Ao JA, Guadalupe Simões, a representante da Delegação Regional de Faro, diz que saem profissionais de saúde do SNS de todas as idades, mas constata a saída de enfermeiros com competências especializadas, “o que significa que os enfermeiros mais experientes e mais competentes estão a optar por sair”, o que “dificulta a integração de enfermeiros e as aprendizagens”.
“As pessoas preferem, assim que têm oportunidade, de trabalhar numa caixa de supermercado onde ganham mais do que o salário mínimo nacional e não correm os riscos que estão a correr enquanto trabalham num hospital, com um horário certo e não têm de fazer noites”, revela.
Segundo o sindicato, as chefias intermédias e os conselhos de administração “estão alertados” desta situação de existirem profissionais de saúde que vão sair, mas “nada fazem para garantir que esses profissionais se mantenham a trabalhar no hospital”.
“O sentimento que as pessoas têm é que não há reconhecimento pelo trabalho, pelo sentido de responsabilidade que é, por exemplo, fazer 16 horas seguidas, mesmo depois de dois anos de pandemia. A vontade que dá às pessoas é saírem e abandonarem a profissão ou irem para outros serviços que lhes garanta melhores condições de trabalho, onde consigam conjugar a sua vida pessoal com a profissional, que no CHUA e nos centros de saúde neste momento não é possível”, explica.
Guadalupe Simões salienta ao JA que existe “um cansaço físico e psicológico muito grande que advém do excesso de carga de trabalho que é feito além do horário normal e o facto dos enfermeiros constatarem que não têm vida pessoal”.
A representante do sindicato revela ainda que existem casos de jovens enfermeiros que começam a trabalhar no hospital durante o turno da manhã e “no final desse turno dizem que não voltam mais. Isso demonstra bem aquilo que é o sentimento de impotência que os jovens enfermeiros sentem, de saírem de uma escola e quererem prestar os melhores cuidados possíveis e de isso ser impossível face àquilo que são as exigências das pessoas e dos doentes”.
Em relação aos jovens enfermeiros, o sindicato refere que “não existe nenhum período de integração” e que os novos profissionais “quase que são atirados aos lobos no primeiro dia”.
“Isto é frustrante, porque por muito que os estágios permitam que as pessoas adquiram algumas competências, a autonomia do exercício da profissão faz-se a partir do momento em que as pessoas conseguem desenvolver essa autonomia. Não é no primeiro ou no segundo dia que começam a trabalhar que podem dizer que são autónomos e para isso é preciso haver um período de acompanhamento e de integração destes colegas”, explica.
Guadalupe Simões revelou ao JA que “o Algarve continua a ser a região do País com o menor número de enfermeiros por mil habitantes”, apontando as culpas para os conselhos de administração dos hospitais e da Administração Regional de Saúde (ARS).
“A maior dificuldade continua a ser a falta de enfermeiros. Apesar de haver, por parte do Ministério da Saúde, delegação de competências nas administrações dos hospitais e na ARS para contratar, o que se constata é a não contratação, uma opção do conselho diretivo, que entende que a necessidade dos recursos humanos tem de ficar refém do orçamento”, acrescenta.
Para o sindicato, o Algarve precisa de cerca de 600 enfermeiros, 350 deles no CHUA e 250 nos cuidados de saúde primários. No entanto, não há contratação. “A falta de proatividade das administrações para resolver problemas é gritante, preocupante e coloca em causa as respostas em saúde à população algarvia”, alerta a enfermeira.
A enfermeira representante do sindicato considera que o CHUA, de universitário, “só tem o nome” devido à perda de valências formativas do equipamento, “o que significa que cada vez mais os profissionais de saúde não podem fazer a sua formação especializada no hospital”.
“Naturalmente está a receber mais financiamento pelo nome de hospital universitário, mas na realidade e na prática deveria ser uma preocupação de todos os algarvios”, defende.
Guadalupe Simões considera que sem essa capacidade formativa, “significa que menos jovens enfermeiros e médicos irão para o CHUA para fazer a sua especialidade”, que provavelmente “iria permitir que, mais cedo ou mais tarde, se pudessem fixar na região”.
Guadalupe Simões explica que “naturalmente há uma orientação política para que as coisas aconteçam desta forma”, uma vez que “as administrações são nomeações de confiança política do Governo”.
“Ou as administrações seguem à regra as orientações do patrão ou então assumem que a sua primeira responsabilidade enquanto funcionários públicos é colocar os serviços a funcionar para dar as respostas que o SNS tem que dar. Entendemos que quer uma, quer outra, as administrações que hoje estão em funcionamento, quer na ARS quer no CHUA, deixam muito a desejar”, refere.
O sindicato pediu uma reunião com o conselho de administração do CHUA “há um ano” mas “não responderam ao pedido”. A enfermeira prevê que o futuro da saúde no Algarve “seja muito mau, com a entrega da prestação de cuidados ao setor privado”.
“Se isso acontecer, os responsáveis têm rosto: todos aqueles que foram eleitos como deputados pelo Algarve, ao longo destes últimos anos, do PS, PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda. Estes são os rostos a quem os algarvios, mais dia menos dia, têm de pedir responsabilidades pela ausência de respostas e cuidados de saúde na região”, aponta.
Gonçalo Dourado/Joana Pinheiro Rodrigues