Argentina lança guerra comercial ao Reino Unido

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Port Stanley é a capital das Ilhas Malvinas (Ilhas Falklands para os britânicos)

Para pressionar Londres a negociar a soberania das ilhas Malvinas (Falkland para os ingleses), a Argentina começa a boicotar produtos ingleses e quer envolver toda a América do Sul numa negociação com a União Europeia

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Na mesma semana em que o seu Governo pediu aos empresários que não importassem mais produtos ingleses e que dois navios britânicos com turistas foram proibidos de atracar em território argentino, a Presidente Cristina Kirchner deu uma guinada na sua estratégia de isolar os habitantes das ilhas: anunciou que quer negociar com a Grã-Bretanha uma rota aérea Buenos Aires-Malvinas três vezes por semana, através da empresa estatal Aerolineas Argentinas.

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“Queremos demonstrar que nos interessa que se cumpram as resoluções das Nações Unidas e que não queremos prejudicar nenhuma comunidade, mas não podemos permitir colonialismo”, explicou Cristina Kirchner em referência às resoluções da ONU, organismo que desde 1964 incentiva as duas partes a negociarem.

A partir dos acordos assinados em julho de 1999 entre Argentina e Grã-Bretanha, foi estabelecido um voo semanal que une a cidade chilena de Punta Arenas com as Malvinas, através da companhia chilena LAN. Forçosamente, o voo precisa de atravessar o espaço aéreo argentino e de ter, portanto, autorização do Governo Kirchner. Duas vezes por mês, o voo faz também escala na cidade argentina de Rio Gallegos. A rota, a única entre todos os países da região, é fundamental para o abastecimento das ilhas.

Gestos de boa vontade

Em setembro do ano passado, numa assembleia geral da ONU, Cristina Kirchner tinha dado um prazo “razoável” para a Inglaterra sentar-se à mesa e negociar a soberania do arquipélago ocupado pelos britânicos em 1833. Caso contrário, a Presidente “seria obrigada a rever os entendimentos vigentes”. Desde então, os habitantes das ilhas temem o pior.

“Eu disse que íamos suspender o voo porque, na verdade, estávamos muito cansados, muito humilhados. Humilhação perante a negativa teimosia, incompreensível, de o Reino Unido não se sentar a discutir o que as Nações Unidas obrigam”, relembrou Cristina Kirchner.

Segundo fontes do Governo argentino ouvidas pelo Expresso, o anúncio visa não gerar antipatia nos habitantes das ilhas, criar pontes, a partir de gestos de boa vontade, para uma negociação mais alargada com o Reino Unido e não dar argumentos ao opositor, nas Nações Unidas, sobre supostos gestos hostis da Argentina para asfixiar uma comunidade.

Ao mesmo tempo, ao estabelecer uma rota direta às Malvinas através de uma companhia estatal, a Argentina integra as duas regiões no que tacitamente pode ser encarado como a conformação do seu território. “Para a Argentina, esse voo seria interpretado como um voo doméstico. Provavelmente, do lado argentino, nem se pediria passaporte”, prevê uma fonte.

Reação britânica

Em resposta, num comunicado o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico deixa claro que não pretende mudanças e que qualquer discussão sobre os voos deve ser considerada pelo Governo Regonal das Falklands. “Esperamos que a Argentina honre os seus compromissos sob o acordo de 1999”, porque “seria profundamente dececionante e completamente injustificável que a Argentina pressionasse para suspender esse voo”.

“A política atual de Kirchner de isolar e impor condições aos ilhéus – de hostilidades contra os navios de pesca até ao bloqueio de portos – é indefensável e não terá sucesso”, conclui a nota britânica.

O governador do arquipélago, Nigel Haywood, já descartou a proposta de voos direto desde Buenos Aires. “Em tempos de atos hostis da Argentina, não vejo por que deveríamos ver esta oferta com algum grau de entusiasmo”. Em reforço desta posição, também o presidente da Assembleia Legislativa das ilhas, Roger Edwards, disse que “os voos de Buenos Aires são tão prováveis quanto a Falkland Air Service (companhia aérea de voos entre as ilhas) aterrar na Lua”.

Mudança de estratégia

A estratégia de apertar o cerco económico às Ilhas Malvinas para forçar um diálogo sobre a soberania do arquipélago dá lugar a uma tentativa de aproximação. Caso a proposta argentina seja rejeitada e a atual rota pelo Chile seja cancelada pela Presidente Kirchner, a Argentina não poderia ser necessariamente acusada de sufocar os habitantes das ilhas. A jogada coloca a Inglaterra contra as cordas.

“Finalmente, uma medida inteligente quanto às Malvinas porque aproxima e não distancia. O problema são todas as medidas anteriores na direção contrária. Se pensamos que com as outras medidas vamos recuperar as Malvinas, erramos. A contradição está na génese do kirchnerismo”, avali< o analista político Nelson Castro.

No mesmo anúncio, Cristina Kirchner também deu uma pista de que, enquanto preserva os habitantes das ilhas de um cerco, vai atacar as empresas que se relacionarem com as Malvinas e tiverem relação também com a Argentina.

“Vamos enviar cartas aos mercados bolsistas sobre todas as empresas que depredam os nossos recursos (naturais) nas Malvinas, epícolas e petrolíferos. E a todas as empresas que, de algum modo, ou financiam ou têm algum grau de participação (nessas explorações), informando-as sobre o litígio em questão”, antecipou Kirchner.

Manual kirchnerista

Numa prática intimidatória, o Governo Kirchner costuma usar desde as Finanças até restrições às importações para perseguir adversários. São decisões sem medidas ou resoluções formais. Todos os métodos de pressão são válidos no manual kirchnerista de enquadrar aqueles que ousam desobedecer.

A tensão diplomática começou há dois anos, quando o Reino Unido iniciou as atividades de prospeção de petróleo nas ilhas. E aumenta à medida que se aproxima o dia 2 de abril, data que marca os 30 anos da guerra iniciada pela Argentina mas ganha pela Grã-Bretanha, num conflito bélico que deixou vítimas mortais por todos os lados: 255 soldados ingleses, 649 argentinos e três habitantes das ilhas.

Márcio Resende (JA/Rede Expresso)

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