CARLOS ALBINO

 SMS

A pobreza envergonhada

 

Não vale a pena esconder porque está à vista. Cada vez mais, à noitinha, se vê gente a vasculhar caixotes do lixo nas cidades e vilas do Algarve, à procura de qualquer coisa que pareça alimento; cada vez mais os carenciados, cabisbaixos e tapando o rosto, procuram as sobras das cantinas escolares; cada vez mais, os mesmos ou outros, no fecho de pastelarias e restaurantes pedem a comida inaproveitada. Não há estatísticas da pobreza envergonhada, mas ela aí está apunhalando o coração dos mais sensíveis e acordando sentimentos de solidariedade urgente. Sabe-se, pelos números das instituições de apoio social (banco alimentar, misericórdias, Cáritas), que a pobreza assumida galopa. Da pobreza envergonhada, causada pelo desemprego prolongado e pela redução drástica e cega do socorro público, dessa não há números mas sobe em flecha, paradoxalmente tanto quanto em flecha sobe o enriquecimento de uma minoria que, por tradicional coerência, também enriquece pela calada (o número de bimilionários cresceu 20% em Portugal, o que é obra em tempo de crise extrema). Quanto a pobres, já foi assim (quem não ouviu ou não sabe dos relatos dos tempos do mercado negro?) e volta a ser assim. Ainda não se vêem, como nos anos 50 do século passado, dezenas de pedintes em alas à porta das igrejas pedindo “uma esmolinha para o pobrezinho” ou “um panito pelas alminhas dos seus”, mas o que está a acontecer e que pode ser observado por quem percorra as ruas com a intenção de observar, dá no mesmo.

 

Acontece isto numa terra cheia de hotéis sumptuosos mas na generalidade ancorados no estrangeiro, numa terra com o litoral esquadrinhado por campos de golfe a perder de vista e a fornecer sempre matéria para as revistas sociais, numa terra de desfile de turistas sem dúvida inebriados pelo sol, praias e pouco mais, numa terra cujas marinas estão repletas de iates milionários. Nada disso se inveja ou se deve invejar, desde que tudo isso fosse sinal de uma economia saudável, equitativa, geradora de emprego com remuneração justa, e circuito de trabalhadores e empresários responsáveis. Ninguém pode exigir que o paraíso esteja na terra mas também ninguém pode conviver com o inferno na mesma terra.

Mal está decorrido um mês e picos sobre os calores eleitorais das autárquicas, em que todos, fossem apoiantes do actual poder governamental ou titulares da oposição, proclamaram que “o importante são as pessoas” e que a política “deve estar ao serviço das pessoas”, a tal ponto que na maior parte das comarcas em disputa quase não havia diferença de discurso entre gente do poder que se dissimulou e gente da oposição que oxalá não se tenha simulado, e parece que, decorrido este mês, esse discurso “para as pessoas” está esquecido. Pode ser engano mas parece. Ainda não se viu uma única medida urgente para as pessoas, sendo estas pessoas, obviamente os pobres quer os envergonhados quer os assumidos. Regista-se apenas que foi a Igreja Católica a ordenar a criação de gabinetes em cada paróquia para apuramento da situação. Situação que é grave, não vale a pena esconder e que, pelo menos nas câmaras eleitas pelo discurso “para as pessoas”, justificaria a criação de pelouros com vereadores responsáveis para atacar o problema pela via de políticas públicas locais e não pela caridadezinha. Um pregão de solidariedade que se esgota numa campanha eleitoral, não é pobreza, é miséria.

Flagrantes vizinhos: A execução do Castro Predial começou pelo município de Loulé como experiência pioneira no País e mal começou, começou também o roubo dos novos marcos delimitadores das terras. Por favor, não digam agora que os ladrões são ciganos, moldavos, russos, senegaleses, marcianos…

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Agora temos o efeito da politica neoliberal tão querida a todos nós. Se intimamente pensamos emburguesarmos à custa do empobrecimento do próximo, pensámos mal, pois o enriquecimento desses 20% foi à custa do empobrecimento de uma percentagem muito mais alargada de pessoas.
    Discordo que alguém tenha vergonha na cara ou a consciência pesada. As elites continuam a ter o apoio dos caciques e é vê-los na televisão rodeados de ilustres desconhecidos muito vaidosos em terem a oportunidade de os paparicarem e mostrar quão bem sabem receber.
    A senda é de desvalorizar o trabalho e alocar esses fundos no capital. Nesse sentido, diminuíram os beneficiários sociais, reduziram os salários, aumentaram as horas de trabalho, aplicaram uma taxa aos interessados em se candidatarem a um posto de trabalho ie. o concurso dos professores, abre o precedente, e qualquer dia podemos ter uma taxa penalizadora nos desempregados, a fim de os motivar a procurar emprego.
    Quanto mais desempregados, mais barata fica o custo da mão de obra.

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