AVARIAS: Estamos assim

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Colaboradora. Designer.

Vamos em maré de comemorações, efemérides, manifestações e aniversários, tudo muito bom para a TV. Convocam-se paineleiros e comentadores. Mostram-se documentários realizados atempadamente, sobre o 25 de Abril, o primeiro de Maio e a Páscoa que já lá vai. Depois chega o dia da mãe e com ele a oportunidade de fazer pequenas entrevistas sobre a melhor mãe do mundo, que é sempre as do entrevistado. Voltando atrás: os trabalhadores estão para a televisão como David Bowie para algumas rádios; ninguém o passou durante meses, mas choraram dias a fio, quando morreu, para o voltarem a passar nessa altura e voltarem a esquecê-lo. Bowie desapareceu e já quase não existem trabalhadores, apenas colaboradores, escravos de si próprios, que dizem vestir a camisola da empresa vinte quatro horas por dia, a ganhar setecentos euros por mês…
Com o 25 de Abril, passaram aquele documentário sobre Zeca Afonso, explicado às crianças, sobre o qual já escrevi neste espaço. Dirão: mais vale um programa insonso que nenhum. É verdade, mas não é suficiente. E não me estou a armar em nostálgico recuperador de antigas glórias. Não sacralizar o 25 de Abril não tem nada de especialmente mau. Pode querer dizer que estamos bem com a liberdade que temos, tão afastados dos tempos em que não se podia olhar para o lado; minto, quando tinha que se olhar para o lado, com medo que alguém estivesse a ouvir e fosse contar aos tipos errados. Também pode indicar que a corrente revisionista da História (com Rui Ramos à frente) anda a fazer o seu trabalho, mais de propaganda que de estudo científico, no que a História pode ter de científico, que, como penso, é muito pouco: dizem que o regime lentamente se iria aperfeiçoar, desaguando, naturalmente, numa democracia plena e entregando, por conseguinte todo o poder à ala liberal de Sá Carneiro. Fazem-se, hoje, muitos exercícios destes; o de pensar como seria o percurso da História, se o desfecho de certas crises e guerras tivessem sido diferentes do que foram. Lembro-me de um, bem escrito e pensado, “Fatherland” (“Pátria” em português. A edição que li ostentava a designação original. Estou a armar, mas só um bocadinho) de Robert Harris, em que o autor faz uma ficção com base na premissa de que a vitória na Segunda Guerra Mundial tivesse sorrido (é uma força de expressão) à Alemanha. Tratava-se de um policial (salvo erro; já o li há mais de vinte anos), sobre um crime cometido em Berlim, na pessoa de um membro do governo alemão (ou seja, só se tinha perdido as que caíram), numa altura em que o presidente da América, tinha vindo à Europa, mas como perdedor. A Rússia fazia guerrilha a leste e a Inglaterra, passava por não contar. Kennedy, o presidente americano (família é família) visitava a Alemanha e tudo servia para um aterrador/engraçado (riscar o que não interessa) exercício de História. Para a Direita, que em Portugal faz o mesmo em relação ao 25 de Abril, será para dizer que, se tivéssemos tido juízo, ninguém tinha fugido para o Brasil, não tinha havido nacionalizações e só o comércio de cravos não tinha sido (como se diz agora), alavancado. Até a PIDE acabaria a ajudar velhotas a atravessar a rua. É obra!

Fernando Proença

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