Hoje, um de Outubro do ano da graça de dois mil e vinte e um, dia em que escrevo estas singelíssimas palavras, entra em vigor mais um degrau do desconfinamento, que é de todas as palavras feias a que mais me irrita ou, pelo menos, uma das que mais me irrita. Continua a haver um desfile cruzado de medidas que ninguém, à excepção da DGS, entende. O secretário de Estado já veio a terreiro, dizer que todas (as medidas) foram muito competentemente avaliadas e que os tugas que são contra, são os que não perceberam ainda, nem a justeza de se obrigar, por exemplo, máscaras em espaços com mais de quatrocentos metros quadrados, mas não, por exemplo, com quarenta. Parece-me sempre o que se diz (alguns dizem-no) sobre o cinema – um certo cinema, de grandes planos e bilhetes postais – português: se as pessoas não o vão ver é porque não o percebem.
A verdade é que tenho tentado ver alguma da nova produção cinematográfica tuga, assente numa ideia de espectáculo e produções mais profissionais, principalmente ligada a coproduções com canais televisivos, mas os problemas mantêm-se; fraca capacidade para contar uma história e inverosimilhança de muitos dos passos da história. No entanto o desempenho global dos actores vai melhorando, não porque o sejam agora melhores, mas porque a direcção vai-se afastando dos tentáculos do teatro.
O desporto, como espectáculo televisivo e não só, está cada vez mais ligado aos números e à estatística, por via da cada vez maior presença do Excel nas nossas vidas. Mas a estatística é muito e pode ser nada. Quando vemos um jogo de futebol, podemos ser bombardeados com dados durante todo o tempo que se leva de jogo, com excepção dos momentos em que os comentadores de serviço se põem a adivinhar as tácticas.
Quando se esgota a argumentação aí vai mais um número: quantidade de vezes em que Portugal esteve a perder até ao minuto vinte da primeira parte e depois acabou por dar a volta ao resultado, mas apenas quando equipou com calções verdes. Outro dia o grande motivo de regozijo, era o jogo cem de Mourinho na liga dos campeões de futebol. O jogo cem? E o jogo cinquenta não tem direito? Já percebi, todos os dias são momentos para celebração – recentemente descobri que há motivos para comemorarmos o dia das “zonas húmidas”, outro o das doenças “reumáticas.
No futebol estamos a caminho. Cada vez mais me parece (como me confidenciou uma certa pessoa muitíssimo avisada) a aula cem (com Matemática e Português à cabeça), alguém levava um bolo, outros, refrigerantes e até havia o encarregado das palhinhas (hoje caídas em desgraça). Faz algum sentido a obsessão comemorativa do número de jogos em que se marca de cabeça nos primeiros quinze minutos? Faz, quando usamos cada vez mais o retorno a esses rituais da infância, para nos entreter e estimular a atenção. Sempre é melhor que masturbar grilos.
Fernando Proença