As transferências de 14 milhões na Suíça que apontam para Vale do Lobo

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É uma evolução relativamente recente da ‘Operação Marquês’, o inquérito-crime em curso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que tem como principal suspeito José Sócrates, por indícios de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais: Depois de, em abril, ter detido, interrogado e enviado para prisão domiciliária Joaquim Barroca Rodrigues, um dos donos do Grupo Lena, a equipa do procurador Rosário Teixeira foi ao Algarve no início de maio para fazer buscas em Vale do Lobo, um resort de luxo de 450 hectares. De acordo com o que o Expresso apurou agora junto de fontes ligadas ao empreendimento, os investigadores estiveram focados num único objetivo: uma empresa chamada Easyview detida a 100% pela Vale de Lobo Empreendimentos e que está no epicentro de um negócio ruinoso, com um crédito de 29 milhões de euros obtido junto do BES.

O facto de terem sido detetadas transferências de 14 milhões de euros para uma conta na Suíça de Joaquim Barroca, feitas pelo milionário holandês Jeroen van Dooren e pelo empresário luso-angolano Hélder Bataglia — e de os dois depositantes terem como único ponto em comum Vale do Lobo — levou o Ministério Público nessa direção.

Jeroen van Dooren transferiu dois milhões de euros para a conta de Joaquim Barroca no UBS entre janeiro e abril de 2008. O número 102 da lista dos holandeses mais ricos revelou na semana passada ao Expresso que quem lhe pediu para fazer essas transferências foi o CEO de Vale do Lobo, António Gaspar Ferreira — que desmente o facto. Segundo van Dooren, esse foi o preço que lhe foi exigido, debaixo da mesa, para ter o direito de escolher o construtor da moradia no lote de terreno que acabara de comprar ao empreendimento por 4,3 milhões de euros.

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Já Hélder Bataglia, que fez seis transferências a partir de offshores para a conta de Joaquim Barroca na Suíça no valor global de 12 milhões de euros, entre 2008 e 2009, é um dos donos de Vale do Lobo. O empresário controla o empreendimento de forma indireta a partir de uma sociedade, a Step, constituída na Holanda juntamente com Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto, dois administradores da Escom, a empresa com que o Grupo Espírito Santo entrou em Angola no início dos anos 90.

Bataglia, que é acionista minoritário e presidente da Escom, não respondeu até ao momento às perguntas colocadas pelo Expresso há mais de uma semana. Por que razão entregou 12 milhões ao patrão do Grupo Lena?

O DCIAP está convencido de que todo o dinheiro que, mais tarde, saiu da conta de Joaquim Barroca e foi parar a uma conta do empresário Carlos Santos Silva — incluindo os 14 milhões aqui em causa — teria como beneficiário final o então primeiro-ministro José Sócrates. Por isso o MP está empenhado em perceber a fundo a origem das transferências.

Para já, a documentação apreendida em Vale do Lobo remete para um negócio que teve início no verão de 2005. A 16 de junho, foi constituída uma sociedade anónima, a Easyview, com 50 mil euros de capital social. Logo a seguir, a 28 de junho, essa empresa fez um contrato-promessa com uma companhia imobiliária do grupo BCP, a AGII Atlântico, para a compra de Vale de Santo António, um baldio de 8,5 hectares que estava cercado por Vale do Lobo. Seis meses depois foi assinada a escritura do negócio, com um contrato anexo entre a Easyview e o BIC, o banco com que a família Espírito Santo regressou a Portugal nos anos 80 e integrado totalmente no BES em 2006.

De acordo com documentos que o Expresso obteve em conservatórias e notários, os 8,5 hectares custaram 14 milhões de euros e o BIC/BES comprometeu-se a emprestar 29 milhões, aceitando como garantia uma hipoteca do terreno, a que o banco atribuiu o valor de 50 milhões, “após a construção nele projetada” de 34 lotes, a maioria deles para moradias geminadas e em banda. O loteamento seria aprovado em 2008 pela câmara de Loulé e as infraestruturas foram construídas, mas o projeto parou e a urbanização entrou em processo acelerado de degradação. Oito anos depois, no final de 2013, a dívida da Easyview mantinha-se nos 29 milhões.
Depois do BES, veio a Caixa

Mas o contexto entretanto mudara. A Easyview foi criada por Benno van Veggel, da MDC, uma multinacional que constrói e é dona de centros comerciais, e teve logo de início Gonçalo Gaspar Ferreira como administrador. Antigo diretor-geral do Sporting, Gaspar Ferreira fazia parte da MDC desde 2003, depois de ter estado por trás da polémica venda dos terrenos do antigo estádio do clube àquela empresa por um preço alegadamente abaixo do valor de mercado.

No final de 2006, Gaspar Ferreira acumulou a administração da Easyview com o cargo de CEO da Vale do Lobo Empreendimentos, no momento em que o resort de luxo foi comprado por um consórcio que juntou Hélder Bataglia, Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto à Caixa-Geral de Depósitos (CGD). O banco público, que na altura tinha Armando Vara, ex-ministro socialista e amigo de José Sócrates, como administrador responsável pelas participações financeiras no sector privado, passou a deter 25% do empreendimento e financiou na íntegra os mais de 200 milhões de euros da aquisição do resort. Com o tempo e a acumulação de maus resultados, a dívida à CGD foi derrapando e em 2014 já ultrapassava os 360 milhões de euros. Entretanto, a Easyview foi comprada por Vale do Lobo logo em 2007 e passou a contar com mais duas hipotecas de seis milhões de euros feitas na CGD.

A situação com a banca foi-se deteriorando e, segundo fontes ligadas ao resort, a CGD passou a reter de forma automática parcelas cada vez maiores dos valores obtidos pela Vale do Lobo Empreendimentos na venda de lotes, não deixando margem para a empresa poder movimentar dinheiro. “Essa retenção chegou aos 90% do dinheiro que entrava nas contas.”

Em fevereiro de 2014, um funcionário do resort apresentou uma queixa-crime na PJ que deu origem entretanto a um processo na Inspeção-Geral de Finanças. Cidadãos russos tinham sido alegadamente vistos, mais do que uma vez e em plena luz do dia, a entregar sacos com dinheiro vivo para cobrir parte da compra de lotes de terreno. O que parece bater certo com o que contou o holandês Jeroen van Dooren sobre o pagamento clandestino que lhe terão pedido para fazer.

Mas e porque haveria Joaquim Barroca de receber dinheiro por fora? Gaspar Ferreira garante que os únicos trabalhos feitos pelo Grupo Lena no resort foram em 2007, no valor de cinco milhões de euros. “Infelizmente, devido a problemas de tesouraria, demorámos dois ou três anos a pagar estas obras na sua totalidade.” Funcionários ouvidos pelo Expresso asseguram, contudo, que aquele grupo fez também as infraestruturas de Vale de Santo António. Gaspar Ferreira nega-o e diz que a empreitada foi atribuída a uma construtora chamada Aquino & Rodrigues. Uma empresa em fase de insolvência. E que, por coincidência, foi fundada nos anos 70 pelo pai de Joaquim Barroca.

RE

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