Cavalos-marinhos em perigo de extinção na Ria Formosa

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Cavalo-marinho junto ao relógio de um mergulhador (Foto: Project Seahorse/facebook)

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Ainda não há uma explicação concreta e até podem ser várias: grandes quantidades capturadas ilegalmente, poluição, degradação ambiental e, até, causas naturais são alguns dos motivos apontados. Ria Formosa chegou a ser a zona com maior concentração de cavalos-marinhos do mundo, mas a população das duas espécies que habitam aquela área natural já decaiu mais de 90 por cento

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DOMINGOS VIEGAS

Há vários anos que os investigadores do Centro de Ciências do Mar (CCMar) da Universidade do Algarve alertam para o risco de extinção de cavalos-marinhos na Ria Formosa. Esta área protegida chegou a ter a maior densidade de cavalos-marinhos do mundo, mas as populações das duas espécies (Hippocampus hippocampus e Hippocampus guttulatus) que habitam esta zona sofreram “um decréscimo muito grande” e “dramático”, que, nalguns locais, chegou a ultrapassar os 90 por cento.

Recentemente, o Mercado de Peixe de Olhão foi palco do fórum “Cavalos-marinhos da Ria Formosa”, no âmbito de um projeto, com o mesmo nome, que junta Fundação Oceano Azul, Oceanário de Lisboa, Associação Natureza Portugal (WWF) e Sciaena – Oceanos, Conservação e Sensibilização, que visa avaliar o estado das populações de cavalos-marinhos da Ria Formosa, o impacto que a captura ilegal tem nas espécies, bem como sensibilizar para a urgência da sua proteção.

“A questão da captura ilegal de cavalos-marinhos é, apenas, um de inúmeros problemas e desafios que a Ria enfrenta, ao qual não podemos voltar as costas. Ficamos chocados com as notícias de extinção de espécies emblemáticas noutros locais do mundo, como os rinocerontes-brancos ou os orangotangos, mas a maioria das pessoas nem se apercebe que o mesmo está a acontecer aqui no nosso país. Não podemos deixar que isto aconteça aos cavalos-marinhos”, alertou, Gonçalo Carvalho, da Sciaena.

A iniciativa, aberta ao público e que contou com o apoio da Câmara de Olhão e do Grupo de Ação Local (GAL) Pesca do Sotavento, debateu questões sociais, legais e económicas, mas também outras relacionadas com o estado de conservação das populações daquelas espécies.

Região começa a despertar para o flagelo

“Foram colocadas várias questões pelos participantes, que dificilmente terão resposta sem o envolvimento a longo prazo de todas as partes interessadas”, referiu a bióloga Rita Sá, uma das responsáveis pelo projeto e especialista na área dos oceanos e da pescas na ANP/WWF, destacando ainda os vários contactos que foram efetuados durante os três meses em que o projeto esteve no terreno. A Sciaena, a ANP/WWF, a Fundação Oceano Azul e o Oceanário de Lisboa vão agora analisar os resultados desta campanha e planear futuras ações.

Porém, a presença daqueles participantes e a preocupação evidenciada durante o fórum mostra que “o Algarve está a começar a despertar para o flagelo do desaparecimento em massa dos cavalos-marinhos da Ria Formosa”, considerou Tiago Pitta e Cunha, da Fundação Oceano Azul e do Oceanário de Lisboa. ”Trata-se de uma espécie que poderá desaparecer a curto prazo, mas que, a manter-se, poderia ser um símbolo forte desta região”, frisou.

Captura ilegal …e não só

A Polícia Marítima chegou a referenciar alguns indivíduos por pesca ilegal de cavalos-marinhos e há cerca de um ano foram detidos em Espanha dois traficantes portugueses que tinham na sua posse mais de 2 mil exemplares. Recorde-se que estas espécies estão abrangidas pela Diretiva de Habitats 92/43/CEE, de 1992, por isso, qualquer atividade que implique o seu manuseamento, detenção ou captura carece de autorização por parte das entidades competentes.

Mas, segundo os especialistas, a captura ilegal não é a única causa para o declínio da espécie.

Cavalos-marinhos secos (Foto: Allison Stocks/Project Seahorse)

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O CCMar da Universidade do Algarve, que alerta há vários anos para a necessidade de proteger os habitats destas espécies, já tinha explicado que os cientistas “não encontraram, até ao momento, nenhum fator que tenha provocado o decréscimo”, mas alertavam para “um conjunto de elementos que podem ter prejudicado esta comunidade, como é o caso da pesca direta ou acessória, poluição e atividades lúdicas na Ria”.

Assim que registaram os primeiros dados sobre este acentuado decréscimo nas populações de cavalos-marinhos, os cientistas começaram “a desenvolver esforços no sentido de proteger as duas espécies de cavalos-marinhos que habitam na Ria e os seus habitats”, frisaram os especialistas do CCMar noutro dos comunicados de alerta. Entretanto, já foram criadas na Ria Formosa pradarias simuladas e campos de algas para tentar recuperar a perda de habitat. Aqueles investigadores também apontavam um prazo entre três e seis anos para serem obrigados a por em prática um plano de emergência.

Espécies particularmente vulneráveis

Segundo um estudo realizado há cerca de 16 anos (em 2000), a Ria Formosa era o local com maior densidade populacional de cavalos-marinhos a nível mundial. Menos de uma década depois, os especialistas verificaram um decréscimo considerado “dramático”, superior aos referidos 90 por cento.

Entretanto, estudos mais recentes demonstraram que a abundância populacional das duas espécies que habitam a Ria Formosa, “apesar de estar longe dos valores anteriormente observados”, registou “um ligeiro acréscimo” comparativamente aos estudos que tinham sido realizados em 2009, explicou o Departamento do Algarve do Instituto da Conservação na Natureza e das Florestas (ICNF).

Apesar das causas concretas do desaparecimento das populações de cavalos-marinhos na Ria Formosa ainda não estarem identificadas, os especialistas sabem que a poluição sonora subaquática, a degradação ambiental, a pesca, bem como situações naturais, são fatores que “têm um impacto significativo e contribuem para um fracionamento continuado” destas populações.

O ICNF recorda que os cavalos-marinhos são espécies “carismáticas” e “particularmente vulneráveis” devido à sua biologia peculiar. “São espécies que providenciam cuidados parentais a pequenas proles, possuem fraca mobilidade e elevada dependência relativamente ao seu habitat”, explicam os especialistas.

Além da referida vulnerabilidade, há ainda o facto destas espécies habitarem zonas costeiras de baixa profundidade, onde a atividade humana é mais acentuada e as perturbações ambientais são mais frequentes e severas. Este fator “leva a que as suas populações se encontrem ameaçadas à escala mundial devido à degradação ambiental, captura acessória em artes de pesca e sobre-exploração para utilização em medicinas tradicionais e aquariofilia”, acrescentam os mesmos especialistas.

Refira-se que as duas espécies de cavalos-marinhos da Ria Formosa são o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-de-focinho-curto (Hippocampus hippocampus), ambas sujeitas aos mesmos problemas.

Paralelamente, os investigadores descobriram que as estruturas artificiais podem ser utilizadas com sucesso na reabilitação do habitat destas espécies, no entanto “continuam a ser necessários outros estudos para avaliar as causas ambientais e antropogénicas que levaram à diminuição populacional registada”.

Símbolo da Semana da Ria Formosa

Recentemente, o cavalo-marinho foi escolhido como símbolo da Semana da Ria Formosa, precisamente com o objetivo de alertar para a atual situação de declínio da espécie. Trata-se de uma iniciativa do ICNF que junta mais de uma dezena de entidades dedicada aos valores ambientais e culturais daquele espaço natural e que decorre anualmente no mês de abril.

“Ao ser uma espécie indicadora da qualidade ambiental, funciona como um alerta para as ameaças que o sistema lagunar da Ria Formosa enfrenta”, explica a organização.

A Semana da Ria Formosa tem como público alvo a comunidade escolar dos concelhos do Parque Natural da Ria Formosa. “Pretende difundir informações, bem como estimular o conhecimento e práticas que possam incrementar a consciencialização e o reconhecimento da importância daquela zona. Pretende-se, assim, contribuir para a construção de uma consciência ecológica conducente à preservação do património natural e cultural”, referem os responsáveis.

(Foto: Hans Hillewaer)

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Curiosidades sobre os cavalos marinhos
(Fonte:ICNF)

Os machos engravidam: A fêmea deposita os seus ovos numa bolsa que o macho tem no abdómen, tendo o macho a tarefa de os criar até ao nascimento. Quando os ovos eclodem os pequenos cavalos-marinhos são libertados pelo macho através de contrações que podem durar até 12 horas. As crias são independentes após o nascimento e somente uma em um milhar sobrevive até à idade adulta.

São peixes: Não parecem os peixes típicos, mas estão classificados como tal, devido às seguintes características: a bexiga natatória para controlar a flutuabilidade, guelras para respirar e barbatanas para os propulsarem na água.

…mas não têm escamas: Os cavalos-marinhos não têm escamas, o seu corpo é constituído por um exoesqueleto que consiste em placas rígidas fundidas entre si.

Adoram comer: Os cavalos-marinhos realmente adoram comer. Eles alimentam-se constantemente de pequenos crustáceos, para satisfazer um elevado metabolismo de modo a se manterem vivos. As crias podem ingerir umas impressionantes 3000 porções de alimento por dia!

Acasalam para a vida: São criaturas monógamas por cada ciclo reprodutor. A sua corte inclui uma dança em que exibem várias cores, nadando lado a lado e em redor um do outro.

Exímios na arte da camuflagem: Estas criaturas são especialistas em esconderem-se no meio onde vivem. Algumas espécies até podem mudar de cor corporal para se misturarem com o meio, enquanto outras já têm a cor adequada, forma, tamanho e textura para se confundirem com corais.

Uma cauda invulgar: A sua cauda preênsil permite-lhes agarrarem-se a ervas marinhas e outras algas evitando que sejam arrastados por correntes fortes e ondas.

Maus nadadores: Os cavalos-marinhos são maus nadadores. O que os torna diferentes dos outros peixes, é que nadam numa posição vertical. A barbatana dorsal bate a 30-70 vezes por segundo para os propulsar, as barbatanas peitorais ajudam à estabilidade e ao rumo.

Olhos funcionam independentemente: Têm um grande sentido de visão. Os seus olhos movimentam-se independentemente um do outro, de modo a estarem sempre conscientes do meio que os rodeia.

Têm poucos predadores: São muito rígidos e indigestos para a maioria das espécies com quem coabitam, assim não têm muitos predadores com que preocupar. No entanto, a grande ameaça para a sua sobrevivência são os humanos, que os capturam a um ritmo mais elevado do que aquele a que eles se conseguem reproduzir.

(Reportagem publicada no suplemento JA Magazine que acompanhou a edição impressa do Jornal do Algarve de 27/09/2018)

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