Austeridade sincronizada na Europa é ‘espiral mortal’

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Dois investigadores do “National Institute of Economic and Social Research” britânico publicaram ontem no blogue europeu VOX a primeira simulação dos efeitos no PIB e no aumento dos rácios de dívida pública, no caso de os governos europeus conjugarem políticas de austeridade.

A estratégia atual da zona euro e da Comissão Europeia de combate à crise das dívidas soberanas parece-se “mais com um pacto de suicídio”, do que com uma solução de “coordenação ótima [em termos dos modelos económicos]”, dizem a investigadora Dawn Holland e o director do National Institute of Economic and Social Research (NIESR) Jonathan Portes num artigo demolidor publicado hoje no blogue europeu VOXeu.org.

Os resultados para a própria zona euro são elevados – o impacto dos programas de consolidação de 2011 a 2013 nos vários países envolvidos terão um efeito negativo acumulado de 4% no produto interno bruto (PIB) da região até final de 2013 e provocarão a subida de 5 pontos percentuais no rácio da dívida pública da zona euro em relação ao seu PIB no próximo ano.

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No caso português, a sincronia de ajustamentos orçamentais desde 2011 – que envolverá nacionalmente medidas de austeridade que somam nos três anos 9,9% do PIB – provocará, no final de 2013, um impacto negativo acumulado no PIB real de 9,7% (o segundo pior depois do caso da Grécia), mas apenas um aumento ligeiro no rácio da dívida, um dos menores. Relativamente a Portugal, Dawn Holland referiu ao Expresso que “o multiplicador para o triénio é de cerca de 1 – mais alto do que seria de esperar para Portugal noutras circunstâncias”, e acrescentou:”Cerca de um quarto do declínio no produto pode ser atribuído às medidas de consolidação dos outros países da União Europeia, sendo o impacto remanescente devido à política doméstica”.

Multiplicador implícito de quase 1 para Portugal

Tendo em conta que a austeridade no conjunto dos três anos deverá rondar os 9,9% do PIB, o efeito multiplicador negativo aproxima-se de 1, acima dos 0,8 referidos pelo ministro das Finanças Vítor Gaspar e pelo chefe de Missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Portugal Abeb Selassie. O multiplicador implícito nesta simulação realizada pelos dois investigadores está no intervalo referido pelo “World Economic Outlook” do FMI, que apontava para 0,9 a 1,7.

Os impactos negativos acumulados esperados mais graves no PIB até final de 2013 ocorrerão na Grécia (13,2%), Portugal (9,7%), Espanha (6,7%), Bélgica (5,2%) Irlanda e Reino Unido (5%), Itália (4,1%) e França (4%). Os efeitos negativos acumulados mais pequenos ocorrerão na Alemanha, Finlândia e Áustria, inferiores a 3%. O efeito acumulado de medidas de austeridade equivalentes a 10% do PIB (nos três anos mencionados) atualmente estimado pelos governos é de 18,1% do PIB no caso da Grécia – acima do aqui referido pelos dois autores que não terão tido ainda em conta as revisões realizadas para a proposta de Orçamento de Estado de 2013 apresentada esta semana ao parlamento grego – e de 5,7% do PIB para o caso português, com base na estimativa para 2012 (3% de quebra) e previsão para 2013 (apenas 1% de quebra), ficando muito abaixo do referido pelos dois autores.

No aumento do rácio de dívida em final de 2013, as piores evoluções são para a Grécia (mais 30 pontos percentuais), Itália (quase 10 pp) e Espanha (mais de 5pp). Segundo o Eurostat, para o final do 2º trimestre deste ano, os rácios da dívida em relação ao PIB eram de 150,3% para a Grécia, 126,1% para Itália e 76% para Espanha. O rácio para Portugal situava-se em 117,5% e para a Irlanda em 111,5%. Este estudo prevê que o rácio português aumente ligeiramente e que, no caso da Irlanda, até baixe. Segundo a quinta revisão do programa de ajustamento português, o rácio deverá subir para 123,7%.

Um golo na própria baliza

A sincronia de políticas de austeridade – quer nos países já com planos de intervenção da troika, como em outros da zona euro – é como um golo na própria baliza. Não só terá efeitos muito graves no PIB da zona euro, como em outros membros da União Europeia, e conduzirá a um aumento do rácio da dívida pública. Em suma, é “auto-punitivo”. “Mesmo em termos dos seus próprios propósitos, [a estratégia atual prosseguida pelos estados membros individualmente, bem como pela União Europeia como um todo], torna as coisas ainda piores”, dizem os dois investigadores daquela instituição britânica independente no artigo “Self-Defeating Austerity?”.

O título é interrogativo, mas a conclusão do estudo é afirmativa a partir da simulação que fizeram para um cenário com as características do atual (austeridade conjugada na região, política monetária com os juros próximos de zero, fragmentação dos mercados da dívida e constrangimentos de liquidez) avaliando o impacto quantitativo da coordenação das políticas de consolidação orçamental por toda a Europa, usando o modelo econométrico do NIESR.

A sincronia de atuação dos governos traz um problema acrescido — para além do efeito multiplicador negativo das medidas de austeridade tomadas individualmente, acrescem os impactos das medidas tomadas nos outros membros da zona euro e União Europeia. O multiplicador é ainda maior.

Jorge Nascimento Rodrigues (Rede Expresso)
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