Afonso do Ó contraria a ideia de Carmona Rodrigues – que deverá avançar mesmo, de acordo com o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, atualmente em fase de projeto, com os “impactos desconhecidos” que a captação de água no rio Guadiana pode trazer no futuro.
“A captação pode ter alguns impactos que nós ainda não sabemos. Esse é o maior problema porque estamos a jogar no desconhecido. Espanha capta água para o seu lado e nós vamos captar para a barragem de Odeleite sem sabermos que disponibilidades é que temos e quais são as necessidades dos caudais ecológicos”, advoga o especialista ao JA.
A captação de água no Guadiana, a montante do Pomarão, no distrito de Beja, é uma das medidas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado pelo Governo, que destina uma verba de 200 milhões de euros para a implementação do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve.
O país vizinho já efetua esta captação de água no Guadiana há vários anos, tendo sido aceite por Portugal “em situações de seca extrema”. No entanto, “o que acontece é que eles começaram a usar essa captação de forma permanente”, sublinha o ambientalista.
Ao longo dos anos tem havido vários estudos, feitos individualmente pelos dois países, mas “as coisas são mantidas em segredo e, portanto, ninguém sabe muito bem qual é a real disponibilidade e quais são os caudais ecológicos que têm que haver”, acrescenta Afonso do Ó.
Para o especialista é necessário que sejam estudadas as necessidades dos caudais ecológicos e que o lado português crie um documento onde seja planeada quanta água é necessária durante dias, semanas ou trimestres específicos, “vendo depois o que sobra”.
“É óbvio que em épocas mais húmidas ou normais vai sobrar e podemos fazer a captação tanto para Espanha como para Portugal, mas isso tem de estar formalizado para não haver discussões nem debates”, considera.
Apesar da Espanha tornar permanente aquilo que era uma situação de emergência, no país vizinho “a situação é mais complicada” porque a captação foi autorizada pela Junta de Andaluzia e não pelo Estado espanhol.
“Há um problema político e diplomático por resolver, além das lutas políticas, uma vez que a Junta da Andaluzia está contra o Governo”, esclarece.
Afonso do Ó falou ao JA à margem do webinar ibérico intitulado “Cooperação transfronteiriça, usos e escassez de água no Baixo Guadiana”, que decorreu através da plataforma Zoom na quinta-feira de manhã.
Segundo o especialista, durante o webinar, foi demonstrada a “boa vontade das partes” e que “tem que ser a mesma quantidade de água para um lado e para outro”.
“Tem que ficar acordado de uma vez por todas, porque andamos há 20 anos neste limbo e sempre que há seca o que acontece é que não há capacidade de satisfazer toda a procura, mas também não há nenhum acordo que diga o que fazermos quando há seca”, explica.
Afonso do Ó exemplifica ainda que este acordo acontece nos rios Douro e Tejo, mas em relação ao Guadiana não ocorre “porque há menos água e, portanto, há mais luta”.
Para esta captação, o especialista recorda que tem de ser feito um estudo de impacto ambiental, que deverá acontecer em 2023, mas tem “muitas dúvidas se será viabilizado”.
“Basta não se saber quais são os caudais ecológicos necessários para não ser autorizada a captação de água, sabendo que esta pode faltar para as coisas mais básicas”, explica.
Se houvesse impactos, eram conhecidos, reage Carmona
Em contraponto, o proclamado autor da captação de água no Guadiana para o lado português, Carmona Rodrigues, recorda que, “uma vez que já existe há muitos anos uma captação para o lado espanhol, se calhar agora já eram conhecidos os seus impactos”.
“Ou não houve impactos ou ninguém viu. Espanha tira mais água do que se pensou tirar da zona do Pomarão para Portugal, sem autorização nacional. Agora que impactos é que isso está a ter no estuário? Se alguém conhece, que os diga”, refere.
Carmona Rodrigues salienta ainda que em relação às necessidades dos caudais ecológicos, esse assunto “está muito estudado” pela Universidade do Algarve, Laboratório Nacional de Engenharia Civil e Agência Portuguesa do Ambiente.
Para o antigo ministro, a alegada inviabilidade deste projeto “carece de conteúdo” do ponto de vista científico.
Contra a barragem da Foupana
Afonso do Ó revelou ao JA que é “absolutamente contra” a construção de uma barragem na ribeira da Foupana, no concelho de Alcoutim, como foi sugerido pela autarquia na semana passada.
“Sou absolutamente contra a barragem da Foupana, num dos sítios mais secos do país, onde a chuva é mínima. Nós sabemos o que todos temos sofrido com a falta de água e construir uma barragem vai trazer impactos ambientais enormes para a região”, considera.
O especialista acrescenta que não se pode “pensar em aumentar a oferta com novas barragens porque a água é finita”, tal como a ideia para a Foupana que “provavelmente nunca iria encher”.
No entanto, o especialista considera ainda que o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve é “bastante razoável”, apostando na dessalinização, na gestão da procura, na redução das perdas nas redes de distribuição e na reutilização de águas residuais.
Em relação à dessalinização, Afonso do Ó refere-a como “uma boa opção” que apesar de “ter muitos impactos ambientais”, tem “uma base permanente de água para a região e não depende da chuva”.
“Muitos países têm vindo a adotar essas medidas e nós finalmente estamos a dar um passo na direção certa”, conclui, reforçando todavia que exclui a prevista captação de água na zona alentejana do Pomarão.
Gonçalo Dourado