Avarias: Vai-se andando

Costumo fazer uma aposta com os filmes que a RTP2, passa no horário das onze horas, ao fim-de-semana: é muito simples, faço zapping e, ao passar no canal em causa, tento adivinhar se a proveniência do que passa é turca, iraniana, bósnia ou portuguesa. Se tiver a sorte de, no momento – que se pode prolongar por mais três ou quatro minutos – da passagem, se ouvir algum diálogo só deverá haver dúvidas entre turco ou iraniano – que até fazem algumas coisas com muita qualidade como se diz agora. Reparem que sou um verdadeiro desastre para as línguas, em geral, mas não pretendo aborrecer-vos com os meus problemas. Caso a situação anterior (existência de diálogos), não se verifique, então é que está a burra nas couves. Pode-se levar tempos infinitos à espera de uma fala. Alguém olha o céu ou o mar (o campo tem poucos adeptos); máquinas industriais em plena laboração. Uma bola que rola. Uma lua cheia. Tudo num período de tempo nunca inferior a dois minutos. E tudo para nos entreter sem um diálogo, sem uma conversa de pai para filho, sem uma cartinha nem um telefonema. Ao fim de cinco minutos alguém falou e descobrimos, estamos em presença de mais um exemplar do cinema português.

Atenção que não tenho visto grande coisa do tal cinema tuga, além de um arremedo de comédia que passou em horário nobre, outro dia no canal principal da RTP, recheado de alguns dos nossos actores mais rodados: vi o filme pela segunda vez e perguntei-me o que leva alguém a fazer e patrocinar um exercício como aqueles, no mínimo incipiente e estou a ser simpático e compreensivo. E depois as viagens de moto; não há filme português que se preze sobre o que quer que seja, que não tenha uma longa viagem de moto, em que o sentido da vida e a produção de beterraba para fins industriais não seja debatida.

De momento olho “A Fábrica de Nada” (RTP 2. Abre com uma viagem de moto mas em silêncio, um ponto a favor. No meio sobram barcos a andar – sempre é um substituto da moto, e até uma barcaça), sobre a exploração do Homem sobre o Homem. O filme capta a tensão os olhares e os gestos dos operários de uma fábrica prestes a encerrar, problemas entre trabalhadores, uma administração desapiedada e as suas vidas. Parece, parte das vezes um documentário bem-intencionado, noutras uma peça neo-realista com uma boa direcção de actores (de estranhar) e em muitas passagens um filme escorreito. Dura três horas, podia ser encurtado para ficar nas duas, mas aí ia-se ao ar todas as intenções de demonstrar o que quer que seja, com as pausas e os silêncios da – nossa – praxe. A meio e ao longo do tempo, vai aparecendo o contraponto da acção feito a partir da uma certa visão dos intelectuais, que falam, falam, mas no fim não são despedidos com três meses de indemnização. É um filme português com toda a certeza, mas já vi muito pior feito lá fora.

Fernando Proença

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