Catástrofe no sul de Portugal foi há 264 anos: 1755 foi sintoma de que Atlântico está a desaparecer

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Tem um período de retorno de 1800 anos, mas um sismo como o de 1755 poderia acontecer já amanhã. Se isso ocorresse, dar-se-ia exatamente 264 anos depois do outro, o maior de que há registo. Grandes sismos que são um sinal de que o Atlântico vai desaparecer um dia

Faz amanhã (sexta-feira, 1 de novembro) precisamente 264 anos. Boa parte do Algarve estava na missa, cumprindo o ritual do Dia de Todos Os Santos. Eram 9h41. E de repente tudo abana, construções caem, o chão abre fendas, gente fica debaixo dos escombros, outros, desesperados, correm para a rua ou para a beira-do-mar. De pouco lhes valeria: minutos depois, um imenso tsunami com ondas que, no Barlavento, chegam aos 15 metros, assola toda a costa algarvia. Quem não morreu antes, morreu afogado, na enorme vaga que tudo inundou e seu refluxo.

Ninguém sabe ao certo quantos morreram. Há quem fale em 90 mil, mas os números têm sido revistos em baixa. Hoje estima-se que terão morrido, em Portugal, 20 a 30 mil pessoas. E milhares de outras pela Europa e Norte de África. Em Marrocos terão morrido 10 mil. As ondas sísmicas chegaram à Finlândia, o tsunami chegou ao Rio de Janeiro!

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A magnitude do terramoto de 1755 terá sido da ordem dos 8,6 e a sua localização – de acordo com avaliações comparativas de intensidade feitas com base nos inquéritos que o Marquês de Pombal fez aos padres de paróquias afetadas – o epicentro ter-se-á situado a cerca de 200 km a sudoeste do cabo de São Vicente, no oeste algarvio. Mas subsiste a incerteza. Afinal, na altura não havia registos sísmicos e tudo o que se julga saber se baseia em estimativas baseadas em documentos descritivos.

Segundo o geólogo João Duarte, da Faculdade de Ciências de Lisboa, o sismo teve lugar na zona de fronteira das placas africana e euro-asiática, duas enormes formações tectónicas que dividem os dois continentes, do largo dos Açores ao Mar Mediterrânico, passando por Gibraltar.

Nos últimos 20 anos, uma equipa internacional de cientistas estudou as estruturas profundas do Oceano Atlântico, com base na mais recente tecnologia sonar, e chegou a uma conclusão surpreendente: a placa oceânica está a “mergulhar” por baixo da continental, a uma profundidade de 200 km. “Como dois livros comprimidos um contra o outro e um deles começa a en-fiar-se debaixo do outro”, compara o docente universitário, que colaborou no estudo.

Susana Custódio

Continentes “viajam” um em direcção ao outro
Falamos de placas gigantescas, de cerca de 100 km de espessura, ainda assim pouco mais de 1% do raio da terra. Enormes, mas que não passam de “uma pincelada de tinta espessa no globo terrestre”, como equipara Susana Custódio, sismóloga da Faculdade de Ciências de Lisboa.

Assinalando que os oceanos também têm um ciclo de vida – nascem, expandem-se e finalmente diminuem e morrem, João Duarte sustenta que o sismo de 1755 (e também o de 1969) é um indício de que o oceano atlântico pode estar a começar a fechar. A Europa está a aproximar-se da América. Os dois continentes, calculam os cientistas, unir-se-ão dentro de 200 milhões de anos. Uma escala de tempo enorme para os nossos tempos de vida, mas diminuta face aos 4.500 milhões de anos de existência da Terra.

O terramoto de 1755 foi consequência da acumulação de tensões resultante da aproximação dessas placas, conforme sustenta Susana Custódio: “Nas fronteiras destas placas, há ciclos de libertação e acumulação de tensão. As placas euro-asiática e africana estão em colisão, a aproximar-se uma da outra e isso provoca uma acumulação de energia sísmica na litosfera nessa região”. A litosfera, a camada mais superficial do planeta, tem um comportamento elástico e, como num elástico, à medida que se vai deformando acumula energia. Que é libertada sob a forma de sismos. O de 1755 foi o maior de que há registo, mas houve vários ao longo da História.

Pedro Tenrinha

Aliás, o movimento vertical da placa que se encontra por cima (neste caso a placa continental) deu origem ao tsunami de 1755 e é devido a esse tsunami que sabemos hoje que aquele terramoto teve origem oceânica, explicou ao JA o especialista Pedro Terrinha, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

No fenómeno de 1755, sob pressão do bloco que lhe fica por baixo, o bloco que está por cima sobe, pois trata-se do que os cientistas chamam uma “falha inversa”, uns sobreposição de placas posicionadas em baixo ângulo, explicou o especialista do IPMA.

A catástrofe pode não chegar do mar
De acordo com os cientistas e professores ouvidos pelo JA, o Algarve é a região mais sísmica do País porque se encontra mais próximo da rede de falhas que constituem a fronteira daquelas duas placas. Quanto mais próxima uma região estiver do epicentro, maior será a intensidade sentida de um sismo.

E, no Algarve, tal como se constatou em 1755, a zona mais perigosa é a do Barlavento. Tentando avaliar as consequências de um futuro sismo de epicentro oceânico, João Esteves assinala que no Algarve os maiores danos serão de Vila do Bispo a Lagos, por causa da proximidade de possíveis epicentros oceânicos. Também serão maiores nas zonas de transição entre a serra e o barrocal, vales em que, no sismo de1969, os danos foram amplificados. E igualmente nas zonas ribeirinhas, onde houve depósito de material aluvionar ao longo dos tempos. Esses são os locais de maior risco do Algarve.

Aliás, em 1755 foi enorme a destruição entre Vila do Bispo e Portimão: em Vila do Bispo, por exemplo, só uma casa ficou de pé, e Lagos ficou praticamente arrasada, embora seja difícil avaliar onde acabam os estragos causados pelo sismo e começam os provocados pelo tsunami, que chegou a causar ondulação de 15 metros, junto ao cabo de São Vicente, mas cuja onda na costa sul chegou aos 10 metros.

Mas o especialista em perigosidade sísmica João Duarte Fonseca, do Instituto Superior Técnico, sustenta que estamos a descurar a perigosidade dos sismos continentais. Como o de Benavente, em 1909, que fez 60 mortos, mas poderia ter feito muitos mais se a maioria dos habitantes locais não andasse no campo à hora a que se deu.

“Estamos obcecados com o cenário de 1755 e distraímo-nos deste outro do sismo continental. Estudos mostram que a perigosidade é maior com sismos moderados com epicentro em terra”, afiança.

O cientista observa que um terramoto mais moderado que ocorra mesmo debaixo de uma cidade é muito mais sério do que um terramoto forte a 200 km. “E nós estamos tão obcecados com esse cenário de 1755 que nos distraímos desse outro cenário. Esta ideia não passa. Os nossos códigos estão agarrados a ideias de há 40 anos que nunca foram revistas”.

JP.

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