Nove países da América Latina ameaçam abandonar a Cimeira de Cancún (México) sobre o clima, se os países desenvolvidos recusarem a continuação do Protocolo de Quioto depois de 2012.
Os nove países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) ameaçaram que abandonariam a Cimeira de Cancún, no México, onde estão a decorrer as negociações climáticas promovidas pela ONU, se os países desenvolvidos não aceitarem um segundo período do Protocolo de Quioto depois de 2012.
O Alba, que inclui países como a Venezuela, Equador, Bolívia, República Dominicana e Nicarágua, diz que é apoiado por países africanos e árabes, e insiste que o Protocolo de Quioto – cujo primeiro período de cumprimento vai de 2008 a 2012 – é o único tratado internacional legalmente vinculativo, isto é, que obriga os países desenvolvidos a metas de redução das emissões de CO2. O argumento é partilhado pelas ONG do ambiente presentes em Cancún.
A polémica foi provocada por declarações de Hideki Minamikawa, vice-ministro para o Ambiente Global do Japão – paradoxalmente, o país onde o Protocolo foi assinado em 1997 (na cidade de Quioto) -, que antes de começar a Cimeira de Cancún afirmou à agência Reuters que o prolongamento de Quioto não fazia sentido.
Japão quer um só tratado para todos
E a 3 de dezembro, já com a Cimeira a decorrer (desde 29 de novembro), Minamikawa foi ainda mais esclarecedor nas suas declarações aos jornalistas: “O Protocolo de Quioto é um primeiro passo para a mudança, mas não faz sentido estabelecer um segundo período de vigência dos seus compromissos depois de 2012”.
Porquê? Porque “os signatários de Quioto (os países desenvolvidos, exceto os EUA) representam apenas 15% das emissões globais do planeta, mas os países que assinaram o Acordo de Copenhaga (em dezembro de 2009) provocam 80% das emissões de CO2, e nós queremos um único tratado legalmente vinculativo para todos”.
Fontes diplomáticas revelaram que, apesar de oficialmente não assumirem ainda essa posição, outros países signatários do Protocolo de Quioto como a Austrália, o Canadá e a Rússia, parecem concordar com a posição do Japão.
WikiLeaks: confissões polémicas de presidente europeu
Esta polémica vem aumentar ainda mais o pessimismo que já pairava nas negociações climáticas internacionais antes de começar a Cimeira de Cancún. Assim, apesar de a UE querer recuperar a liderança do processo perdida há um ano com o Acordo de Copenhaga, a verdade é que vários dirigentes políticos comunitários e europeus fizeram nas últimas semanas declarações que refletiam expectativas muito baixas quanto aos resultados de Cancún.
E o escândalo mundial provocado pela recente divulgação pública de 250 mil documentos diplomáticos dos EUA através do famoso site WikiLeaks veio deitar mais achas na fogueira.
Segundo o diário britânico The Guardian, há documentos que revelam que o presidente do Conselho Europeu, o belga Herman van Rompuy, confidenciou a um diplomata americano que as negociações climáticas na Cimeira de Copenhaga em dezembro de 2009 tinham sido “um incrível desastre” e que a negociações em Cancún seriam igualmente desastrosas.
Temperaturas sobem 4 graus com reduções voluntárias
A realidade é que, de acordo com as contas feitas pelo Programa de Ambiente da ONU no final de novembro, as promessas feitas pelos diversos países desde o Acordo de Copenhaga, de redução voluntária das emissões de CO2, só permitem que a temperatura da Terra não aumente mais do que quatro graus até ao final do século, e não os dois graus que muitos cientistas dizem ser o limite a partir do qual o aquecimento global é irreversível.
Para a UE, o estabelecimento de um regime mundial para o clima a vigorar depois de 2012 passa por abordar em Cancún a integração no processo da ONU dos compromissos em matéria de emissões assumidos no quadro do Acordo de Copenhaga.
E também temas como a definição de regras de transparência na monitorização das emissões, a desflorestação nos países em desenvolvimento, a reforma e ampliação dos mecanismos do mercado de carbono, as medidas de adaptação às alterações climáticas, a transferência de tecnologia e a governação do futuro Fundo Verde de Copenhaga para o Clima.
Dulce Pássaro recusa pessimismo
Em declarações ao Expresso, a ministra do Ambiente contraria de algum modo o tom pessimista reinante, ao reconhecer que “um novo acordo climático internacional legalmente vinculativo só é possível depois de muitos passos intermédios”. E um deles é precisamente a Cimeira de Cancún.
Apesar de o Acordo de Copenhaga ser frágil e ter contrariado as elevadas expectativas que havia na opinião pública sobre as negociações climáticas, Dulce Pássaro salienta que “nunca se falou tanto do tema, e depois de Copenhaga a opinião pública e os decisores políticos ficaram mais sensibilizados para as questões do clima”.
Sobre Portugal, “é verdade que grande parte da decisão política está neste momento concentrada na crise económica e financeira”, mas a ministra assinala que há setores relacionados com o combate às alterações climáticas “que têm estado bastante dinâmicos, como é o caso das energias renováveis, que criam emprego e apostam nas exportações”.
Estratégia para as alterações climáticas
Por outro lado, Dulce Pássaro recorda que o Conselho de Ministros (CM) aprovou no início do ano a Estratégia de Adaptação para as Alterações Climáticas, “que vai ser aplicada a todas as áreas da governação”. Entre os problemas a enfrentar estão a erosão costeira e a os sinais de desertificação.
Em novembro, uma nova resolução do CM aprovou a criação de um Roteiro de Baixo Carbono até 2011, que vai definir as ações a concretizar em Portugal para se cumprir a meta da UE de redução em 20% das emissões até 2020. Até agora as ações só estão definidas para o setor da energia, faltando os transportes, a agricultura e o setor doméstico, entre outros.
O CM aprovou também na mesma altura a elaboração de um novo Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), porque o atual termina em 2012, e de planos setoriais. Em 2008 Portugal estava a três pontos percentuais de atingir a meta estabelecida pelo Protocolo de Quioto para as emissões de CO2 (mais 27% em 2012 em relação a 1990).
Virgílio Azevedo/Rede Expresso