Ao olhar para Killing Eve e sem saber exactamente porquê, vem-me à alembradura (lembrança, em norueguês antigo) uma das primeiras séries – talvez a primeira – da nova vaga, surgida nos idos de noventa do século passado, Twin Peaks. Para os que não conhecem nem se lembram, talvez uma viagem ao You Tube não fosse má ideia: um elenco semi-luxuoso e uma direcção e banda sonora super-luxuosas eram o seu grande cartão de visita (já alguém sabe o que é um cartão de visita?).
A responsabilidade era de Mark Frost e do bissexto David Lynch, personificação do intelectual independente com preocupações artísticas. A banda sonora estava a cargo de Angelo Badalamenti, mais a voz de Julee Cruise a espaços, que aproveitando o embalo, gravou, na altura, um muito bom álbum Floating into de Night, juntando o que cantou em Twin Peaks a material próprio. Inicialmente o argumento era lançado num puro estilo detectivesco: o agente do FBI Dale Cooper (interpretado por Kyle MacLachlan) deslocado para a pequena cidade de Twin Peaks, procurava o assassino de – uma tal – Laura Palmer, mas o âmago do argumento estava plasmado na galeria dos habitantes, testemunhas e amigos da vítima, bizarros representantes do universo tortuoso de David Lynch.
A série que começou em grande estilo – um bocado para o intectual, mas grande estilo – equilibrando ares de alternativa / independente com uma história sólida, relativamente amarrada a uma possível realidade, foi-se afastando por caminhos de um acentuado pendor surreal à medida que se entrou no princípio da segunda temporada. Foi o golpe fatal na minha atenção e, a partir daí entrei em modo errático pescando uns episódios por outros – tanto fazia, ver um ou outro, não se ia dar a lado nenhum. Podiam ser feitos de trás para a frente que era igual e aqui se conjugava todo o problema que para mim tem este estilo de abordagem: para conseguir acreditar na história que me contam, sem a âncora da realidade para a pôr em causa, nada feito.
Para mim, aquilo foi tudo uma questão de egos (os que escreviam e produziam) ou coisa parecida. Começaram o caminho, estrada livre, carro bom, mas assim que chegaram a uma área de serviço para fazer um chichi, entraram na tabacaria, olharam a primeira página das revistas que estavam em exposição e leram o título da que estava escarrapachada mesmo frente aos olhos: “Assassino de rapariga era afinal um jogador de setas num bar que falhou o alvo por muito”. Ora, se a realidade pode ser assim, como que jogada às setas (ou aos dados), porque razão a arte não a pode imitar e até suplantar?
Ainda não fiz o meu exame de consciência definitivo, mas parece-me que pode estar a acontecer uma coisa parecida com Killing Eve. Dá-me ideia que tinham as coisas previstas para seis ou sete episódios e depois logo se via o sentir do povo. Depois foi-se andando e perderam a mão à história. Continuou a ver-se, mas menos bem.
Posso daqui por uma semana pensar uma coisa diferente, mas não me agradam aquelas voltas e torções no argumento (apesar da manutenção do humor) que o aproximam da inverosimilhança. A ver vamos na próxima temporada.
Fernando Proença