Como conseguimos uma vacina contra a Covid-19 tão rapidamente?

Hoje, dia 27 de Dezembro começa a administração das primeiras vacinas contra o vírus SARS-Cov-2 em todos os países da União Europeia. Em comparação com outras vacinas anti-virais, as vacinas contra a Covid-19 foram desenvolvidas e autorizadas muito rapidamente, o que tem causado alguma apreensão nos cidadãos. As pessoas questionam-se como é possível todo o processo ter sido tão rápido sem comprometer a sua eficácia e segurança. Com este artigo pretendo clarificar os aspectos que permitiram este feito científico inédito com o objectivo de eliminar os medos infundados e estimular todos os cidadãos a serem vacinados.


Em primeiro lugar, existia uma consciência entre a comunidade científica para a possibilidade de ocorrência de uma pandemia e portanto alguns planos estavam já delineados. Isto possibilitou uma colaboração sem precedentes entre cientistas de instituições académicas e cientistas da indústria farmacêutica à escala mundial. Esta partilha de informação e trabalho complementar intensivo nunca antes tinha acontecido.


A vacina que vai ser inicialmente administrada em Portugal, a da Pfizer/BioNTech, é uma vacina baseada na técnica de ARN-mensageiro (ARNm), técnica esta que estava já a ser testada em ensaios clínicos para outras infeções virais como o vírus Zika, o vírus da Raiva ou o Citomegalovírus. Com a célere identificação do SARS-Cov-2 na China, no início do ano, e a sua sequênciação genética, foi relativamente simples criar uma vacina para o novo coronavírus usando a técnica de ARNm. Contudo, estas vacinas nunca foram usadas em larga escala na população, e talvez o principal medo das pessoas é ser uma vacina que contém material genético do vírus. Gostaria de clarififcar que este medo é descabido, por vários motivos:


A) o ARNm é altamente instável e portanto degrada-se rápidamente;


B) o ARNm não tem a capacidade de integrar no genoma dos humanos e portanto não pode modificar genéticamente as nossas células;


C) o ARNm usado na vacina codifica apenas uma proteína do vírus e não tem, portanto, a capacidade de sintetizar um vírus inteiro (cerca de 29 proteínas diferentes). Outros componentes da vacina são lípidos e sais minerais que ajudam a estabilizar o ARNm e açúcares que atuam como crioprotetores (as vacinas são armazenadas a baixa temperatura), ou seja, são componentes inofensivos.


Em segundo lugar, os ensaios clínicos ocorreram a uma velocidade sem precedentes, não porque foram ignorados ou contornados alguns passos mas pelos seguintes motivos: Num processo normal os ensaios clínicos são muito morosos porque têm elevadíssimos custos e porque passam por um processo burocrático que envolve frequentemente uma longa espera pela parte das intituições competentes. Desta vez, houve um financiamento imediato, um número record de pessoas das autoridades reguladoras a trabalhar em simultâneo, dados científicos e clínicos a serem recolhidos eletronicamente e com acesso livre, ensaios pré-clínicos (em animais de laboratório) a decorrer em paralelo e também, não menos importante, o número adequado de voluntários – enquanto outros ensaios clínicos podem demorar meses ou anos até ter o número de pessoas vacinados para ter resultados estatisticamente relevantes.


Em terceiro lugar, tivemos a sorte das vacinas serem muito eficazes e das farmacêuticas começarem a produzir a vacina em grande escala antes de completar todas as fases de ensaios clínicos. Deste modo, assim que estes foram completados, a comercialização e distruibuição das vacinas foram iniciadas, permitindo a sua admistração à escala global em tempo record.

Neste momento histórico, começámos a proteger as populações vulneráveis, quer por serem dos grupos de risco, quer por serem profissionais de saúde, e devemos sentir-nos privilegiados por isso.


Esta vacina representa um sinal de esperança e a curto prazo todos teremos a possibilidade de ser vacinados e por isso encorajo todos os portugueses a fazê-lo sem qualquer receio.

Monte Gordo, 27 de Dezembro de 2020

Telma Lança

Cientista. Natural de Monte Gordo, Doutorada em Imunologia pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 2013.
Trabalhou em Amsterdão no Netherlands Cancer Institute durante 5 anos .
Atualmente é Cientista na Universidade Técnica da Dinamarca, em Copenhaga

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