Avarias: Penso eu de que

Já escrevi este artigo, para aí há três anos e desde essa altura não lhe acrescentaria uma palavra (mudava duas vírgulas).

Foi a minha costela xenófoba a falar mais alto e agora retorno à embirração: Trump é muito mau. Revelou-se pior do que podia pensar qualquer vidente que tivesse consultado a bola de cristal, por alturas da sua eleição. Que uma gripe dos Estados Unidos pode significar um problema para o mundo, ou que não nos devemos fechar na nossa concha, são outras variantes, mas aflige-me que continuemos a seguir bovinamente o que se passa pelas terras da América, andando muito susceptíveis com tudo o que se passa no entretanto das eleições nos Estados Unidos. Podia ter uma atitude um pouco mais cosmopolita, dizendo, sim senhor sou cidadão do mundo, interesso-me por tudo o que mexe e anseio por um passado melhor, mas já estou um bocadinho farto de estar cada vez mais dependentes de uma realidade que, ao fim e ao cabo, não é nossa.

Outro dia ouvia as músicas modernas e muitas vezes boas – porque quase nunca passam, por exemplo Tom Waits? – que passam na Antena 3, quando inesperadamente, num programa em que o som ocupa, por norma, cem por cento do tempo disponível (na forma directa ou indirecta), o pivot (é assim que se chama) apresentou o que posso considerar um apontamento, largo, indignado com todas as palavras, sobre os malefícios de Trump e a sua administração. Não tenho a intenção de passar um atestado de boa prática política, ética e moral, mas compreender o que leva um locutor de uma estação portuguesa que habitualmente só passa música (e com muito pouca conversa sobre ela) a encarrilhar uma data de sentenças sobre uma eleição que se passa a milhares de quilómetros daqui, e não compreendo.

Parece que estamos todos a entronizar que nos cabe a extraordinária função de não permitir que Trump volte a ganhar a eleição que é dos americanos (e eles que resolvam os seus problemas), em nome da cultura, inteligência e mais não sei quê cheio de boas intenções, rumo a uma sociedade mais justa. As redes sociais parecem não ter outro assunto, ficamos extasiados de mostrar a nossa superioridade perante não sei quantos milhões de americanos que votaram num tipo que parece ter todos os defeitos de que o acusam. Se procurarmos, no entanto, na base de apoio que elegeu o prodígio da América e arredores, vamos descobrir que são, exactamente os mais pobres que nele votaram. E a esquerda de lá, terá muito mais responsabilidade, na sua possível reeleição, do que nós imaginamos, com as suas obsessões identitárias, tão ou mais perigosas para o futuro da democracia, do que o governo de um troca tintas narcisista, negacionista, supremacista e mais palavras más acabadas em ista.

Fernando Proença

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