Confraria do Atum “renasce” para defender um produto que faz parte da história de Vila Real Sto. António

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Depois de quatro anos de intensa atividade, a Confraria do Atum passou por um período mais difícil mas está de volta, com mais força, garante a atual direção, para continuar a defender a gastronomia e o saber fazer tradicional

DOMINGOS VIEGAS

O atum teve tanta importância no passado em Vila Real de Santo António que, em meados do século XX, esta cidade chegou a ser considerada a Bolsa do Atum, ou seja, era a cidade pombalina que marcava o preço deste produto a nível mundial.

Esta espécie era capturada nas diversas armações instaladas ao largo da costa do sotavento algarvio e a maioria dos atuns tinha como destino a lota de Vila Real de Santo António. Posteriormente, os atuns eram transportados para as dezenas de fábricas de conserva que representavam o grande motor da economia da, então, vila, hoje cidade.

Nas últimas décadas do século passado a pesca do atum foi entrando em decadência e acabou mesmo por desaparecer da região, mas deixou em Vila Real de Santo António um legado de tradições ligadas, principalmente, à arte de desmanchar o atum (o tradicional ronquear) e, fundamentalmente, à gastronomia.

O atum deixou de ser pescado por armações algarvias, mas nunca faltou à mesa dos restaurantes e das casas dos vila-realenses. Muitas das receitas são, ainda hoje, elaboradas à moda de antigamente.

E foi precisamente para promover o atum e o legado desses tempos áureos, principalmente ao nível da gastronomia e do sabe fazer, que foi criada a Confraria do Atum, em 2008, na cidade pombalina. Surgiu da vontade de um punhado de vila-realenses e tavirenses (Tavira é outro dos municípios com tradição “atuneira”). Primeiro como associação e, posteriormente, como confraria.

Os primeiros quatro anos foram os de maior atividade. Neste período, a confraria organizou o Congresso do Atum, em Tavira, que teve bastante impacto devido às personalidades, industriais e especialistas presentes. Foram ainda realizadas duas edições do evento “Estupeta Gigante”, que consistiu na elaboração daquela especialidade gastronómica de atum em tamanho gigante, e também duas edições do Festival do Atum, estes últimos quatro em Vila Real de Santo António.

Porém, António Cabrita, que preside atualmente a direção, explica que a função da confraria não é organizar festivais ou qualquer outro tipo de evento. “Estamos mais na posição do consumidor, que consome aquilo que é feito por quem produz. O nosso papel é o de defender as receitas e a tradição. Nós também sabemos fazer dois ou três pratos de atum, mas não nos passa por a cabeça abrir um restaurante”, esclarece.

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Em 2009 foi feito o primeiro capítulo (a festa anual) e a primeira entronização (cerimónia de investidura), onde foram entronizados os primeiros 20 confrades. Dois anos depois realizou-se o segundo capítulo, onde entraram mais duas dezenas de confrades, e em 2013 aconteceu o terceiro, que permitiu aumentar este número para 48.

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“Numa primeira fase houve um apoio muito importante do Grupo Coração da Cidade, porque, no fundo, era a base, já que o empresário Luís Camarada foi o primeiro presidente e também a referência de tudo isto”, explica António Cabrita.

Posteriormente, a Confraria do Atum entrou num período mais difícil, entre 2013 e 2015, com escassa ou nula atividade, e que levou, inclusivamente, à sua expulsão da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómica (ver entrevista em caixa).

“Ao princípio as pessoas aderem com muita facilidade, acham muita piada aos trajes e aos desfiles, mas uma confraria não é só isso. Manter uma confraria em funcionamento exige muita vontade. Passámos um período complicado, mas esta nova direção começou a dar um impulso diferente à atividade da confraria. Estamos a fazer as coisas mais devagar, mas com passos mais certos”, esclarece o presidente da direção.

Uma das primeiras iniciativas desta segunda fase da confraria é um encontro mensal, que permite aos confrades visitar um restaurante por mês. Os membros da confraria provam os pratos de atum e deixam um diploma que o distingue como restaurante que serve pratos de atum com o mínimo de parâmetros exigidos em termos de qualidade.

“Pugnamos por defender as formas tradicionais de confecionar o atum. Isso para nós é ponto assente. Observamos as inovações e não as rejeitamos, mas o grande objetivo é preservar o saber fazer tradicional”, frisa António Cabrita.

Entre os objetivos desta nova direção da Confraria do Atum está ainda a reintegração na federação das confrarias, retomar a colaboração com outras entidades, entre as quais as escolas, e, principalmente, criar o Conselho Superior da Gastronomia do Atum.

Segundo António Cabrita, esta última meta é fundamental para reunir os mestres do saber fazer tradicional e valorizar o trabalho da confraria: “Não nos podemos arvorar em grandes defensores e representantes da gastronomia enquanto não estivermos minimamente organizados e estruturados. E enquanto não tivermos do nosso lado aqueles que fazem, ou seja, os profissionais dos restaurantes”.

Atualmente existe mais de uma centena de confrarias no país, entre gastronómicas e enófilas, seis das quais no Algarve. Em diferença, por exemplo, com a Confraria dos Gastrómomos do Algarve, que é mais regionalista e defende toda a gastronomia do Algarve, a Confraria do Atum defende um produto específico, tendo por base os concelhos de Vila Real de Santo António, Tavira e Castro Marim, e ainda, eventualmente, os municípios espanhóis de Ayamonte e Ilha Cristina, que também têm tradição no atum.

O quarto capítulo da Confraria do Atum decorreu recentemente em Castro Marim e a direção pretende que o do próximo ano seja realizado no outro lado da fronteira, em Ayamonte.

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António Cabrita: “Queremos criar o Conselho Superior da Gastronomia do Atum”

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Quem é que pode entrar na Confraria do Atum?
Definimos uma nova norma, a qual determina que só se poderá entrar por convite. Isto não quer dizer que alguém que se ofereça não seja aceite. Mas quem entrar terá, pelo menos, que frequentar os nosso encontros mensais para ficar a saber como é que a confraria funciona e para ir entrando na nossa dinâmica. Não é nossa intensão criar elitismos, mas é preciso que os membros tenham vontade de participar. Não vale a pena estar a permitir a entrada de 40 ou 50 pessoas de cada vez, com acontece nalgumas confrarias, e depois procurar alguém para colaborar nas iniciativas e não aparecer ninguém. Não faz sentido.

A Confraria do Atum foi expulsa da federação. Porquê?
Por incrível que pareça, deixámos de pagar quotas. Inscrevemo-nos logo após a criação da confraria, seguimos todas as regras exigidas, mas acabámos por deixar de pagar e deixámos de dar conhecimento das nossas atividades… Tudo na altura em que passámos por algumas dificuldades e praticamente não tivémos atividade. Isto é uma das provas que, quando nos queremos integrar nas coisas, é preciso cumprir regras. Uma confraria não é propriamente uma associação. Mas já estamos a preparar o regresso à federação. No próximo sábado vamos entregar ao representante da federação o dossiê com toda a informação para podermos retomar a condição de membros efetivos da Federação das Confrarias Gastronómicas.

Porque é que deixaram de participar no desfile do Dia da Cidade?
Participámos durante dois anos no Cortejo Histórico e Etnográfico, trajados, mas deixámos de o fazer porque não era o local próprio para usar o traje. Os participantes naquele desfile vão, de alguma forma, disfarçados e isso pode levar a alguma confusão se os membros da confraria estiverem lá trajados. O traje das confrarias tem o seu momento e as suas regras para ser usado. O traje é para ser usado apenas quando deve ser usado, ou seja, em cerimónias das confrarias ou noutras situações excecionais que estão perfeitamente definidas.

Quais são os principais objetivos nesta nova fase?
Queremos criar o Conselho Superior da Gastronomia do Atum, onde vamos tentar juntar os mestres e todas as pessoas ligadas à restauração do concelho de Vila Real de Santo António. Este é um dos nossos grandes objetivos. Ser da confrariar não implica ser cozinheiro ou proprietário de um restaurante. Ser da confraria implica gostar de atum. Por isso, os mestres e os chefes de cozinha devem ter um espaço próprio onde possam definir e classificar a qualidade dos restaurantes. Também pretendemos retomar a cadência de fazer um capítulo por ano, voltar a integrar a federação e continuar a colaborar com diversas entidades, entre as quais as escolas.

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