficiar desta majoração de fundos comunitários e incentivos à fixação de população”, enuncia.

Guerreiro, que há dias recebeu a solidariedade unânime, embora informal, dos seus colegas da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) nesta questão. Afinal, conforme destaca, “não se compreende que se eu tiver uma empresa que queira valorizar os produtos endógenos, o mel, os enchidos, no interior do nosso concelho, não tenho direito a uma majoração, os incentivos que a freguesia de Santa Catarina, ou Querença, ou Altura têm, só porque são freguesias”, compara.

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António Pina, presidente da AMAL (e da câmara de Olhão), dá razão a Vítor Guerreiro: “Ele apresentou essa questão verbalmente e foi-lhe pedido que a formalizasse para que a AMAL estudasse uma posição conjunta e uma proposta concreta de alteração do regulamento. Parece-nos a todos pouco razoável que São Brás não seja considerado território de baixa densidade. Compreendemos que os critérios quando são feitos o são para um todo. Mas também o que é nacional não se altera para São Brás, mas sim para o País. E é nesse sentido que tentaremos construir um conjunto de outros critérios que tentem ser mais justos, de forma a que territórios como São Brás não fiquem de fora.

Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial

Os mapas não se podem mudar todos os dias
Compete agora ao Ministério da Coesão Territorial (MCT) uma palavra final sobre o assunto. No início da passada semana, o autarca de São Brás pediu uma reunião com a nova ministra, Ana Abrunhosa, que ainda não respondeu.

Contudo, a tomada de decisão pode ser mais complexa do que parece, a avaliar pela resposta daquela Ministério às questões colocadas, por escrito, pelo JA.

O Ministério destaca que o mapa em questão foi acolhido pelo Governo mediante proposta da Associação Nacional de Municípios, depois de aprovada por 90% desses municípios, e classificou 165 municípios e 73 freguesias como territórios do Interior.

“Acresce que esta mesma delimitação foi adotada pela Comissão Interministerial de Coordenação do Portugal 2020 (CIC) para efeitos de aplicação de medidas de diferenciação positiva, no âmbito do Acordo de Parceria e respetivos Programas Operacionais, constituindo-se como uma boa base para aplicação de medidas de natureza financeira e económica, entre outras. O mapa delimita os territórios do Interior, sendo este Interior um conceito socioeconómico e não geográfico, e serve de base às estratégias e medidas atuais do Ministério da Coesão Territorial. É, aliás, o mapa que continua a ser defendido pela Associação Nacional de Municípios Portugueses. Se queremos políticas territoriais sustentáveis e duradouras, é fundamental termos uma base de trabalho estável. Como tal, não há alterações previstas a curto prazo”.

Contudo, o MCT ressalva que, sem prejuízo dessa inamovibilidade do mapa, “poderá haver – em determinados momentos e circunstâncias – concursos a fundos europeus pensados e abertos especificamente para determinados territórios. Isto porque faz sentido tratar de forma diferente o que é, de facto, diferente”.

O Ministério sublinha que o mapa que serve de base aos estímulos para o interior não se baseia unicamente na densidade demográfica. Trata-se, antes, “do conjunto de indicadores selecionados, que consideram a densidade populacional, a demografia, o povoamento, as características físicas do território, as características socioeconómicas e as acessibilidades, pretendeu representar as várias dimensões que exercem influência particularmente relevante no desenvolvimento territorial das comunidades, e que importava quantificar de forma objetiva”.

A freguesia litorânea “sem Altura” para ser do litoral
O órgão governamental sustenta que, para a delimitação do mapa, contaram seis indicadores, sendo o mais importante o que se relaciona com a densidade populacional, que pesa 50%. Depois, com um peso relativo de 10%, entram cinco outros indicadores: o perfil territorial, que analisa questões como o uso do solo; o perfil demográfico que atende a fatores como a variação populacional ou o peso dos idosos e dos jovens na pirâmide demográfica; o perfil povoamento, que observa as percentagens da população rural e urbana; o perfil socio-económico, que atende a critérios como o rendimento médio mensal ou o peso da população com o terceiro ciclo do ensino básico; e por último o perfil acessibilidade que considera as condições de acesso à sede do concelho, à capital do distrito ou à capital regional.

Além da referência explícita à interioridade na resposta escrita do Ministério ao JA, fonte do MCT apelidou o mapa em causa como “do interior”, em conversa com o JA: “Não temos freguesias de alta e baixa densidade, mas do interior. A baixa densidade é apenas um dos critérios. O mapa do interior define quais são as regiões que são beneficiadas por certos tipos de apoios.

Em contracorrente, o próprio “mapa do interior” demite-se de ser exclusivo dessa interioridade, ao admitir no seu seio territórios confinantes com o mar. É o caso das freguesias de Altura e de Castro Marim, ambas do concelho de Castro Marim (que inclui as praias Verde e Retur), a primeira das quais é exclusivamente litorânea.

Mesmo que fisicamente estejam longe da interioridade algarvia, ambas aquelas freguesias constam do mapa e, portanto, têm direito aos apoios anunciados por António Costa. No entender da Câmara de Castro Marim, acertadamente.

Castro Marim solidário com São Brás
“As pessoas têm ideia que esta medida é um apoio à interioridade. Mas é um apoio, sobretudo, à coesão territorial. Vamos imaginar que não tínhamos gente no Azinhal. Mas se tivermos uma dinâmica empresarial para criar emprego só em Altura se calhar éramos um concelho mais rico. Mas mesmo assim não temos! Não temos em Altura uma rede de infraestruturas, uma ferrovia, rede de transportes públicos. Estamos distantes. Dependemos de um tecido empresarial que não existe cá”, disse ao JA, a propósito, a vice-presidente da autarquia, Filomena Sintra.

Sublinhando que o concelho, no seu todo, sempre foi considerado um território de baixa densidade (por exemplo no Programa Leader), Filomena Sintra opõe-se à ideia de que “é litoral, há pessoas, há riqueza”.
“Mas não há dinâmica empresarial ali. A riqueza mede-se através do indicador da produtividade. Lá porque está na frente de mar, temos muita segunda habitação mas não temos uma dinâmica empresarial que se distinga”, advoga.

Observa que o concelho de Castro Marim, no seu todo, tem sido penalizado desde 2007, precisamente devido à confinação com o mar: “É-lhe retirado 5% das transferências por ter muita segunda habitação e por termos muito imposto capitado por habitante. Temos poucos habitantes e dos que tem mais segunda habitação. O Estado tem-nos cortado cumulativamente essas transferências desde 2007”, lamenta, apontando estes benefícios agora anunciados como “uma oportunidade” na reposição de justiça.

Manifestando-se solidária “com quem analisa os indicadores de São Brás”, ressalva que aquele concelho “está a 15 minutos do grande centro”, ao contrário das freguesias castromarinenses.

João Prudêncio

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