CARLOS ALBINO

SMS 383 Os carris do czar

Conta-se que os bolcheviques, nos calores da revolução russa de 1917, arrancaram os carris construídos pelo czar apenas porque, por isso, seriam caminhos-de-ferro czaristas, e que, com o mesmo ferro refundido e no mesmo traçado, reconstruíram caminhos-de-ferro então sim caminhos-de-ferro revolucionários… Vem isto como exemplo de quanto a irracionalidade pode ir longe e até ao inimaginável, não sendo coisa própria ou exclusiva de ditaduras – nas democracias também há indícios ou mesmo práticas próximas do ridículo dos bolcheviques. Sim, é à Via do Infante que nos queremos referir.

Pelo noticiário quotidiano mais recente, por aí surgiu uma associação de utentes com certidão de nascimento contra as portagens e porque algum dos promotores, como consta, é do Bloco de Esquerda, logo todos os membros presentes de tal associação e todos os futuros até à quinta geração serão forçosamente dos carris desse partido. Depois, foi o PSD da região a demarcar-se da respetiva direção nacional que impôs ao governo do PS a condição de “ou todos ou ninguém”, e em protesto claro contra as portagens, insurgiu-se contra aproveitamentos partidários mas apoiando os protestos, pelo que remeteu o ferro para a “sociedade civil” que é aquela coisa onde a política não tem código postal e, como se sabe, é tão nómada como uma tribo cigana. E estava a desenhar-se esse quadro, quando o PS da região que nos últimos dois anos tem tido pesadelos com a questão, surge a dizer, por um dali, que o partido não pode ir a reboque do PSD, mas acolá a ter de considerar como “legítimo” o protesto mas que “não alinha num protesto do BE”, que, segundo o mesmo PS está a “instrumentalizar” a insatisfação de alguns…

Afinal qual é o problema? O problema da Via do Infante será apenas o de que o PSD não quer que o BE proteste ou se intrometa no protesto que deve ser da “sociedade civil”? Consistirá esse problema apenas em que o PS não sabe como protestar sem que o faça ao lado do PSD, ou seja em “sociedade civil”, ou se deve ter o seu próprio protesto não alinhando em outro qualquer protesto, fazendo excursões às obras da 125 a norte de Faro como se o resto fosse paisagem para a “sociedade civil”? E será assim tão grande problema para a Via do Infante, o BE não perder a ocasião para mobilizar apartidariamente contra o PS e contra o PSD, já que o PCP disse em junho, e parece que mantém, que os protestos devem chegar exatamente “ao PS e ao PSD”? Ou seja, o problema dos algarvios quanto a portagens na Via do Infante será apenas o de que todos parece que querem porque têm de protestar mas cada um arrancando os protestos dos outros para reconstruir o mesmo protesto, com o mesmo ferro e no mesmo traçado dos carris do czar?

Mas porque é que um protesto, se é protesto legítimo, não há-de ter gente do PS, do BE, do PCP, do PS ou seja de quem for que não esteja seja militante de partidos ou tenha sido e já não é? E o que é isso de “sociedade civil”, como se esta fosse a da gente pura e não contaminada pelos partidos? Haverá? E será conveniente que volte a haver uniões nacionais dessas entre anónimos de trazer por casa, consoante as conveniências, já que não somos assim tantos e os que somos, mais ou menos conhecemo-nos todos uns aos outros?

Os partidos da região, mais uma vez, estão a falhar. O PS da região parece que não aprendeu com as últimas eleições, com os seus poucos deputados eleitos ou repescados a atirarem os foguetes e a apanharem as canas, com a demonização do “aproveitamento partidário”; o PSD da região parece que não percebeu que não tem peso específico nos órgãos nacionais decisores do partido, fazendo-se ouvir sem receio do sotaque sulista; o BE parece que também não percebeu que as boleias na A 22 não resultam; o PCP e o CDS pouco podem fazer, a não ser comunicados. E essa falha dos partidos será dramática se o protesto, qualquer protesto, for por acaso inorgânico, espontâneo e incontrolável – o que é sempre lícito admitir sobretudo quando os partidos não formulam com rigor, isenção e seriedade o problema, antes de pregarem a solução ou, mais grave ainda, antes de cada um, arremedo de czar ou bolchevique apalhaçado, impor a sua solução como exclusão das soluções dos outros.

Flagrante emoção: A de ouvir os Artistas de Minerva a executar o hino nacional, em Loulé, em uníssono com as bandas de todo o país.

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