CANELA mais FINA

Aquilino e o Nobel

Começo esta minha crónica com uma pergunta impertinente: «Quem leu Aquilino Ribeiro?» Não ouço a vossa resposta, mas estou certo que a conclusão é: «Muito poucos!»

Alguém dizia a propósito de Aquilino Ribeiro […] «as livrarias deixaram de tê-lo nas estantes e os estudantes só com muito esforço conseguem aproximar-se do universo deste homem que soube como poucos conjugar a palavra liberdade mas que já não consta nos programas de Português desde os anos 80…»

A pergunta com “que arranco” esta crónica surgiu-me agora, com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura de 2013 (concedido em 2014) ao escritor Patrick Modiano, francês de 69 anos, com seis livros traduzidos em português e um total de trinta obras publicadas.

Aquilino Ribeiro nasceu a 13 de setembro de 1885 no concelho de Sernancelhe, freguesia de Carregal, e morreu em Lisboa a 27 de maio de 1963. Em 2007, a Assembleia da República fez-lhe uma homenagem e a transferência do corpo com honras de Estado para o Panteão Nacional.

Aquilino foi um ativista… em 1907 é preso, acusado de um ato bombista e em 1908 foge e refugia-se em Paris. Em 1921 participa com Jaime Cortesão, António Sérgio, Raul Brandão e Augusto Casimiro na fundação da revista “Seara Nova”. Esta publicação foi durante longos anos uma “espinha no flanco” do salazarismo e constante preocupação dos censores do regime. Em 1958 escreve “Quando os Lobos Uivam”, talvez o seu romance mais lido, que retrata bem a época do Estado Novo – a história decorre nos anos 40 do século XX – tendo como pano de fundo a expropriação forçada de terras para plantação de pinheiros. Esta obra foi apreendida no lançamento e Aquilino viu-se envolvido num processo do qual sairia finalmente amnistiado dois anos depois.

Poucos de vós recordareis quando, em 1960, o Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, Francisco Vieira de Almeida, propôs Aquilino Ribeiro como candidato ao Prémio Nobel da Literatura. Ele foi proposto como resposta dos escritores portugueses mais sonantes ao regime de Salazar, que lhe movera um processo judicial pela publicação do romance “Quando os Lobos Uivam”. Esta foi a forma que os escritores portugueses excogitaram para lhe testemunharem a sua solidariedade, porquanto consideraram que atacando-o a ele, o regime atacava-os a todos. Enquanto o Povo, à cautela, discutia este episódio “em surdina”…

Só mais tarde se soube que o júri do Nobel havia mandado a Portugal um representante da Academia Sueca e que era intenção desta dar o Prémio a Aquilino Ribeiro, se não fosse uma candidatura paralela, a de Miguel Torga, lançada sobretudo por homens do regime que não queriam que a premiação de Aquilino parecesse uma fraqueza do regime. E a imprensa salazarista compacta, como não podia deixar de ser, fez campanha contra Aquilino e a favor de Torga. A Academia Sueca, sempre prudente, perante tais divergências, optou pela posição mais cómoda, não votando nenhum dos dois e premiando em 1960 o escritor francês Saint-John Perse.

Omitindo os premiados com o Nobel da Literatura entre os anos de 1901 e 1959 (1960 foi o ano de Aquilino Ribeiro) limitar-me-ei, correndo o risco de ser rotulado de ignorante, a confessar-vos que nos últimos 54 anos, encontrei 35 escritores premiados de que nunca ouvi falar, nem nunca ouvi ninguém que tenha lido uma linha escrita pelo seu punho. Ei-los por ordem cronológica:

Saint-John Perse/1960; Giorgos Seféris/1963; Samuel J. Agnon e Nelly Sachs/1966; Yasunari Kawabata/1968; Heirich Böll/1972; Patrick White/1973; Eyvind Johnson e Harry Martinson/1974; Vicent Aleixandre/1977; Isaac B. Singer/1978; Odyssens Elytis/1979; Czeslaw Milosz/1980; Elias Canetti/1981; Jaroslav Seifert/1984; Wole Soyinka/1986; Naguib Mahfouz/1988; Nadine Gordimer/1991; Derek Walcott/1992; Kenzaburo Oe/1994; Seamus Heaney/1995; Wislaw Szymborska/1996; Gao Xingjian/2000; V. S. Naipaul/2001; Imre Kertész/2002; J. M. Coetzee/2003; Elfried Jelineke/2004; Harold Pinter/2005; Orhan Pamuk/2006; Doris Lessing/2007; Le Clézio/2008; Herrta Müller/2009; Tomas Tranströmer/2011; Mo Yan/2012.

E pergunto-vos: «Quem já leu algo dos 53 premiados atrás referidos?…» – Poucos, certamente.

Atribuir o Nobel da Literatura não é tarefa fácil. Há, inevitavelmente, critérios geopolíticos; é injusto, mas é assim…

A lógica do sucesso junto dos leitores não pode ser o único critério, de contrário daríamos vários prémios ao Dan Brown, ao Paulo Coelho, a E. L. James (autora da trilogia erótica “Cinquenta sombras…”), ou ao Ken Follet, para só referir alguns.

Convido-os a ler a lista completa dos premiados e fazer a vossa reflexão. É um interessante mergulho em 113 anos da história da literatura mundial.

O prémio Nobel da Literatura foi atribuído a Bertrand Russel (um pacifista) em 1950 e a Winston Churchill (um beli-cista) em 1953. Estas nomeações originaram fortes criticas por galardoarem dois homens contraditórios e “não-de-letras”, e especialmente, por ter sido concedido a dois cidadãos britânicos só com três anos de intervalo. Foi uma escolha corajosa, que provavelmente hoje não seria feita.

E termino, tal como comecei, com uma pergunta: «Quem já alguma vez ouvira falar, ou leu algo de Patrick Modiano, o Nobel agora galardoado?»

«Os patriotas falam frequentemente de morrer pelo seu país, e nunca de matar pela sua Pátria» (Bertrand Russell)

«O capitalismo é uma injusta divisão da riqueza. O comunismo é uma justa divisão da miséria» (Wisnton Churcill)

Luigi Rolla

 

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