Avarias: Uma teoria

A questão (má ou boa, segundo os pontos de vista) é que, durante os tempos que estivemos em casa, derretemos canais, filmes, séries e o que mais fosse da nossa amiga tevê e agora por muito que nos digam que lá fora está muito melhor, vamos vendo o que, em condições normais, não teria mais que um segundo da nossa atenção; agarrados aos sofás, tontos ao levantar, trôpegos quando damos os primeiros passos em direcção aos assaltos ao frigorífico.

Isto deve estar tudo previsto naqueles estudos de psicologia, elaborados a partir dos que se arrastaram semanas a fio pelos compartimentos da casa, incapazes de reagir às agruras do tal confinamento. No meio, sobraram incursões ao longo dos duzentos canais que a operadora nos concede, que espremidos não chegam a trinta, finais da taça de Portugal no canal 11 e os infindáveis espaços informativos que repetiam pela enésima vez as mesmas peças de um dia para o outro, sem mexerem uma vírgula, quer fossem conferências de imprensa da DGS ou notícias sobre majericos que não foram vendidos.

No canal “Discovery” passa a horas aleatoriamente indefinidas, “Big” apresentado por Richard Hammond. Como o nome indica é mais um exercício – geralmente bem-humorado – sobre coisas como aviões, fábricas, navios, plataformas petrolíferas, barragens, em que o tamanho conta, e muito. Vê-se com agrado, principalmente porque não sofre dos problemas de outras séries aparentadas, que apresentam o que querem mostrar, em listas (vivemos num mundo de listas): os dez aeroportos mais perigosos do mundo ou os animais mais venenosos da Austrália, também reunidos em grupos dos mesmos dez. Não sei se já passaram pela experiência de gastar desse material contrafeito, mas o seu visionamento, pode trazer-nos problemas de concentração, pelo simples facto dos tipos, a lutarem com uma falta de assunto crónica para encherem o tempo destinado a cada episódio repetirem, vezes sem conta, as mesmas imagens, ao longo dos quarenta minutos que, em média, duram estes episódios. Em “Big”, não se sofre dessa tendência para o enchimento desmesurado de chouriços e sempre somos confrontados com uma ou outra novidade. A mim, por estranho que pareça, a visão destes momentos lembra-me, em geral, parvoíces e aqui, quero confessar-vos uma: estavam dentro da maior plataforma petrolífera do Golfo do México a verificar a quantidade de água existente numa amostra de crude, se a memória não me falha. Aquilo era reinadio, botava-se metade de meio litro dentro de um frasco que era colocado no interior de uma máquina e três minutos depois lá vinha o resultado. Claro que só se via a colocação do frasco, o premir do botão, a imagem cortava e aparecia imediatamente a imagem editada, como se tivessem passado os três minutos. Uma técnica muito simples que, apesar disso, ainda não chegou ao novo cinema português. Aliás não chegou nem chegará, porque ela (ou, a falta dela) é constituinte do mesmo.

Se há uma viagem de mota entre Cascais e Oeiras ou de carroça, entre o monte da Casqueira e a estrada nacional (cinema português em versão campo), certo que a câmara irá acompanhar os actores, a perorarem sobre o sentido da vida e a inexistência de salvação para a arte, exactamente todo o tempo que a viagem dura, nem um minuto a mais nem a menos.

Fernando Proença

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