Crónica de Faro: Assis Esperança, o reencontro

Este tempo de pandemia levou-me com uma maior assiduidade às estantes domésticas, procurando preencher os tempos impostos pelo confinamento. Delas nos saltaram o livro de novelas «Funambulos» (1ª edição, 1925, Livrarias Aillaud & Bertrand, Paris – Lisboa) da autoria de Assis Esperança, talvez o maior escritor farense contemporâneo. Dedicado a Ferreira de Castro, a quem chama de «o grande amigo», trata-se de uma obra de profundo realismo deste algarvio, que tanto amou a Terra Mãe e que igualmente escreveu: «A vertigem», «Viver», «Noite de Natal» (teatro), «Ressurgir», «O monturo», «O dilúvio» (Prémio da Associação dos Profissionais de Imprensa, 1938), «Gente de Bem», «Servidão», «Trinta dinheiros», «Pão Incerto» e «Fronteiras» (1972). Galardoado com o «Prémio Ricardo Malheiros», em 1946, foi jornalista de «Seara Nova», «O Diabo», «Vértice», «Renovação», «A Crítica (teatro) e profundo interventor na vida política e social, sendo membro do Pen Club e fundador da Sociedade Contemporânea de Autores e da Sociedade Portuguesa de Autores, ambas encerradas pelo Governo da Ditadura.


António Assis Esperança nasceu em Faro, ali no Jardim de São Pedro, onde se encontra o monumento em sua memória excelente, obra do escultor João Fragoso e tem o seu nome na toponímia da sua Terra Mãe e de Loulé, Aljezur, Moita e Matosinhos.


Tivemos o grato ensejo de conhecer pessoalmente este farense, mais do que a todos os títulos honra e orgulho de Faro e do Algarve, no café «A Brasileira do Chiado», ao meio de uma tarde de Abril ou Maio, no final dos anos sessenta. Impressionou-nos a sua figura, em simultâneo austera e afectiva, com uma lhaneza de tracto e de solidária fraternidade, que nos emocionou.

Fomos apresentados por esse saudoso e grande amigo, dos maiores que na vida houvemos, o jornalista vila-realense José Barão, no compasso em que tomava o café antes do exercício profissional no extinto diário «O Século». Falámos de Faro e do Algarve, dos seus problemas e anseios, da vida dos seus conterrâneos, que era uma das suas grandes preocupações.


Um encontro assinalado que re-acontece quando passo pelo largo onde nasceu Assis Esperança e que ora se houve nesta releitura de «Funâmbulos», de onde transcrevo:


«Na taberna vai um silêncio agoirento, pesado de ameaças, como em covil de bandoleiros. Aninhados à mesa, seis homens jogam em vigilância de malfeitores para divisão de pilhagens, a jurarem pela atenção, desforço imediato para qualquer insignificante artimanha: dobrados sobre si mesmos, mãos de dedos impacientes, torpor espicaçado por arquejos, inércia de olhos sanguinários a rebrilharem…»

João Leal

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