Avarias: Muletas

O mimetismo é uma das doenças do século vinte e um (no século vinte foi, talvez, a dor de corno), no que concerne (das palavras usadas uma das mais feias, mas essas também têm direito à vida) ao jornalismo. Existem palavras e expressões que são muletas, voluntárias e (ou) involuntárias para quando se quer falar ou escrever sem pensar muito: a do momento é o verbo “disparar”, em todas as conjugações possíveis e imaginárias. Se o desemprego aumenta, diz- se que “disparou”, se há mais vinte casos de COVID, os contágios “dispararam” (para a SIC, basta um aumento de dois num dia, para imediatamente “dispararem”). Se aumentou a dívida externa, então “disparou”. Palavra que já li, no rodapé de um conhecido canal de sangue, que a violência doméstica “disparou” com o confinamento. É caso para dizer que não era preciso tanto. A semana que passou só não “disparou” o número de internados nas unidades de cuidados intensivos, porque os ditos internamentos desceram e há que se arranjar uma palavra para isso. Ou talvez não seja necessário, porque descer não dá quota de mercado.


Sou um espectador especialmente desatento do fenómeno desportivo. Gosto de ver basquetebol e futebol, este último cada vez menos e pouco mais. A paciência vai-se esgotando para tanta táctica. Os comentadores, em geral, entristecem-me, pela falta de uma cultura alternativa à língua de pau da “muita qualidade” (muleta número um do futebol), do jogador “interessante” (muleta número dois), do futebol do “pé para pé” (muleta número três), ou que determinado perna de pau é uma “mais valia” (muleta número quatro). Existem claro, os que sabem tudo sobre os clubes por onde andou determinado futebolista, que aos dezoito anos já correu seis equipas de cinco países diferentes (algum mau resultado isto há-de dar), mas não é a mesma coisa que pôr em causa falsas ideias feitas (de que o futebol está cheio), ou ter uma excelente e profundamente errada ideia, sobre o que dizem ser a enorme evolução actual do jogo. Mas num mundo em que todos andam obcecados com as arbitragens – têm mais que se lhe diga e não há que enganar, delas, os grandes beneficiam quase sempre. Nos restantes a equipa da casa leva a parte de leão. Caso haja muita desproporção de valores, os mais fortes são, quase sempre ajudados – não se pode pedir muito mais: estamos em Portugal, país dos tugas, em que o ambiente de guerra civil para amadores, que aqui existe, é transferido (felizmente) para o futebol. Estava eu então a dizer-vos que sou, cada vez mais um espectador desatento do fenómeno desportivo (fazem-me falta, para desenjoar, os jogos olímpicos), mas dei em ver dois ou três jogos de futebol feminino. As raparigas são em geral elegantes e distintas, mas não me pareceu, pelos exemplos vistos, que valha o tempo despendido: as mulheres podiam, em sua defesa, jogar, sei lá, fazer um jogo mais ofensivo e vistoso, mas aquilo é mais do mesmo. Defesa, defesa, táctica, táctica. Não há dois passes para a frente seguidos e certos, e as guarda-redes parecem, quase sempre, que estão na baliza porque a isso foram obrigadas, talvez pela sua falta de jeito para jogar noutro lugar. Às tantas está aqui um ponto de partida para a discussão; talvez erradamente machista, mas um ponto de partida.

Fernando Proença

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