SMS 389 – Eles perdem a razão esta noite
Naturalmente que aos intelectuais ou aos que fizeram dos livros a vida, e do ensino uma missão como numerador e profissão como denominador, não se exige que encham o Estádio Algarve e gritem contra o árbitro num afamado Benfica-Cachopo, como também ninguém esperará que sejam os magalas recrutados à força em Albufeira, os nómadas da Andaluzia, ou ainda os calceteiros marítimos de offshore e os canalizadores aeronáuticos que dão em gestores públicos quando falhada eleição os subtrai de emprego político, ninguém espera que essa gente do subterfúgio componha a sala algarvia, qualquer sala onde se ouça alguém que seja referência do pensamento, da arte, da história, da economia ou da ciência. Aí, nessa sala, seria de encontrar e até se exigiria encontrar como mancha predominante da assistência, não os putativos assessores mentais da ex-ministra mas, sim, os Professores, sobretudo os da terra e arredores. Infelizmente, ocorra isso na sala nobre de Portimão e as presenças são quinze exceções e já é bom; em Lagos são onze dos cinquenta que deveriam estar; em Tavira, sempre a meia-dúzia; em Lagoa, ficam no Carvoeiro; em Silves, os sete da simpatia circunstancial e, com sorte, mais sete arrastados; em Olhão, quem não vai descarta-se sempre com a tal desculpa que os caixeiros-viajantes de outrora usavam para a noite fora de casa; e até em Faro, santo deus, se não há convite personalizado e confirmado, as altas importâncias ficam nas pantufas, pois na sala, dos cento e vinte e quatro aguardados, é o quarteirão do costume.
Dir-me-ão uns que isto acontece por efeito do “desenraizamento”. Outros, que foi falta de “comunicação”. Outros ainda, que os “bilhetes” são caros. E poucos, lá confidenciam num assomo de sinceridade que o “evento” coincidiu ou com o Benfica-Cachopo, o Cachopo-Sporting ou o Porto-Coiro da Burra.
Não vale a pena bater mais no ceguinho: a ausência dos Professores dos atos culturais públicos, por mais piedosas que sejam as desculpas, é a prova de que não há Vida Cultural, pois não há vida cultural e cultura viva com os Professores divorciados da Sociedade e à margem de tudo o que aconteça fora das escolas – ou seja, que não sirva para curriculum e prejudique o conforto da pantufa.
Sejamos claros: se alguma coisa cultural de importante ocorrer esta noite, seja em Lagos, no Coiro da Burra, em Tavira, no Cachopo que é prova dos nove, ou nessa prova real que é Faro, e os Professores em peso lá não estiverem, eles perdem razão esta noite.
Flagrante México in Algarve: O México não tem culpa, mas três encapuzados, nesta segunda-feira, entraram pelo snack-bar em zona rural, raptaram um homem, obrigaram-no a entrar para o seu furgão de distribuição de cigarros que roubaram, abandonando o infeliz em sítio ermo. Dois soldados da GNR à paisana presenciaram a ação mexicana e ninguém levantou um braço, e para quê se a justiça existe? Voltámos ao Remexido do século XIX, já nem é necessário recriação teatral.