Catorze ilustres algarvias donas do seu futuro

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Em vésperas do Dia Internacional que celebra a luta das mulheres pela sua emancipação e autodeterminação, o JA foi ouvir algumas das melhores representantes do sexo feminino, das muitas que todos os dias “dão cartas” no Algarve sobre a sua luta, expetativas, frustrações e desejos. Elas já ocupam lugares outrora reservados aos homens. São dirigentes da Administração Pública, agentes da cultura, futebolistas, chefs de cozinha, empresárias, DJ’s, bailarinas. Falam sobre discriminação e igualdade, cada uma no seu prato da balança

As Nossas Perguntas

1. O seu percurso profissional tem sido uma caminhada árdua?

2. Alguma vez se sentiu discriminada por ser mulher?

3. Sente que homem e mulher, enquanto profissionais, competem no mesmo tabuleiro? Ou o jogo está inquinado à partida?

4. A que teria acesso se fosse homem e acabou por não ter? Quais os obstáculos que encontrou?

ADRIANA FREIRE NOGUEIRA
55 anos, natural do Bombarral, doutorada em Literatura e Cultura Clássicas, professora universitária, atualmente em comissão de serviço, a exercer o cargo de Diretora Regional de Cultura do Algarve, em Faro

  1. Não. Trabalho intenso, mas não árduo. Tem sido muito gratificante e de grande aprendizagem, tanto o percurso académico, como o cargo que agora ocupo.
  2. Não. Em casa, sempre se trataram rapazes e raparigas do mesmo modo.
    Profissionalmente, também não. Isto não significa que não saiba (como todos nós) da abundância de casos de discriminação, incluindo (lamentável), a mulheres, quando engravidam. É uma realidade.
  3. Haverá desigualdade (e, consequentemente, discriminação, não é só de género, mas de etnia, religião, classe, etc.), até haver uma real igualdade de oportunidades.
    A igualdade existe na constituição e nas leis, mas o problema é mais profundo e está enraizado na sociedade e em cada um e cada uma de nós.
    Enquanto se atribuir às mulheres – e estas aceitarem – que casa e filhos é responsabilidade sua, e que os homens apenas “ajudam”, não se resolvem questões como a participação feminina em cargos de direção, na política e outras áreas.
    Por exemplo, nas nossas universidades, havendo mais mulheres doutoradas do que homens, há mais professores do que professoras, bem como muito mais homens diretores de faculdade do que mulheres. E só temos 5 mulheres reitoras. Na área política, no Algarve, há 4 mulheres presidentes de câmara. No parlamento, nem chegam a 40% as deputadas. Os exemplos multiplicam-se, em todas as áreas. E nada disto é por falta de competência.
  4. Quando jovem, católica e catequista, tinha muita pena de não poder ser padre. Achava uma injustiça.

ANA CRISTINA MARQUES GUERREIRO

63 anos, natural de Loulé, cresceu e estudou em Faro, até ir para a Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (Universidade Nova de Lisboa). É Diretora do Departamento de Saúde Pública e Planeamento da ARS Algarve IP e Delegada de Saúde Regional do Algarve.

  1. À partida, não seria o adjetivo que escolheria para definir a caminhada… com exceção destes mais de 2 anos de Pandemia. A caminhada tem sido consistente, com muitos desafios e superação dos mesmos, com todo o trabalho e prazer que isso traz. Sempre com entrega e tentando dar o máximo. Identifico-me muito com o verso de um poema de Ricardo Reis / Fernando Pessoa “Põe quanto és no mínimo que fazes”.
  2. Se eu respondesse que não, seria para fugir à pergunta / resposta. Ao longo destes mais de 60 anos senti muitas vezes discriminação por ser mulher, sim. Em adolescente, por não conseguir fazer determinadas atividades ou ir a determinados locais, ou a horas mais tardias. Em adulta, essencialmente por compromisso familiar, muitas vezes por decisão própria (em situações que para os homens os dilemas não se colocavam, do género de horários prolongados, viagens de trabalho,…). Em contexto de trabalho, ainda que de forma velada, por diversas vezes senti discriminação, quer por chefias, quer por colegas, por tratamento mais “paternalista” ou mais “autoritário” e também assisti a comportamentos desses para com outras mulheres.
  3. Penso que, atualmente, estamos praticamente “a competir no mesmo tabuleiro”. Refiro-me ao meu contexto profissional alargado – Ministério / Sector da Saúde. Note-se que temos uma Ministra e uma Diretora Geral da Saúde ambas mulheres.
  4. Não sei se teria alterado grandemente o meu “Índice de Felicidade” mas, gostaria de ter feito Inter-Rail / viajar em grupo quando outros meus amigos fizeram. Gostaria de ter alargado horizontes numa fase mais precoce da minha vida e não o fiz porque os meus pais não permitiram. Se fosse rapaz, tê-lo-ia conseguido. Outro sonho que tive foi ser piloto da Força Aérea, coisa que nem tentei!… não havia hipótese. No entanto, a experiência de maternidade foi de tal modo compensadora, que não a trocava por nada. A forma como as mulheres se envolvem e se veem envolvidas na maternidade é única, adorei ser mãe e acompanhar o crescimento dos meus filhos e não trocaria essas vivências por outras que eventualmente teria conseguido sendo homem.

ANA VARGUES GOMES
44 anos, natural de Lisboa, licenciada em Medicina, especialista em oncologia médica e com competência de gestão em serviços de saúde pela Ordem dos Médicos. Atualmente é Presidente do Conselho de Administração do CHUA (Centro Hospitalar Universitário do Algarve)

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  1. Nada se consegue sem trabalho. O meu percurso profissional tem sido de muita determinação e trabalho. Fui militar numa altura em que as mulheres começaram a ter acesso às Forças Armadas, daí entrei para o curso de Medicina que fiz em 6 anos na Universidade Nova de Lisboa. Fiz a minha especialidade no IPO Porto, e depois vim trabalhar para Lisboa por falta de vagas no Norte do país. Mal pude regressei.
    Fui fundadora e presidente do grupo de estudos nacional de cabeça e pescoço. Internacionalmente sou a médica oncologista mais jovem a ter sido convidada a moderar uma sessão no congresso americano de oncologia, e a única portuguesa a integrar o Board da Sociedade Europeia de Cancro de Cabeça e Pescoço, tendo conseguido trazer para Portugal pela primeira vez, o congresso europeu que se irá realizar em 2023 em Lisboa. Tudo isto sendo esposa e mãe de 3 filhos e madrasta de outros 3.
  2. No inicio da minha vida militar talvez, a própria instituição não estava preparada para nos receber, e foi um choque para todos, mas rapidamente as pessoas nos reconheciam pelo mérito, e essa desconfiança desaparecia.
    Na vida profissional não, na realidade não dou grandes hipóteses de isso acontecer porque não sinto que ser mulher seja motivo para tal. As mulheres devem ser reconhecidas pelo seu trabalho, e não pelo seu género, quando aceitamos questões como as quotas de género estamos a diminuir o valor de quem é nomeado para esses cargos simplesmente para cumprir as quotas, seja homem ou mulher. Os lugares devem ser ocupados por quem for mais capaz e competente.
  3. Sente que homem e mulher, enquanto profissionais, competem no mesmo tabuleiro? 
    Sinto que competimos no mesmo tabuleiro, embora muitas vezes a sociedade em geral e as chefias ainda façam com que as mulheres se sintam mal em determinadas ocasiões, por exemplo, porque é que tem que ser a mãe a gozar a licença de maternidade? O pai é tão competente quanto a mãe para cuidar dos filhos, mas a sociedade julga sempre e condena a mãe que opta por regressar ao trabalho mais cedo.
    Os meus filhos nunca me impediram de fazer estágios fora do país, na Bélgica, nos Estados Unidos, de ir a congressos fora apresentar trabalhos, etc. O facto de ser mãe nunca me fez sentir que tinha que optar por ter uma carreira profissional ou ser mãe, sempre pude ser as duas coisas, mas tal como disse, para a sociedade isto por vezes é ininteligível.
  4. Na realidade não há nada, até à data, que eu tenha desejado fazer que não conseguisse por não ser homem. Os maiores obstáculos na minha vida profissional sempre foram pelos desafios que me colocaram e não pelo género, mas mesmo esses fazem com que queira trabalhar mais e melhor para provar que serei capaz de os ultrapassar da melhor forma.

FÚLVIA ALMEIDA
44 anos, natural de Portel, distrito Évora, licenciada em Jornalismo. Atualmente Diretora Artística na ArQuente – Associação Cultural, em Faro

  1. De uma forma geral, não sinto isso. Claro que tenho tido algumas pedras no caminho e que certas alturas têm sido mais desafiantes, mas o meu percurso profissional tem sido tranquilo e fluido. Tenho tido a sorte de me cruzar, quase sempre, com pessoas de bom carácter, sendo o respeito a base do nosso relacionamento. Salvo uma ou outra exceção. 
  2. Numa ou outra situação, sim. Às vezes a discriminação não é óbvia. Há que lê-la nas entrelinhas. No entanto, já passei por uma situação de assédio no trabalho, e essa sim foi difícil de ultrapassar. Trabalhei seis meses num local onde o meu superior hierárquico estava constantemente a insinuar-se a mim e a fazer-me convites e comentários atrevidos. Chegou mesmo a abraçar-me à força e a minha reação não foi a mais pacífica… Enfim. A solução que arranjei, na altura, foi despedir-me. Talvez devesse ter feito queixa…
  3. Sinto que nos últimos anos, e falando apenas do que se passa no nosso país, a realidade é menos dura para nós, mulheres, pois há uma consciência social, e individual, maior. Mas ainda há muito trabalho para fazer no que diz respeito a essa matéria. No final do ano passado, por exemplo, um relatório da OCDE, revelou que as mulheres em Portugal têm mais dificuldades em arranjar trabalho e chegam a ganhar 78% do salário dos homens em empregos com as mesmas qualificações, portanto… Isso significa que ainda há um longo caminho a ser percorrido!
  4. Não me ocorre nada digno de referência, confesso. Bem, eu acho que o maior obstáculo que nós, mulheres, enfrentamos é a convicção coletiva, ainda que inconsciente, de que para se fazer parte do mundo dos negócios, da política ou das grandes decisões é preciso abdicar do que é ser-se mulher no seu todo! 

HELENA ISABEL BRITO

48 anos, natural de Faro, locutora de rádio, Dj /promotora eventos, Criadora da marca Raveolutions, em Faro.

  1. O meu percurso profissional não foi árduo mas já dura há muito tempo e são muitos anos de amor à música, à rádio, ao público.. quando nos entregamos aquilo que realmente amamos… O árduo transforma se em conquistas e objectivos que nos fazem olhar para trás e ter a certeza que há sempre mais para caminhar e que vale a pena! 
  2. Sinceramente no meu âmbito profissional NUNCA… Até pelo contrário, na altura quando comecei tanto em rádio como Dj e promotora de eventos e artistas eram poucas as mulheres que estavam nesta área artística, agora há mais, mas senti empatia pelo facto de ser das poucas mulheres que faziam rádio e andavam por todo lado numa equipa de homens a entrevistar artistas e a por música à noite. Sempre me respeitaram e me deram importância, embora algumas vezes me fizessem a pergunta… “Já é tarde para ti?” Não sei se a resposta poderia trazer alguma discriminação ou não mas eu respondia sempre o mesmo… “Para mim não.. Para ti é?”
  3. Depende do âmbito profissional e da educação de cada um…para mim não há jogo nem competição, cada vez mais a igualdade de sexo está ao nível equiparável e as mulheres são sem dúvida até uma inspiração para os homens e os homens também para as mulheres, existem injustiças hierarquicas mas o jogo está no mesmo tabuleiro.. Jogam os 2 e podem mutuamente ganhar ou perder, o fim do jogo só acaba quando fecharmos os olhos… É a minha opinião!
  4. Se fosse homem seria exatamente igual, somos todos iguais e todos diferentes ao mesmo tempo… A diferença está em cada coração e a forma como olham para o Mundo. As mulheres atualmente expõem-se mais que os homens e acho que isso também faz com que haja esta situação de constrangimento. Há uma coisa maravilhosa que nós mulheres temos e que infelizmente os homens não… Sentir no seu ventre o amor eterno. É algo maravilhoso que só as mulheres podem sentir! 

JAMILA MARTINS
33 anos, natural de Lagos, formação na área da restauração. Jogadora amadora de futebol no Clube de Futebol Benfica (Fofó), trabalha em part-time num restaurante.

  1. É sempre difícil quando queremos fazer o que mais gostamos e uma das coisas é ter que ir jogar para fora. No meu caso, em Espanha. Mas agora estamos a melhorar. No futebol feminino estamos com os clubes já a investir mais e cada vez com mais equipas no feminino com mais condições.
  2. Discriminada não, mas há sempre aquele comentário de que os homens são melhores. Isso é o normal e é um mentalidade que infelizmente não vamos conseguir mudar. Mas genericamente não.
  3. O tabuleiro está muito mais virado para os homens, infelizmente. Mas espero que um dia, não digo igualar, mas estaremos muito próximos. Há países em que não estão iguais mas estão perto. E Portugal poderia também ser assim.
  4. Não sei se foi por ser mulher ou não, mas a realidade é que no desporto masculino há mais investimento, não há tanta mulher a competir e formação das camadas mais jovens e temos que partir por aí para poder formar jogadoras. E há mais disponibilidade, mais contratos profissionais. Nem todas as equipas conseguem.

MADALENA FEU
61 anos, natural de Lisboa, licenciada em Psicologia, Dirigente da Administração Pública, Delegada Regional do Algarve do IEFP, em Faro

  1. Não diria tanto… tem sido, sim, percorrido com muito trabalho, empenho e dedicação. Com grandes desafios e aprendizagens permanentes, que me têm permitido crescer não só profissionalmente, mas como pessoa. Ao fim de 40 anos desta caminhada, faço um balanço muito positivo, mesmo incluindo os momentos mais difíceis, que hoje encaro com muito mais confiança e tranquilidade.
  2. Não. Em nenhum momento da minha vida. Desde muito nova que assumi responsabilidades de liderança e gestão de equipas e, mais tarde, na minha vida profissional, tive a oportunidade de ter tido uma progressão rápida na minha carreira. Sinto que tive o retorno e o reconhecimento pelo meu trabalho e pelas minhas competências, sem qualquer entrave por questões de género.
  3. O “combate” que tem vindo a ser feito em prole da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, tem tido os seus frutos, e julgo que as gerações mais novas já começam a ter uma postura diferente nesta matéria. No entanto, ainda há muito para fazer… as mulheres continuam a assumir maioritariamente a responsabilidade de educação dos filhos e das lides domésticas, o que as condiciona nas suas escolhas profissionais ou as sobrecarrega excessivamente. Em muitos setores de atividade, os cargos de direção continuam a ser maioritariamente masculinos. Continuam a existir, nalgumas profissões, salários diferenciados para as mesmas tarefas. As mulheres continuam a ser também as mais atingidas pelo desemprego. Enfim, estes são alguns exemplos que me levam a responder-lhe que, na minha opinião, esta “competição” ainda é desigual. Não podemos desarmar…
  4. Sinto-me hoje realizada como mulher, profissional e mãe. Nunca desejei ser homem. Tenho tido acesso ao que pretendi e me esforcei por ter. Se foi difícil? Sim, foi! Sobretudo no período de crescimento dos meus filhos, em que tive que conciliar a exigência da minha atividade profissional e a necessidade de acompanha-los e de estar com eles. Mas tenho tido a oportunidade de trabalhar numa instituição que, desde sempre, tem apoiado a conciliação entre a vida profissional e familiar e contei também com o apoio da minha família.

MARGARIDA CANTINHO
31 anos, natural de Faro, bailarina profissional formada na Dutch National Ballet Academy, Amesterdão. Profissão: Bailarina e professora de dança

  1. Sim, o mundo da dança está cheio de altos e baixos e é preciso muita paixão, determinação e foco para poder ultrapassar todos os obstáculos.
  2. Sim, enquanto bailarina entendi que as possibilidades das mulheres receberem uma proposta de emprego são menores comparadas às dos homens. Isto deve-se também ao facto de haver uma menor afluência de homens na área. 
  3. Não, homem e mulher, enquanto profissionais, não competem no mesmo tabuleiro. No meu percurso cruzei-me com muitos mais coreógrafos e diretores do sexo masculino. Muitas vezes, numa oportunidade de escolher um ou outro, a decisão foi sempre o homem. 
  4. Mais oportunidades de emprego, ascensão mais rápida na carreira e por consequência um salário mais elevado. É uma constante luta pelo nosso lugar. Os cargos do poder estão ocupados por homens, as mulheres acabam quase sempre por tomar uma posição mais baixa e por isso acabam por ter menos voz e menos crédito.

MARGARIDA FLORES
50 anos; naturalidade Póvoa de Varzim, licenciada em direito com Pós Graduação em Direito penal e europeu; com profissão de Jurista, neste momento desempenha funções de Diretora de Segurança Social do Centro Distrital de Segurança Social de Faro

  1. Tem sido uma caminhada de muito trabalho e dedicação ao mesmo. Tirei o curso de direito em Coimbra. O meu ano de ingresso na faculdade foi o terceiro em que entraram no curso mais mulheres que homens. Recordo que nessa altura eram poucas as assistentes mulheres, bem como que, só no meu quarto ano, tivemos uma doutorada mulher. Quando acabei o curso exerci advocacia em escritório de advogados na Póvoa de Varzim e em Tavira. Quando ingressei na Segurança Social, em finais dos anos noventa, fui trabalhar no crime fiscal. Fui técnica dos ilícitos criminais, chefe de seção na área da execução fiscal , diretora de unidade das contribuições e mais tarde também das prestações. Hoje sou diretora de segurança social, cargo que exerço desde 2016 . A Segurança social é uma casa com muitas mulheres .
  2. Recordo que quando comecei a exercer advocacia no algarve, tive um cliente que se foi queixar ao meu patrono. Dizia que gostava muito de mim, do meu trabalho, mas que não podia ir a tribunal e ser defendido por uma mulher. Como é óbvio deixei de trabalhar para esta pessoa. Luto todos os dias para que ninguém se sinta discriminado. 
  3. Penso que nos últimos anos avançámos muito na igualdade de oportunidades e no combate à desigualdade entre homens e mulheres. Temos um legislador que se preocupa com a igualdade. É um objetivo que tem de continuar na nossa ação.
    Mas a pobreza é muitas vezes sexista e, por exemplo, quando o desemprego assola a sociedade ou uma crise (como muito recentemente aconteceu) sabemos que na realidade dos nossos dias, são as mulheres que mais sofrem.
    Todas e todos, de todas as idades, devemos trabalhar e lutar para que a sociedade mude e seja mais igualitária.
  4. A que teria acesso se fosse homem e acabou por não ter? Quais os obstáculos que encontrou?
    Para além de algumas discriminações pontuais, acredito que tenho o direito e sou capaz como qualquer homem. Encontrei muitos obstáculos, como acontecem a muitas pessoas, que se foram superando.
    Penso que o mais importante em termos de cidadania é educarmos e passarmos a mensagem de que cada mulher tem dentro de si tudo o que precisa e que não deixe que o mundo a convença do contrário.

MARGARIDA TENGARRINHA
93 anos, natural de Portimão, Completou o curso de pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Para além de pintora, trabalhei como jornalista do «Avante», redactora da Rádio Portugal Livre, Jornal «A Terra» e para outros orgãos de informação portugueses e estrangeiros.

  1. Ter entrado na luta antifascista, nas fileiras do MUD Juvenil, ainda muito jovem, e a seguir na dura vida clandestina do PCP, foi na verdade uma dura caminhada, sempre sob as ameaças da repressão e fugindo às constantes buscas da PIDE.
  2. É praticamente impossível que qualquer mulher, ao longo da sua vida, não se tenha sentido descriminada por ser mulher. No meu caso, enquanto funcionária do Partido Comunista, não me senti de facto descriminada. 
  3. Na verdade, homem e mulher, enquanto profissionais, não gozam dos mesmos direitos (muito embora este facto colida com os direitos constitucionais). Cito, por exemplo, as diferenças salariais, a dificuldade para a mulher, de acesso a postos de chefia, e muitas outras desigualdades de tratamento, acrescentando ainda o verdadeiro escândalo do aumento da violência contra a mulher..
  4. No meu caso pessoal, tive sempre acesso ao que ambicionava, sem ter sentido impedimentos. Mas realmente, pelo facto de ser mulher, sempre fui sensível às dificuldades que se levantam pelas diferenças de género.

MARIA DA GRAÇA VENTURA
65 anos, doutorada em Letras – História da Expansão Portuguesa (Universidade de Lisboa, 2003), professora de História do ensino secundário, em Portimão

  1. Quando a profissão que escolhemos, ainda que condicionados, nos apaixona, os escolhos são secundários. A consciência que sempre tive de contribuir para a formação intelectual e cívica dos jovens facilitou os progressivos constrangimentos da atividade docente, sobretudo a partir de 2005. Contudo, a maioria dos jovens docentes, atualmente, debatem-se com graves problemas de mobilidade e precariedade.
  2. Não, apenas senti discriminação por ter uma formação académica superior à maioria dos colegas. Por outro lado, há diretores e, sobretudo, diretoras que se afirmam pelo exercício prepotente do seu poder que é muito maior que o público imagina. Então, sim, a discriminação recai sobre os professores mais dinâmicos.
  3. Na minha profissão é evidente uma clara maioria de mulheres. Paradoxalmente, o poder é, em geral, exercido por homens. Quando competimos no mesmo nível de poder a relação é saudável e nunca senti desconsideração por parte do género masculino talvez porque nessa situação as mulheres são, em geral, mais ativas e dinâmicas. O tradicional papel do homem como líder ainda condiciona muito a disputa de lideranças e as relações intrafamiliares. Todavia, se olharmos para as reuniões de encarregados de educação notamos que são as mães que estão mais presentes o que traduz o papel tradicional da mulher como educadora dos filhos.
  4. No exercício da minha profissão essa questão nunca se colocou porque jamais disputei qualquer protagonismo. Como cidadã, noto que são os homens que têm mais poder de decisão, quer na política, quer nas empresas. Todos sabemos que, em muitas profissões, o salário das mulheres é inferior aos dos homens e que estas ainda se sentem privadas de liberdade individual.

NOÉLIA JERÓNIMO

50 anos, natural de Tavira, a formação “vem dos livros e da vida”. chef de cozinha, em Cabanas

  1. O meu percurso profissional tem sido feito através de uma grande entrega de vida . Nada na minha vida tem sido fácil . Muita entrega ao que faço , e as pessoas.
  2. Sim já senti várias vezes o peso de ser mulher e o peso de dar ordens aos homens.
  3. Sim homems e mulheres competem no mesmo tabuleiro. Mas as mulheres são mães e acabam por dar menos tempo a esta profissão ! É uma profissão de muita entrega de muito tempo de vida .
  4. Somos nós que fazemos o nosso caminho e calçamos os nossos sapatos , não é por ser homem ou mulher que vamos deixar de ter mais ou menos obstáculos. As mulheres  que vivem esta profissão, são mulheres coragem, são mulheres que se agarram ao um sonho de vida . Nunca se esqueçam que as mulheres são as mães do mundo! Todas as mulheres devem ser respeitadas em todas as profissões! 

SÓNIA LOPES
50 anos, natural de Olhão, licenciada em Gestão (ESGHT/UALG), responsável pelo Controlo Gestão e vogal do Conselho de Administração da empresa Rolear, em Faro

  1. Sim, tem sido uma caminhada (já) de longo curso (30 anos de trabalho em apenas 2 empresas – Salexpor, SA (11) e Rolear, SA (19), com muito dedicação, muito empenho, toda a disponibilidade e vontade de aprender e de vencer, encarando sempre os desafios que me foram sendo colocados com toda a determinação.
  2. Até um determinado momento creio que sim. Mas tentei sempre contrariar essa situação, na esfera profissional, mostrando total disponibilidade, dando muitas vezes prioridade ao trabalho, em detrimento da vida pessoal. E isso sendo uma mulher é aproximar-se do “mundo dos homens”. É ser olhada quase como “um homem”. O que só é possível se tivermos muita força e apoio em contexto familiar (quem “divida tarefas com”, e não quem “ajude”).
  3. Gostava de acreditar e de dizer que sim, que isso é coisa do passado mas, penso que ainda não é uma realidade a 100%. Acredito, no entanto, que já não é a excepção que confirma a regra e que, cada vez mais, e bem, em termos profissionais julgamos as competências de cada um independentemente do género. Mas ainda não é uma verdade absoluta.
  4. Estou muito bem resolvida comigo no papel de mulher e considero que se fosse homem não teria tido mais oportunidades, porque tenho trabalhado muito para elas acontecerem e tenho tido a “sorte” (dá muito trabalho) de estar numa empresa liderada por pessoas que têm valorizado e reconhecido o meu esforço e as minhas competências. Acredito que os obstáculos existem para todos, enquanto pessoas, e que por vezes surgem pela nossa atitude e pela forma como permitimos que os outros olhem para nós. Penso que neste momento a nossa sociedade já está neste ponto.Ultrapassarmos a questão homem/mulher não só no contexto profissional, mas na sociedade em geral, passará sempre pelo respeito e pela valorização do outro independentemente do seu género.

VERA CASACA
37 anos, natural de Faro, doutorada, formadora na ETIC Algarve, Professora Convidada – Universidade de São José, Macau – China. Argumentista/Realizadora

  1. Tive um percurso pouco ortodoxo pois estudei e fiz o doutoramento em ciências na Alemanha. Contudo o bichinho da escrita sempre esteve presente desde os 17 anos. Decidi estudar cinema aos 29. Depois quando regressei a Portugal, cheia de sonhos, senti um choque. Os entraves para conseguir executar os meus projectos, multiplicavam-se. Sim, o percurso profissional tem sido complicado e por vezes desmotivante – mas acredito que isto seja uma característica transversal a qualquer um que tente fazer cinema em Portugal.
  2. Nāo. Passei por, e de forma pontual, um momento de condescendência extrema e outro momento incómodo devido a um  comentário inapropriado no local de trabalho. Não foi discriminaçāo em si, foi paternalismo patético e a outra situação prendeu-se com um comentário com nuances sexuais e despropositado tendo em conta que estávamos em reperàge para um filme. Ambas as situações com senhores mais velhos. Ah! Outra situação mais recente aconteceu na frente de alguns membros da equipa. Um colega fez uma piada que para o meu trabalho (eu era assistente de realização nessa produção) deveria estar agarrada a uma vassoura porque é isso que as mulheres fazem. 
  3. Depende das profissões. Honestamente… Vejamos por exemplo, o ratio enfermeiros/enfermeiras. Vejamos agora o ratio realizadores/realizadoras, ou políticos em altos cargos/políticas… Acredito que com o tempo estes abismos tão acentuados se irão dissolver, mas provavelmente já cá não estarei para assistir.
  4. Tive sempre acesso a tudo que um homem teria. Mas isso teve obviamente a ver com a minha personalidade e com a forma como fui criada pelos meus pais. Claro, também nasci em Portugal nos anos 80 e por isso sinto-me abençoada. Seria diferente se, por exemplo, fosse a realizadora Haifaa al-Mansour. Haifaa foi a primeira mulher a realizar uma longa-metragem na Arábia Saudita em 2012! E fê-lo com extrema dificuldade. Muitas vezes teve de realizar à distância e através de walkie-talkies por diferentes razões culturais (não ser vista em público, não ser bem visto mulheres e homens trabalharem juntos, etc). Isso sim é considerado um obstáculo. Eu nunca passei semelhantes situações – aliás para nós ocidentais até nos parecem inverossímeis em plenos século XXI.

João Prudêncio

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