Arte urbana é atração turística mundial

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Não devem existir muitas ruas em Olhão sem a assinatura de Sen. Ao longo dos anos, desde a sua infância, a paixão pela arte urbana leva-o todos os dias a locais que acabam sempre por ficar mais coloridos, graças aos seus graffitis. O resultado está espalhado pela cidade de Olhão e foi radical: hoje a cidade é considerada a Capital do Graffiti e passou a constituir uma atração turística daquela arte urbana. Sen faz do graffitti a sua única ocupação e vive dela, mesmo sem quaisquer apoios da autarquia que gere o território que embeleza

Quem já atravessou Olhão pela Estrada Nacional 125 certamente reparou em duas obras de arte: os graffitis na Vivenda Vitória ou os índios presentes na fachada de um bairro social. Estes são alguns dos trabalhos mais reconhecidos do artista olhanense Dário Silva, mais conhecido como Sen, que já percorreram o mundo e atraem turistas diariamente.

Viver para pintar

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“Sou muito hiperativo a pintar e faço-o a toda a hora. Pinto na rua, em qualquer sitio”, confessou Sen ao JA, enquanto agitava mais uma lata de spray para continuar o seu quarto dia de trabalho de graffiti no muro do Instituto D. Francisco Gomes, na Casa dos Rapazes, em Faro.


A sua paixão por esta arte começou na infância. Por influência do seu primo e dos amigos, na escola, os seus cadernos estavam repletos de letras e desenhos com os nomes de bandas, além de caveiras, “tudo sem pensar que um dia iria fazer graffitis”, confessou ao JA.


Os seus colegas, naquela altura, jogavam videojogos em consolas como a Nintendo 64, mas Dário preferia um papel e uma caneta: “Eu já estava um bocado mais a frente”, pensava.


A primeira experiência com uma lata de spray começou quando decidiu pintar a sua “bike”.


“Comecei a pintar a minha bicicleta a spray todas as semanas de uma cor diferente. Pouco tempo depois começo a ir ao skate park de Tavira com a minha mãe, aos fins-de-semana. A minha tábua de skate também era sempre pintada por mim, com letras a dizer ‘sk8’, porque vi na altura o filme “Os loucos do skate”, repetitivamente. Andava de skate, mas envolvia a arte pelo meio, sem nunca ter visto um graffiti ao vivo na vida”, confessou o artista ao JA, enquanto continua a dar cor ao muro branco.

O primeiro graffiti

Após mais de 10 pinturas de cores diferentes na sua bicicleta, um dia sobraram-lhe latas, dirigiu-se a uma parede e escreveu o seu nome. Foi este o seu primeiro graffiti.


No entanto, só tinha visto graffitis no filme, que via repetitivamente em casa porque a sua mãe não o deixava sair e “tinha um bairro social ao lado”. “Era uma grande frustração ter muitas ideias e não poder aplica-las”, confessa.


O seu pai, pintor de profissão, trabalhava em várias obras em localidades como Faro, Albufeira, Quarteira ou Vilamoura e no verão Dário ajudava o seu progenitor.


“Quando ia na estrada e comecei a ver graffitis pensei: isto existe mesmo. Afinal isto não se faz só no papel e não existe apenas na América e nos filmes”, relata.


No ano 2000, juntamente com um amigo, começou a comprar latas de spray nas drogarias. “A minha mãe dava-me dinheiro para comprar comida na escola e eu comecei a juntar, pedindo até a colegas, conseguindo assim arrecadar 2,5 euros por dia”, revelou Sen ao JA.


Juntamente com um amigo, decide um dia ir a Faro de comboio porque “havia rumores que lá havia muitos graffitis, com artistas profissionais a pintar” e comprou a primeira lata de graffiti numa loja especializada.


“A lata durou-nos a tarde toda e a partir daí fazia sempre o mesmo: juntava dinheiro e ia a Faro comprar mais latas”, confessou.

A fazer graffitis diariamente

De repente, Dário começa a fazer graffitis todos os dias, com a luz do sol, porque a sua mãe não o deixava sair à noite.


“Comecei a pintar de dia porque gostava daquilo e não sabia que era proibido. Tinha apenas uma ideia porque já tinha ouvido falar na televisão. Pintava de dia em sítios difíceis e não se passava nada. Como era uma novidade em Olhão, a policia às vezes não vinha”, relata o artista algarvio.


Quando não tinha latas e queria pintar, havia outra maneira de o conseguir fazer, roubando tinta ao seu próprio pai: “Roubava lhe sempre tinta que ele tinha no carro, ou às vezes pedia-lhe, ele dizia que não tinha. Mas depois eu ia lá e descobria sempre tinta”, disse Sen ao JA.


Na adolescência, pintava na rua em sítios proibidos, “mas que não prejudicassem”, até a polícia chegar, com os agentes a chamar o artista à atenção e “outras vezes não ligavam” ou levavam Sen para a esquadra.


No entanto, “quando era paredes melhores, no centro da cidade, pedia autorização às pessoas. Muitos diziam que não, mas outros diziam que sim” e, assim, Sen começou a conhecer os sítios e a respeitar as pessoas: “Se só me deixam pintar ali, só vou pintar ali”, salienta.


A noite era quando tinha mais tempo livre, mas era quando não podia sair de casa. Então um dia decidiu fugir pela janela, depois da sua mãe adormecer. Mas o pior aconteceu: “Fui apanhado por uma vizinha, que pensou que eu estava com problemas em casa e estava a fugir”, contou o artista, adiantando ainda que quando chegou a casa fingiu-se de sonâmbulo e disse “que o supermercado estava fechado”.


Para começar a pintar à noite, Dário Silva aproveitava as festas de anos dos amigos e “guardava sempre uma hora para ir pintar”. A seguir, começou a ver que a nova tática funcionava e começou a mentir, dizendo “que tinha festas de anos quase todos os dias”.


Mas já com 16 anos, foi-lhe dada alguma liberdade para sair à noite, quando dizia que ia a festas, até que chegou a uma altura em que os pais já não diziam nada e “chegava à hora que queria”.


Na sua adolescência, Sen chegou a roubar tintas das obras à noite, uma atitude que hoje considera perigosa mas era algo que o artista “corria sempre o risco porque queria pintar”. Por outro lado, como a vontade de pintar é maior, Dário pede sobras de tinta aos pintores.


“Quando vou a uma drogaria e estão lá pintores digo-lhes sempre que faço graffitis e que sou viciado. Assim, uso os restos que eles não utilizam e que acham que é lixo, e faço arte com o lixo dos outros”, revela.


O seu nome artístico, Sen, surgiu na loja em Faro onde comprava as latas. “Numa faz primeiras vezes que lá fui, comprei também uma revista de graffiti. Nas últimas páginas, havia uma pessoa que escrevia Seen e gostei muito das letras. Tirei o ‘E’, porque no graffiti não se pode copiar e ficou Sen. Às vezes até penso: se o meu nome é Dário, porque é que escrevo isto todos os dias?”, revela o artista, a rir.

Graffiti no Bairro dos Índios, em Olhão, junto à EN 125

“Gostava que tivessem mais respeito por mim”

Hoje em dia, Sen é contratado por Câmara Municipais e outras entidades, mas os seus primeiros clientes eram pessoas que simplesmente estavam a passar enquanto o artista pintava, de dia. “Desenha aqui no capot o símbolo do Farense”, gritam de um carro, quando vêm Sen a pintar o muro da Casa dos Rapazes.


Segundo contou o artista, isto acontece todos os dias enquanto pinta. As pessoas passam, fazem perguntas, elogios e às vezes até acaba por surgir um novo trabalho.


“Como pinto de dia, as pessoas ficam a saber quem é que também o faz de madrugada e aparecem a perguntar se não posso perguntar o quarto do filho, por exemplo”, revelou Sen ao JA.


Apesar de já ter tido vários trabalhados com diversas Câmaras Municipais, Sen sente pouco apoio por parte da autarquia de Olhão: “A autarquia da minha cidade às vezes não me apoia como eu gostaria. Olhão é a capital do graffiti do mundo e é pintada por mim. Há mais pessoas a pintar, mas fui eu que comecei em Olhão”, confessa.


Entretanto, Sen pintou a parede do prédio daquele bairro social, um dos locais mais aclamados para os amantes de arte urbana que visitam Olhão.


”Decidi mesmo que tinha de pintar ali e o sítio era perfeito”, revelou.


Mais recentemente, segundo o artista, informações vindas da Câmara Municipal referem que há intenções de apagar aquele desenho, tão querido por muitos, mas “as pessoas mais velhas daquele bairro dizem que não são índios”.


Isto tudo acontece “depois de fotografias daquele desenho aparecerem até em publicações internacionais” e a autarquia parece que pretende “apagar aquilo e fazer outro desenho que não incomode tanto as pessoas”.


No entanto, na opinião de Sen, as pessoas não têm de se sentir ofendidas e esse não foi o propósito daquele graffiti, que inicialmente foi criticado, mas que no fim “bateram palmas”.


“Eles não são rotulados como índios, mas todas as pessoas sabem que ali é o Bairro dos Índios, com desenho ou sem desenho. A população que vive ali não é má. Mas quando eu era mais pequeno, havia histórias e tínhamos medo de quem vivia ali. No entanto, todos crescem e ali vivem pessoas normais. Simplesmente o bairro está rotulado com aquele nome. Agora sou amigo de muitas pessoas que ali vivem, andaram comigo na escola e já pintei aquele bairro muitas vezes. Agora, muitos dizem que ninguém vai apagar aquele desenho, venha a polícia ou a Câmara”, confessou.


Alguns habitantes de Olhão dizem que Sen é “irreverente”, que pinta sem regras e que é “o maior vândalo da cidade”. “O que é estranho”, revela o artista, “porque tens turistas que vão de propósito a Olhão para ver e fotografar” os graffitis. “Isso atrai turismo e movimenta os restaurantes. Por isso gostava que tivessem mais respeito por mim”, salienta.

Vivenda Vitória

Vivenda Vitória ganhou uma nova cara

A Vivenda Vitória, localizada junto à Estrada Nacional 125, em Olhão, esteve durante décadas ao abandono. Quem por lá passava, tinha pena daquele edifício belo, que contrasta com a modernidade dos prédios ao seu redor.


Sen já pintada a vivenda de forma proibida, mas “sempre coisas em escala pequena, porque não tinha grua. No entanto pensava: “um dia tenho de conseguir pintar aquilo, porque tem um design diferente”.


Ao início, a Câmara Municipal de Olhão não queria autorizar “porque a oposição não estava de acordo e todos diziam que eu era maluco por querer pintar aquilo”.


Passado algum tempo autorizaram, mas Sen pensou “que as pessoas não iam gostar”. O resultado foi precisamente o contrário.


“Assim que acabei o trabalho, com os meus colegas, começaram a chover fotografias. Todos os dias há fotos novas daquele sítio, em todo o mundo. Já tive muitos trabalhos porque as pessoas viram aquilo e decidiram falar comigo”, revela.

Sonhos por concretizar

Além de pintar todos os dias, Sen tem objetivos ainda a ser cumpridos na sua carreira artística. “Um dos meus sonhos é que me dessem uma grua uma ou duas vezes por mês, para pintar paredes grandes. A resposta por parte da autarquia é sempre negativa e tenho de ir ter com construtores de empresas privadas, pedindo a grua emprestada em troca do desenho do logotipo da empresa em cima”, aduz Sen ao JA.


Quando Sen pinta em Lisboa, em prédios ou em eventos, “até disponibilizam uma pessoa para conduzir a grua”. “Não é justo”, confessa, pois “há outras localidades que não são cidades de graffiti e têm festivais com gruas e eu, que sou de Olhão, pinto a cidade todos os dias e as paredes velhas que o município não pinta, não recebo apoio”.


Outro dos sonhos de Sen era a disponibilização de um espaço “para fazer uma galeria e um estúdio. Podia-se ganhar dinheiro através de entradas ou de visitas guiadas. Mas dizem sempre que não têm o espaço”.


Nos últimos anos já teve algumas exposições, mas o seu objetivo é “ter um espaço que possa lá trabalhar em cenas grandes e industriais, com mais artistas, num coletivo, onde toda a gente tem a chave e vai lá pintar como quiser”.

Mudar o estereótipo do graffiti

O graffiti está ainda muito associado ao crime. No entanto, Sen quer mudar essa ideia. “Tento só pintar em sítios que não me prejudicam, apesar de gostar de pintar em sítios proibidos”, confessa.


Em relação aos tags, as assinaturas que vemos espalhadas em várias cidades, também são considerados como graffitis.
“Eu agora sei onde faço os tags, antes não sabia. Antes, se calhar, chegava aqui e fazia um tag no muro da pessoa. De certeza que eu já fiz isso. Agora já o fazia no lancil porque sei que não vai incomodar”, refere.


A maturidade e o crescimento também fazem com que sejam tomadas estas decisões e opiniões: “Um tag numa parede branca, que foi pintada pelo dono da casa e nem sabes se a pessoa gastou, ou não, muito dinheiro, ou até ser pobre” é algo que Sen já não faz.


Apesar das suas pinturas serem, na maior parte, feitas durante o dia, o artista ainda gosta de fazer graffitis em sítios proibidos. “Eu faço porque se for apanhado, as consequências são para mim”, confessa.


Os comboios são, muitas vezes, as telas dos artistas de rua. Segundo Sen, “as pessoas quando vêm um comboio pintado, pensam que nós vamos lá pintar porque somos reivindicadores, ou do Estado Islâmico. Pensam que tapamos os vidros apenas para irritá-los, mas se fosse autorizado, se calhar, nem pintava. E no fundo, só queremos ter a foto do comboio a andar pintado”.


Quem ouve Sen falar, consegue perceber que pinta com gosto e paixão. “Gosto de pintar paredes diferentes, com azulejos, madeira ou alguma que esteja mais velha para que quando eu pintar, a tinta sobressair”, revelou.


Pintar é o que mais gosta, mas os pedidos dos clientes nem sempre o satisfazem. “Quando me contratam para fazer bonecos, não gosto muito. Apenas o faço para ganhar dinheiro. Eu quero é mesmo fazer o meu estilo, pois ao teres liberdade criativa, acordas feliz”, disse o artista ao JA.


“Eu só pinto por este momento”, revela Sen enquanto abana a lata de spray e faz mais pinturas no muro da Casa dos Rapazes. “Só quero estar a pintar. Depois como tiro fotografia do graffiti no final, não quero saber se depois foi destruído ou pintado por cima. É uma coisa estranha, porque gasto muito dinheiro nisto e já podia ter três BMWs. É um vício, tal como o tabaco”, revela.
Esse vício transforma o pensamento de Sen, que consegue viver do graffiti, apesar de, por vezes, ter algumas dificuldades. “Eu só penso que quero fazer mais um graffiti, todos os dias”, confessa.


No entanto, “a polícia ainda aparece muito”. Já habituado à presença de agentes da autoridade, Sen diz sempre que “se quiser passem a multa” ou que apaga o desenho que está a fazer.


“Quero que as pessoas percebam que fazer graffitis não significa que eu seja um vândalo. Há tanto stress no dia-a-dia que ver um graffiti não faz mal nenhum. Pintar uma parede é igual a pintar uma tele”, conclui.

Gonçalo Dourado

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