AVARIAS: Enfartado

Domingo, dia 3 de Maio do ano da Graça de dois mil e vinte, jornal da tarde da TVI; locutora de cara alegre, riso aberto e conversa, onde constava (com mais ou menos desvios literais ou semânticos) mais ou menos o seguinte: “hoje é dia da Mãe, calor e o sol a brilhar. Dia convidativo para um passeio ao ar livre, talvez junto ao mar, como forma de celebração”. Este arrazoado, fresco e fofo, lido com o maior sorriso do mundo (como se ousa dizer por estes dias), marcou praticamente a entrada do serviço noticioso. Logo após, dois minutos depois, que a espera não foi muita, vários repórteres em directo, de diferentes pontos deste país que se volta ao mar, registavam e acentuavam; os portugueses não devem esquecer o dever de estar em casa. O fim do estado de (ou da) emergência, não pode significar que façamos a vida que fazíamos. Devemos continuar com o dever de afastamento social etc. etc. A TVI (podia ser qualquer um dos outros canais, mas apostava, em primeira mão que os rapazes e raparigas da CMTV, não enjeitariam uma oportunidade destas), no seu melhor. A pivô da estação, em pleno serviço noticioso a apelar para que os tugas saiam de casa. Onde comemorar um dia especial, que não seja longe de casa, perto de (por exemplo, também figurava na peça) do mar em Belém, que é para onde vai, de momento a reportagem? Isto no princípio da peça porque a meio a coisa já muda de figura e se apela ao bom comportamento dos cidadãos (já não existem pessoas, apenas cidadãos), que devem ficar em casa à janela a bater palmas e a tocar saxofone, só porque quem aparecer nas redes sociais e, quiçá, na televisão. Aparentemente, a ninguém (neste caso na TVI) faz espécie que lado a lado coexistam os que dizem uma coisa com os que afirmam o seu contrário, tudo difundido pela mesma redacção, com um minuto de intervalo e pela mesma pessoa.


Penso que não vem nada de bom depois de estarmos submetidos a doses elevadas e contantes de informação. Pela minha experiência de cidadão metido em casa, reforcei a ideia que estarmos em contacto com notícias de todo o mundo (mas completamente soterrado em Covid-19), horas a fio nos torna imunes e insensíveis a quase tudo. Palavra, que no último mês e meio, só ouvi que, há cerca de duas semanas, alguém (os habituais), tinham posto uma bomba num qualquer mercado na Síria e feito, num segundo, o que com o vírus da moda leva horas: quarenta mortos, assim à cabeça. Tudo o que nos vai rodeando tira-nos a capacidade de perceber o que se vai passando, mas os apontamentos de reportagem da CMTV são um farol que nos guia. Façam este exercício: qualquer reportagem da estação sobre o vírus, ou o que mexe, é repetido pelo jornalista de serviço, pelo menos, duas vezes. Não é uma repetição simples, varia uma frase ou outra, mas a base está lá, um condutor desgovernado que bateu numa árvore e que foi detido pele posse de droga, a polícia que prontamente chegou ao local. Na repetição, a polícia vem em primeiro, depois que foi um automóvel, que a árvore atravessou a estrada quando não devia (descubram onde está o erro), e por fim a droga que terá sido a culpada de tudo. Depois repete e a missão está feita. Três pelo preço de um.

Fernando Proença

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