Palavra que me aconteceu: olhando um desses autedores que enxameiam algumas das nossas vias de comunicação (estou ou não em condições de elaborar um relatório policial?), dei por mim a pensar o que ofereciam politicamente à sua autarquia, um par de jarras que sorria para a câmara enquanto em legenda se podia ler que estavam “juntos por si”.
Uma fracção de segundos depois é que reparei que não era de política que se tratava, mas sim de imobiliário. Os dois sorridentes da foto (até o imobiliário se encontra rendido às maravilhas do trabalho em equipa), aparentemente não me estavam a querer convencer a votar numa qualquer candidatura autárquica, mas sim, só me queriam ajudar a comprar um apartamento. Enquanto duvidava da minha acuidade visual (ao longe), pensei que o busílis da confusão se encontrava menos na semelhança entre as duas actividades (autarca e agente imobiliário) do que no esgotamento de frases que queiram transmitir mais do que nada.
Por falar em frases fortes, espreitei algumas notícias sobre o congresso do PS, realizado em Portimão. Habitualmente nestas coisas a piada está mais no que se diz nos bastidores do que propriamente nos discursos “oficiais”. As declarações da arraia miúda, que luta pelos pequenos poderes autárquicos e do aparelho, são muitas vezes sintomáticas de uma certa maneira de ver as coisas: reparei que as palavras que mais se ouviam, produzidas pelo mimetismo que todas estas celebrações tendem a proporcionar, foram: “combate” e “batalha”.
Aqui estão palavras em que, nesta altura do campeonato todos são devedores de Pedro Santana Lopes. Era ele que nos seus bons tempos – seja lá o que isso queira dizer – se empertigava com os seus adversários, que eram todos os que não se comprometiam com a herança política de Sá Carneiro ou os que não topavam o PPD/PSD nem à lei da bala. E quando se empertigava lá vinha o combate, as barricadas e só faltava declarar o estado de guerra. Agora parece que navegamos nas mesmas águas e é precisamente quando a actuação dos políticos se mostra mais relapsa e anémica (ou talvez por causa disso mesmo) é que vão buscar uma conversa de quem vê demasiados filmes, ou é devedor da herança desse monstro da teoria política que se chama Santana Lopes.
Ninguém ficará indiferente à vitória dos talibãs no Afeganistão. De tudo o que mais me espanta é a declaração das chefias que se auto-intitulam “islâmicos, abertos e inclusivos”. A pérola é, sem dúvida, o “inclusivo” que mostra que os tipos andam vestidos como hippies dos anos sessenta, mas já falam ao estilo do século vinte e um. Os talibãs referirem o “poder inclusivo” é mais um prego no caixão da linguagem: hoje, podemos dizer tudo e ainda nos rimos no fim, como chamar “colaborador” a um trabalhador de uma empresa multimilionária que ganha o salário mínimo.
Hoje tudo tem que ser inclusivo e ser sustentável e penso mesmo que havendo agora campos de extermínio e fornos para judeus, ou outro povo à escolha, talvez que os alemães tivessem muitos adeptos ao dizerem que os fornos nada poluem. A cereja seria a declaração que as cinzas resultantes da combustão dos corpos seriam recicladas em adubo para as árvores. É uma imagem um pouco parva, mas é sustentável.
Fernando Proença