Brasileiros preferem o Algarve!

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No Algarve e no País, a imigração brasileira está em crescendo. O “fim” da crise portuguesa coincidiu com o “começo” da crise no Brasil, por volta de 2016, e isso explica em boa parte as vagas migratórias de brasileiros rumo a Portugal e outros países europeus. Em Portugal, o Algarve é a segunda região que acolhe mais imigrantes daquelas paragens, a seguir a Lisboa. Esta semana, o JA fez uma viagem ao mundo dos imigrantes brasileiros na região. O que fazem, as dificuldades que experimentam e quem são aqueles que escolhem a região mais “tropical” de Portugal…

O Algarve é a segunda região portuguesa com maior número de brasileiros, a seguir ao distrito de Lisboa, apurou o JA junto do SEF, que quantificou em 13.599 o número de cidadãos brasileiros a residir na região no final de 2019.

O distrito de Faro está assim longe do distrito de Lisboa, que alberga 42.847 cidadãos de origem brasileira, mas acima do Porto (12.994) e de Setúbal (10.728).

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Isto num contexto de acelerado crescimento da imigração brasileira para o nosso País: em 2019 o número de residentes em Portugal cresceu 43% face ao ano anterior, de 105.423 para 150.864.

Isto significa que, no que diz respeito a novos residentes, foram emitidos, em 2019, 48.627 novos títulos de residência contra 28.210 em 2018, sempre de acordo com fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contactada pelo JA.

A subida acompanha o crescimento, que se verificou em 2019, do número total de imigrantes em Portugal, que ultrapassou pela primeira vez a barreira do meio milhão: são 580 mil. Os brasileiros representam, assim, um quarto do total, no todo nacional.

Já em 2018 se verificara uma subida da vinda de brasileiros, depois de dois anos de queda, em 2015 e 2016. O número de autorizações concedidas a brasileiros representa mais de um terço do total das novas autorizações concedidas a estrangeiros pelo SEF, que chegaram às 135 mil – no ano anterior tinham sido 93 mil.

Andrea Oltramari

Mas no caso do Algarve, a apetência dos brasileiros pela região excede o que seria de esperar. Afinal, quase 10% dos residentes em território português estão no distrito de Faro. “Sem conhecer o Algarve eu escutava no Brasil muita gente dizendo que queria vir para o Algarve. O sonho de muito brasileiro de classe média-alta é morar no Algarve. Por causa do clima, da praia e da qualidade de vida e segurança”, explica Andrea Oltramari, 44 anos, professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que desde há um ano empreende uma investigação sobre imigrantes brasileiros em Portugal como investigadora convidada da Universidade Clássica de Lisboa, através do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão).

O clima, a segurança e a qualidade de vida algarvios
O clima e a praia são fatores que também não andam longe dos motivos encontrados por Selma Cazes, 52 anos, presidente do Conselho de Cidadãos (Concid) junto do Consulado-Geral do Brasil em Faro: “Na maior parte dos casos vêm para o Algarve por causa do clima, é mais ameno. O calor humano parece ser mais acolhedor”.

Muitos “encalham” no Algarve, quase por acidente. Mas são cada vez mais os que escolhem as paragens algarvias, fazem a sua opção. “Ouvem falar do Algarve, do clima, da qualidade de vida e ele atrai sobretudo a classe média”, corrobora por seu turno a vice-cônsul do Brasil em Faro, Cláudia Vasques.

Para além da especificidade algarvia, a investigadora Andrea Oltramani encontra motivos mais genéricos para a apetência brasileira: “O primeiro motivo da emigração é a violência. O brasileiro vem buscar aqui mais qualidade de vida. Mesmo que ele tenha um rebaixamento de classe. O ponto de partida é heterogéneo. Saem pobres, ricos e classe média-alta. Os muito pobres, médio-pobres, médios e classe média-alta têm um ponto de partida heterogéneo mas um ponto de chegada homogéneo. Todos chegam com dificuldades de inserção no mercado laboral mas isso não tem problema, porque eles estão migrando em família, ou amigos. Os solteiros emigram muito em primos (vem o primo, o outro primo, o irmão do primo), emigração é em rede. Eles vêm fugindo sobretudo dessa violência”.

E não só. Há quem fuja das mudanças políticas, num país que, de há um ano para cá, está ainda mais dividido e conta com um extremista de direita na presidência. E da crise económica, que no Brasil começou quando a crise portuguesa já chegava ao fim, nos idos de 2015/2016.

“Fogem do desemprego também. A informalidade [trabalho sem vínculo formal ou contrato] no Brasil já alcançou quase 60%. Eu diria que entre a violência e o desemprego há empate nas razões que os levam a vir”, esmiúça a investigadora de Rio Grande do Sul.

Selma Cazes

Mas como vivem? Que dificuldades têm quando chegam? Como se “desenrascam” em território português e, especificamente, algarvio? Há 24 anos em Portugal e enquanto presidente do Concid há dois, Selma Cazes dá a resposta possível: “Noventa e cinco por cento entram como turistas e 75% pelas fronteiras portuguesas. Mesmo entrando como turistas, muitas vezes não têm os documentos ainda para estarem aqui de forma oficial. Estão indocumentado, o que não significa que sejam ilegais”, explica a líder do Conselho cuja missão é dar informação sobre o que é necessário, sobretudo, naquela fase da vida deles.”

Legalização pode ser uma “pescadinha de rabo na boca”
“Na maior parte dos casos, passaram 3 meses mas ele ainda está aqui e não consegue documentação, e aí nós ajudamos. Há muitos que não pedem o título de residência no prazo exigido pela lei [três meses] por desconhecimento da lei. O problema é que isto é uma cobra que morde o rabo [pescadinha de rabo na boca]. Ou você pega um empresário português que está disposto a pegar alguém que não está em situação regular e paga menos… ou não tem saída legal. Também há a possibilidade de “vamos ao SEF e a gente regulariza a tua situação”, que é uma situação razoável. Ou então diz “você trabalha para mim e vai procurar a sua legalização”. O empresário não deveria contratá-lo sem estar legalizado, mas existe aqui uma área cinza na lei portuguesa”, analisa a presidente do Concid. Por outras palavras, é difícil ultrapassar a tal “pescadinha”: para ter residência é preciso ter trabalho e para ter trabalho exige-se residência. E é aí que entra a “zona de sombra” que permite tanta legalização.

O ideal, sustenta Selma Cazes, seria voltar ao Brasil: “Está aqui, gostou, volta para o Brasil, volta com uma carta de intenções de um empresário daqui, com contrato de trabalho condicional e vem do Brasil com visto. Na prática isso não acontece, porque o próprio consulado português no Rio de Janeiro está levando 3 ou 4 meses para atender”. E porque (dizemos nós) contrato condicionado é coisa rara no mundo laboral português e, por outro lado, a maior parte dos candidatos à emigração não nada em dinheiro para andar a gastá-lo em viagens Portugal/Brasil.

Mas os que conseguem a legalização, como vivem no Algarve? “Temos muitas famílias, porque antigamente Portugal dava o visto quando as crianças eram escolarizadas, ou pelo nascimento. A maioria dos que estão são famílias de trabalhadores, que vêm para ter uma oportunidade. Trazem a família toda. O normal é família de 4 pessoas”, observa Selma Caze.

A vida em comunidade é comum entre os brasileiros. Como reforça a presidente do Concid, “muitas vezes vêm porque o amigo já veio, porque o primo já veio, porque alguém disse. Vivem 8 a 10 pessoas num apartamento, há muitos apartamentos com duas famílias, por exemplo. Dividem os custos para poder sobreviver”.

Um apartamento para muita gente
E quantas vezes o El-Dourado foi sonho que ficou lá atrás. A vida real é mais dura: “Somente quando o brasileiro chega aqui é que ele se dá conta realmente do que é a realidade do que vai ganhar. Quando está no Brasil, ele faz as contas, ‘um salário de 600 euros é bom’. Multiplica isso por quatro, 2400 reais, ‘oba, eu vou pra lá, que eu não ganho isso aqui no Brasil’. Só quando chega aqui é que se dá conta que com 600 euros aqui ele não faz nada. Em Vilamoura, um T1 está por 600 euros, sem essa vida comunitária a pessoa não sobrevive”, acrescenta Selma Cazes.

A carestia dos alugueres de casas leva a outra realidade bem dramática e, sobretudo, injusta, nas palavras da professora Andrea Oltramari: “Há uma relação de exploração de brasileiros com brasileiros. Alugam, subalugam e voltam a subalugar. Vivem muito em comunidade. Os ricos têm bons apartamentos em Cascais, alugam outros apartamentos suas propriedades, alocam com a família. Os estudantes ou os menos favorecidos alugam um apartamento de 3 quartos e vão dividindo, sempre em comunidade”.

Uma realidade que é difícil para muitos mas raramente chega a situações desesperantes. Há uns anos tivemos duas pessoas a dormir na praia de Quarteira, mas resolveu-se logo, conseguimos resolver. Desemprego sim, mas indigência e mendicidade não, porque eles nem deixam. Entre eles, eles se acolhem”. Na dificuldade, o grupo migrante vira solidário, por outras palavras.

Além das famílias, outro fenómeno está em crescendo no Algarve e no País: os estudantes brasileiros. Selma Cazes calcula em 35% a proporção de brasileiros que chegam a Portugal para estudar, num contexto em que a Universidade do Algarve aponta a internacionalização como objetivo de fundo e reclama mais de mil estudantes brasileiros na instituição este ano letivo. De longe, a maior fatia de entre os estrangeiros: no último ano letivo, 838 dos 1724 alunos estrangeiros eram brasileiros (48,6%) e só muito depois se seguiam os espanhóis (127 alunos), italianos (71) e alemães (58).

O mesmo acontece no País: desde a destituição de Dilma Rousseff, em 2016, e da recuperação económica de Portugal, em 2015/2016, que se vem notando um aumento de brasileiros com perfis diversificados. No início de 2000 a imigração brasileira estava focada no trabalho e tinha perspetiva de retornar ao Brasil, refere Cyntia de Paula, da Casa do Brasil em Lisboa, citada na passada semana pe-lo jornal Público. O trabalho exercido nem sempre corres-pondia às suas qualificações, a maioria trabalhava na restauração, construção civil e outros serviços. Essa vaga para trabalhar nunca desapareceu, mas a ela juntaram-se outros perfis, acrescentava.

Além dos estudantes para o ensino superior, um grupo que continuou a vir mesmo em períodos de crise e que neste momento é bastante expressivo. “somaram-se outros grupos mais qualificados, pequenos empreendedores, aposentados, gente ligada ao ativismo e aos direitos humanos que não se sente protegida no Brasil. Os discursos de migração mudaram: não vêm só para ganhar dinheiro, mas para ganhar qualidade de vida”, dizia.

Qualidade de vida no Algarve têm também os imigrantes que precisam de atendimento no Consulado-Geral de Faro, um dos três do País, a par de Lisboa e Porto. “O Consulado de Faro é um luxo, é muito bom”, sustenta Janaína Costa Assis, 44 anos, que releva a qualidade e rapidez do atendimento, em comparação com as demais instalações consulares brasileiras.

Claudia Vasques

Reconhecendo alguma crise no atendimento aquando do aumento do afluxo migratório, a partir de 2016, a vice-cônsul Cláudia Vasques garante que se trata de “águas passadas” e explica como combateram essa afluência acrescida, com reformas empreendidas a partir de maio passado: “Deslocámos funcionários de outros setores. Além disso, começámos uma série de reformas com vista a organizar o espaço e trazer mais conforto para o público e para os funcionários. A medida determinante para a resolução do problema das enormes filas, contudo, foi mesmo a implantação do sistema de agendamento eletrónico”.

Sublinha que a melhoria contínua do serviço e a qualidade do sistema de agendamento são metas permanentes do Consulado: “Estamos sempre verificando o que pode ser feito para otimizar o serviço, de modo a que o público tenha suas necessidades atendidas da melhor forma possível e no menor tempo”.

O consulado de Faro atende cerca de uma centena de pessoas por dia, tendo atendido 22325 pessoas no decorrer do ano passado. A maior parte dos atendimentos, por ordem numérica, referem-se a atestados ou certificados consulares (CNH, residência, nacionalidade e estado civil), passaportes e procurações.

João Prudêncio

Janaína Costa Assis, 44 anos,
empresária marítimo turística

Quando veio para o Algarve, sete anos depois de ter chegado a Portugal, esta mineira de Belo Horizonte nunca pensou dedicar-se à atividade marítimo-turística. Vinha para montar uma pousada, com o marido, um lisboeta “que detesta Lisboa” e acalentava o sonho de vir para o Algarve.

A pousada não deu certo, nunca chegou a existir fisicamente. Compraram um alojamento local, que funcionou uns tempos, mas acabariam por desistir.

E eis que o casal – ele bombeiro, ela manicure – decide “fazer render” a carta de marinheiro dele entretanto tirada e a experiência empresarial de ambos. Venderam a casa e, à vez, compraram dois barcos. Um deles rígido, grande, que nem passa na maioria das grutas. Outro semi-rígido, mais pequeno, que funciona a partir de março.

Ele pilota. Ela, Janaína, faz tudo o resto, desde a venda de bilhetes à contabilidade da pequena empresa, que tem nome mais complicado mas a que deram o nome-fantasia de “Vó Peixinha”.

Vive em Lagoa. No Algarve, ama o sol e a temperatura mesmo de inverso, que declara mais parecida com alguns lugares do Brasil.

Gosta menos das gentes, que na sua maioria rotula de complicadas. “Pessoal agarrado. Não fazem nem deixam fazer, você não pode ser melhor do que eles”. Um trabalhão para as convencer até a ganhar dinheiro, a trabalhar! “Tive que ir buscar um skiper ao Brasil e dar-lhe formação. Aqui ninguém queria”, lamenta.

Resultado prático: “Em Lisboa 90% das pessoas com quem convivia eram portugueses. No Algarve o meu maior convívio é com brasileiros”.

Fiama Souza, 25 anos,
nadadora-salvadora

Natural de Minas Gerais, com o curso profissional de enfermagem, veio para Lisboa em 2014 e, por incidente, ao fim de uma semana viu-se em Lagos, como cuidadora interna de uma idosa. Durou mais de um ano, ganhava bem e não tinha despesas, mas o dinheiro não é tudo na vida. Fiama queria liberdade.

“Comecei a namorar e quem começa a namorar quer vida”, resume, na explicação da mudança de ramo. Abriu um café, que acabaria por trespassar, cansada de tirar bicas mas sobretudo da cidade de Lagos.

Há seis meses rumou a São Brás de Alportel, onde voltou a ser cuidadora, desta vez externa. Pelo meio, tirou o curso de nadadora-salvadora. Trabalha como socorrista na praia, de abril em diante. Dividir-se-á então entre o ISN e a atual tarefa de cuidar da idosa. Trabalhará todos os dias, mas “o verão é mesmo assim, é para ganhar dinheiro”, justifica.

O mesmo dinheiro que pode justificar uma saída para outras paragens. “Depois de pegar a dupla nacionalidade não sei se não saio”. Rumo a Paris, por exemplo, aventa. Mesmo com multi-trabalho, reclama que em Portugal o ordenado é muito ruim, o mínimo é o preço de uma renda de casa. “Uma pessoa só a trabalhar dentro de casa não dá. Eu não consigo viver hoje em Portugal por menos de 1500 euros”.

No seu caso, vale-lhe serem duas pessoas, a esposa (casou entretanto) também trabalha. E vai montar um salão de cabeleireira.

Sobre matar saudades do Brasil é categórica e pragmática: “Em questão de saudades de pessoas a gente mata por videochamada”.

Já quanto a produtos brasileiros (há várias lojas de produtos brasileiros no Algarve) jura que já passou dessa fase. Até porque, quanto a hábitos alimentares, os seus gostos se aportuguesaram: “Como muito peixe grelhado e salada”.

J.P.

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