As 48 horas fatais de José Sócrates

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O rumor intensificou-se na manhã da última sexta-feira. O Ministério Público (MP) apertava o cerco a José Sócrates e preparava-se para prendê-lo. E o ex-primeiro-ministro só evitara a prisão porque na quinta-feira tinha adiado à última hora o voo de regresso de Paris, onde tem uma casa desde que decidiu tirar um ano sabático para estudar filosofia depois de perder as eleições de 2011.

À noite, o rumor transformou-se num facto. José Sócrates apanhou um voo nocturno da Aïr France e foi detido ainda na manga do avião, assim que aterrou em Lisboa. O rumor tinha chegado a alguns órgãos de comunicação social e Sócrates foi filmado quando saía do aeroporto por uma porta lateral destinada a veículos oficiais. O MP suspeita que o próprio Sócrates saberia que ia ser detido, o que não custa muito a crer tendo em conta que na quinta-feira as autoridades tinham detido o seu motorista João Perna, o amigo de infância Carlos Santos Silva e o advogado Gonçalo Ferreira.

Um automóvel conduzido por agentes tributários de Braga, que trabalham com o procurador Rosário Teixeira há mais de dez anos, dirigiu-se do aeroporto para o Departamento Central de Investigação e Acão Penal, no centro de Lisboa. Transportava Sócrates, que foi identificado e informado das suspeitas que recaíam sobre si. Foi filmado pela “Correio da Manhã TV” quando saiu do edifício em direção aos calabouços da PSP, onde iria ficar preso com suspeitos de delito comum, como condutores apanhados com álcool ou em pessoas envolvidas em desacatos. Sócrates teve direito a uma cela individual.

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DEPOIS DA NOITE NA CADEIA, JOSÉ SÓCRATES FOI PARA CASA. NÃO EM LIBERDADE MAS PARA ACOMPANHAR UMA BUSCA À SUA PRÓPRIA RESIDÊNCIA

Era o fim de suspeitas que se arrastam há anos. À terceira, depois dos casos Cova da Beira e Freeport, onde Sócrates nunca foi arguido e muito menos formalmente acusado do que quer que fosse, o MP conseguia construir um caso contra o antigo primeiro-ministro. Desta vez, a investigação começou com uma denúncia de um banco, que será a Caixa Geral de Depósitos, ao abrigo da lei antibranqueamento de capitais. Em causa estão portanto transferências suspeitas “ilegais” e “não justificadas” de dinheiro, como explica o comunicado que a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou duas horas depois da detenção do antigo secretário-geral do Partido Socialista. O Expresso sabe que a aquisição da casa de Paris, um apartamento avaliado em três milhões de euros no quarteirão de Passy, é um dos factos que o Ministério Público quer esclarecer. De onde veio o dinheiro? Quem é que pagou?

Quando a revista Sábado publicou as primeiras suspeitas, em agosto deste ano, Sócrates explicou que pediu um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos para “poder viver um ano sem trabalhar” e garantiu que nunca fez transferências para o estrangeiro porque “nunca” teve capital. A notícia sobre as suspeitas do MP era “uma canalhice”, disse o ex-primeiro-ministro. Mas não.

Depois da noite na cadeia, José Sócrates foi para casa. Não em liberdade mas para acompanhar os investigadores da Autoridade Tributária numa busca. E ao início da tarde de sábado era finalmente conduzido ao Tribunal Central de Instrução Criminal, onde iria ser ouvido por Carlos Alexandre. O homem que foi eleito primeiro-ministro por duas vezes – e uma delas com maioria absoluta – não tinha um único apoiante à sua espera – excetuando um grupo de dez militantes do Partido Nacional Renovador, que abriu uma garrafa de champanhe e gritou alguns insultos à passagem do carro onde Sócrates seguia sentado no banco de trás. O antigo chefe de Governo nunca olhou para as câmaras.

A imagem correu mundo e a detenção de Sócrates foi notícia em todo o lado. O dia acabou sem que o arguido chegasse a ser ouvido por Carlos Alexandre, que se dedicou a interrogar os outros três detidos na operação: Carlos Santos Silva, Gonçalo Ferreira e João Perna, o motorista particular de Sócrates que conduzia o Mercedes onde o ex-primeiro-ministro se desloca nos últimos tempos. Sócrates foi novamente conduzido aos calabouços da PSP, onde passou a segunda noite detido.

Mas foi uma noite curta. Eram 8h37 de domingo e já estava de regresso ao Campus da Justiça, a bordo de um carro da PSP, para enfrentar uma longa sessão de interrogatório. A chegada foi captada pelos fotojornalistas que têm estado de plantão à entrada da garagem do edifício onde funciona o Tribunal Central de Instrução Criminal.

UMA DAS DÚVIDAS DESTE PROCESSO-CRIME É SE O CRIME DE CORRUPÇÃO DE QUE OS ARGUIDOS ESTÃO INDICIADOS FARÁ RESSUSCITAR O CASO FREEPORT

Ao longo do dia, só o seu advogado se fez mostrar à imprensa. João Araújo, que se ausentou apenas durante um quarto de hora para comprar o almoço num supermercado situado junto ao Campus da Justiça, recusou-se de resto a prestar qualquer esclarecimento aos jornalistas.

Às 16h00, e depois de uma maratona de trabalho na véspera, a advogada de Carlos Santos Silva e de Gonçalo Ferreira voltou também ao tribunal, mas também sem adiantar nada sobre o motivo do seu regresso.

Por volta das 21h00, soube-se que José Sócrates teria de passar mais uma noite na prisão – o interrogatório prossegue esta segunda-feira, dia em que devem ser conhecidas as medidas de coação a que os quatro arguidos vão estar sujeitos.

Uma das dúvidas que este novo processo-crime dirigido por Rosário Teixeira coloca é se o crime de corrupção de que os arguidos estão indiciados fará ressuscitar os factos investigados no caso Freeport, em que o antigo secretário-geral do PS surgiu sempre como suspeito não oficial, ao ser o alvo das denúncias originais que deram origem a um inquérito-crime aberto em 2005.

Alegadamente, e enquanto ministro do Ambiente, Sócrates teria recebido luvas de meio milhão de euros em 2002 para garantir que o outlet do grupo inglês Freeport pudesse ser construído em Alcochete. Até hoje, nunca ninguém o confrontou com isso.

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