Vai Andando Que Estou Chegando
No momento em que escrevo esta crónica decorre mais uma Cimeira da União Europeia, em princípio destinada a discutir o emprego e o desenvolvimento. Não alimento qualquer esperança que daqui venham a sair soluções viáveis, equilibradas, para resolver problemas dramáticos que a Europa e em particular o nosso País, enfrentam sobre tais matérias. À crise económica, financeira, em que permanecemos e da qual não se vislumbram saídas, soma-se uma enorme ofensiva ideológica para sustentar, politicamente, projectos de natureza neoliberal, hoje em curso, nos diversos Países que constituem a EU, governados maioritariamente por governos de centro direita.
Projectos políticos de governação que preconizam e pretendem levar a cabo transformações profundas na arquitectura das sociedades contemporâneas, no espaço europeu, em boa parte fruto de conquistas políticas e sociais obtidas a seguir à segunda guerra mundial e que, resumidamente, poderemos identificar tendo como base quatro teses fundamentais.
Em primeiro lugar, a tese da inevitabilidade das medidas tomadas para responder à crise económica e financeira em que caímos e da qual e com a qual muitos dos seus responsáveis enriqueceram, aprofundando dessa forma o fosso das diferenças sociais hoje cada vez mais escandalosamente evidente, assente na ideia da culpabilização genérica, através do hipócrita e cínico argumento, da crise se dever em boa parte ao facto de termos vivido e gasto acima das nossas possibilidades. Como se todos tivéssemos vivido, todos aqueles trabalhadores por conta de outro, usufruindo dos mesmos rendimentos e gastando no consumo dos mesmos produtos.
Em segundo lugar, a tese do esvaziamento do papel do Estado na economia entregando sectores vitais a privados e empobrecendo dessa forma o papel regulador que lhe deve caber.
Em terceiro lugar a tese da insustentabilidade do Estado Social, ou seja do direito de acesso a um sistema de saúde pública universal, à educação prestada pela escola pública, e a um sistema público garante de uma reforma condigna, para a qual se pagou ao longo da vida os respectivos impostos. Argumento sustentado no falso pressuposto que o País não produz riqueza suficiente para alimentar tais sistemas e portanto nos temos de conformar com a redução da quantidade e qualidade prestada pelos serviços públicos pagando, quem pode, a privados que nos atenderão sempre com maior prontidão e eficácia, num processo que a ser inteiramente executado nos conduziria para os hospitais de má memória das antigas Misericórdias onde se entrava não para ser tratado, mas para morrer.
Em quarto lugar, a tese de que não existe alternativa ao que está sendo proposto e praticado. Tirando partido da insegurança e do medo, sentimentos que condicionam a luta e o protesto que a situação exige, avançam fazendo tábua rasa de direitos, precarizando e desvalorizando o trabalho, exigindo sacrifícios que se tornarão a curto ou médio prazo insuportáveis.
Toda esta panóplia ideológica tem igualmente como objectivo sustentar a ideia de que a esquerda não é alternativa, por culpas de passado e presente, como os restos da sua existência se esgotarão a curto prazo. Nesta direcção procurarão levar tão longe quanto possam a criação de um clima social marcado pela desistência e a acomodação, mesmo que há custa da perda de direitos e suportado em inimagináveis agruras de vida, num contexto, no qual, algumas formas de exercício de poder se exprimem com arrogância e das quais se pode vislumbrar uma relação difícil com a liberdade, de forma a não nos surpreender que o seu livre exercício possa ser, a dado momento, considerado um luxo dispensável, porque a crise assim o exige.
É então neste quadro que nos temos de situar para, pacientemente, construirmos com toda a esquerda e na visão que tenho de uma esquerda alargada têm lugar membros do PSD, um projecto alternativo que confiadamente ganhe forças e se enraíze na consciência social da nossa sociedade.