CRÓNICA DE FARO: A “Moagem” e a minha infância

Foi-o sempre e ao longo de meio século um ex-libris do chamado «Bairro Chinês» e da zona da Estação Ferroviária, conferindo-lhe uma imagem estatutária de uma referênia da arquitetura industrial contemporânea e do progresso económico e produtor da Faro de então. A «Moagem», a grande unidade da Companhia Industrial do Algarve, desenvolvia-se em vasta área construída entre as Ruas Miguel Bombarda, Gomes Freire de Andrade e da Moagem (esta ocupada em toda a sua extensão por um troço de linha férrea, ainda hoje existente, por onde circulavam as composições ferroviárias que transportavam os cereais para serem moídos e transformados em farinha). Com grandes máquinas, que não sabemos qual o destino que lhes foi dado e que constituiriam um valioso espólio para um museu industrial, tinha a Moagem, nos elevados silos, que ainda lá perduram, a sua identidade altaneira e de depósito da produção cerealífera vinda do Alentejo, «celeiro de Portugal», como então nos ensinavam e de outras regiões.

A par da sua grande atividade e num dos topos do lado nascente do imóvel a padaria era, talvez, a nós «vizinhos», a que mais nos interessava, já que manhã cedo ali íamos buscar o saboroso pão, com «contra-peso» que, não raro, era comido no retorno a casa. Dali trazíamos também, por conivente solidariedade de um «senhor padeiro» a sémola, que constituía o substrato de algumas refeições nos tempos difíceis da «Guerra» e seguintes. Nasci numa casa situada em algarvia varanda, com o cheiro da Ria, ali a dois passos e dos apetrechos de pesca (redes do tresmalho, da redinha ou do tapa-esteiros, das merjonas e dos remos e de mariscar que, meu avô materno e tios, traziam para o lar). Por ali, mesmo quando já lá não morava, sempre me houve e com este viver toda a memória da Rua da Moagem, chamada de Miguel Bombarda, em homenagem ao insigne médico e republicano.

A partir de Maio, a «Moagem» vai deixar de existir, já que o camartelo irá começar a destruí-la para dar a um amplo conjunto habitacional com centenas de apartamentos, zona comercial, estacionamentos e tudo o mais que um investimento superior aos mais de 50 milhões de euros o fará surgir. A «Nova Moagem» onde bem gostaríamos de ver painéis – memória na lembrança da «Velha Moagem».

João Leal

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